sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Alfredooooooooooo.........

Indescritível.
É assim que se explica a situação dentro de um vagão de trem, mega lotado, as 6h20 da manhã.
Nada que se diga para explicar, explica de fato aquilo.
Nunca se sabe ao certo onde acaba seu corpo e começa o corpo do outro.
Eu nunca tenho certeza de que minha perna é mesmo minha, ou se já estou cutucando a perna errada.

Manter o cabelo no lugar é impraticável, camisa passada é perda de tempo, e bolsas um verdadeiro estorvo.
Mas ainda assim é possível render umas boas gargalhadas.
Pensa na cena:
Vagão hiper, mega, super lotado, povão apinhado, sem espaço pra por os dois pés no chão,
(é sério: Você tira o seu pé e logo descobre que não dá pra por de novo...levanta o braço e nunca mais pode descer....)

Enfim... Estamos lá nesta situação limite, e o jeito é fazer amizade logo com o cabra que está colado em você, tratar de puxar uns assuntos bem broxantes, antes que no silêncio a mente dele comece a maquinar e você se veja na péssima situação de ter que dar uns safanões em alguém, logo cedo...
Entre um solavanco e outro, apaga a luz, e, cadê o ar-condicionado???Já era.

Os baixinhos se ferram, o ar some primeiro pros nanicos, o calorão sufoca e a sensação térmica é a da boca de um dragão. Muitas vezes a sensação olfativa também.

O sujeito do lado, aquele que até um minuto atrás eu odiava, pois me cutucava as costelas sem dó, liga pro 0800 da CPTM e mostra que celular no trem não serve só pra tocar música feia e acabar com o humor da mais alegre das criaturas.
'
- “Cara, o trem que ta passando na estação Patriarca tá sem 'oxigênio'. Dá um jeito nisto, avisa alguém ai...tem gente demais aqui, cara. ‘Tamo’ sem ar....Como é seu nome? Alfredo? Ta Alfredo, obrigada”

Alfredo???
Logo alguém lembra: “Mano, o cara vai vir trazer o papel pra gente?
”O cara vai aparecer correndo do lado do trem, com o papel higiênico na bandeja!”
Risada geral.

Alguém passa mal, e lá vai o pobre coitado que se matou pra sentar, levantar pra sujeita se recuperar do mal estar.
Lembro de contar de quando um sujeito de quase dois metros passou mal atrás de mim, depois de sentarmos o cabra, a moçoila do meu lado resolveu especular o motivo do mal estar do rapaz:
-Você comeu?
-Não.
-Tem que comer meu senhor, se não passa mal mesmo..blá, blá, blá, blá, blá, blá....
-Minha filha, deixa o cara. Ele ta passando mal. Você tem uma rosquinha ai pra ele comer? Se não tem fica quieta.
-Rosquinha? Só se for a sua!
-Minha filha, rosquinha lá em casa é bolacha, se na sua casa é outra coisa, problema seu!

Pela risada geral do povo, na hora que contei da rosquinha, percebo que realmente rosquinha é outra coisa; pra todo mundo.

Foi o tempo de pararmos de rir e o ar voltar a funcionar.
Viva o Alfredo!

Logo se ouve:
-Respira, respira... vai que desligam de novo.
O povo ‘dana’ a rir de novo.

...e assim chegamos no Brás.
Amassados, como se uma vaca tivesse nos mastigado e nos cuspisse na plataforma, mas com cara de bobos, rindo.
Dizem que brasileiro é assim. Povo feliz.
Não sei se é coisa de brasileiro, pois nunca conheci outros povos, mas lembro que “Rir de tudo é desespero”. Acho que é mais por ai.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Vertigem

Vertigem.
É a primeira sensação.
Frio.
Não um frio comum,
Mas um frio daqueles que começa na espinha e termina na alma.

E o silêncio repleto de significado, paira no ar com peso de chumbo.
Quase consegue tocar o silêncio.
Não há mais riso, não tem mais música,
Só o silêncio.
Estático passa os olhos pelos mesmos lugares,
Outrora cheios de vida, agora perdidos debaixo de uma fina poeira.

De novo a vertigem.
O chão?
Cadê o chão?
Ele estava aqui ainda há pouco, agora cadê?
Tenta se sentar, pra recobrar a sensação de apoio.
Mas não há apoio.
As paredes também sumiram, o teto, o quintal...
Toda a vida evaporou.

Antes o ar era respirável, agora insuportável.
Seco. Quente.
Contraditório.
Respira um ar quente, que entra e congela tudo por dentro.
Devora-lhe por dentro o frio, e por fora o calor.

O coração faz eco, no silêncio da noite.
E o chão?
Não o encontra mais, mas sabe que ele está ali
Debaixo dos seus pés....mas onde estão os seus pés???

Sempre achou que o vazio não tinha forma.
Agora percebe que tem.
E tem cheiro também.
O vazio tem gosto,
O vazio tem cor.
O vazio tem consistência e aderência.
Adere na pele, impregna-se em cada canto do corpo.
O vazio se esconde debaixo das unhas,
no meio dos cabelos.
O vazio ocupa tudo, no meio das prateleiras,
Entre os bibelôs, sobre os enfeites de porcelana...
O vazio se mostra, grande, suntuoso, ofuscante.

Antes ela estava lá.
Falante.
Pulsante
Amante.

Agora era vazio.
A Tal presença da ausência de quem falara o poeta.

Vertigem.
De novo.
De novo o silêncio sepulcral.

Na espinha o frio.
Na boca o amargo.
Gosto amargo do dia seguinte.
Dia seguinte de um futuro perdido.

Ela se fora...
Sem meios, sem motivos, sem porquês.
Ela se fora.
Sem nem mesmo olhar para trás.
Na verdade ele sabia os porquês.
Todos eles.
O problema todo fora os porquês.

E agora, só vertigem.
Sem porquê algum.
Ela se fora.
E não voltaria mais.
Se bem a conhecia, ela não mais voltaria.
Não levara nada, e mesmo assim ele sabia que ela se fora.

Aquele vazio contava pra ele que ela se fora.
Não o vazio dos armários.
Nem o vazio das panelas.
Nem mesmo o vazio da cama.
Mas sim
O vazio no ar.
Ocupando tudo.
Dando forma a tudo.

Vertigem.
Era esta a primeira sensação do fim.
Ele sabia.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Positivo.

Lembro que a principio parecia inadmissível.
Sim, eu já sabia como eram feitas as criancinhas,
Meu pai, incansável, me explicara tudo e todas as formas de não tê-las sem prever,
Mas, ainda assim, eu tentava me convencer de que
todo aquele mal estar devia mesmo ser alguma doença incurável.
Não era um enjôo normal,
era daqueles de te jogar no chão, agarrada ao vaso sanitário sem o menor pudor, e ali prostrada colocar até a alma pra fora, pela boca, e com muito barulho. Pior do que a pior das ressacas.

Acordar cedo? Uma tortura sem precedentes... Aliás, acordar, fosse cedo ou tarde, era uma tortura.
Arrastava-me em direção ao trabalho, com correntes nos pés e carregando um tronco nas costas...
Sono constante.
Enjôo? Da comida, dos cheiros, de todos.
Chegava na estação República, do metrô, subia um lance de escada e agarrava uma lixeira.
Subia outro lance, outra lixeira.
Horrível. Deprimente. Um verdadeiro vexame.

Vencida pela evidência só me restava fazer o fatídico exame.
Acompanhada por uma amiga, lá vou eu.
Coleta feita, resultado só sairia no fim da tarde, e ainda eram 09h00.

A amiga, me leva pra sua casa e solidária ao meu súbito silêncio, me deixa só.
Só pra pensar na vida. Na minha e na que viria, fosse o resultado o óbvio.

Já nesta época a responsabilidade financeira com a casa era minha.
Desde muito cedo havia sido assim.
Homem da casa. Contas na ponta do lápis
Isto me dava uma enorme autonomia, muito embora sentisse o peso nos ombros.
Ombros de menina que buscava ser mulher.
Lembro que só esta certeza me impulsionava: A certeza de que não haveria ninguém apto a me cobrar.

Não havia outra possibilidade. Era enfrentar ou enfrentar.
E eu enfrentaria. De nariz em pé.

Fim de tarde
Resultado pronto,
Escrito a mão, me permitia não entender.
Olhava, olhava, mas não entendia o que estava escrito ali.
A amiga traduz o que meus olhos não queriam ver:

Positivo.
O resultado que iria mudar minha vida.
O amor que iria mudar minha vida.
Amor visceral como costumo dizer.
Dolorido. Entranhado.

Foi assim que ela chegou em minha vida.
Sem esperar, mas muito bem vinda.
Sem esperar, mas perfeita pra fazer da menina, mulher.
Meio na marra, meio dolorido,mas bom.

Hoje sei que se não fosse ela eu não seria o que sou.
E gosto do que sou.
Positivo, o resultado. De Fato.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Devora-me.

Devora-me a tua boca, toda ela.
Se perca em meu corpo, nele inteiro, e assim inteiro perdido, encontre-se no meu desejo, desejo crescente em mim.
Sem pressa, sem medo, deixa eu sentir tua textura na ponta da língua. Deixa que eu desfaleça nos teus braços, devorada por teu desejo, embriagada por teu contato, envolvida por seu cheiro e o seu gosto em mim.

Deixa que eu me perca no teu olhar, no teu sorriso, sem ontem, hoje ou amanhã.
Só importa este agora desmedido e incontido, só importa este agora em que nos perdemos.
Deixa eu te sentir,
no dente, na pele, na unha, no gosto, no cheiro,
sem tempo, sem rótulos, sem marcas, sem restrições.
deixa que o depois se perca, e que nunca o encontremos
que o agora seja tudo e o depois uma mentira.

Que importa os nomes? Os endereços?
Que importa todo o resto se tua boca me devora?
Que importa os caminhos, os minutos, o relógio a distância?
Que importa um ontem inexistente, um amanhã incompleto se o agora nos bastar?

Que importa todo o resto e todo o mundo se a tua boca me devora?
Devora-me.
Com tempo e sem paciência.
Com insistência e sem receio.
Com gosto, com força, com jeito.
Devora-me até que eu me perca completamente,
Sem destino, sem caminho, sem meios, só encontrada em ti.
No meio de ti.

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