segunda-feira, 23 de março de 2009

Segredo de familia.

O beijo.
Foi na hora do beijo que ela decidiu que seria dele, por mais um tempo, por vários dias, por toda vida, se desse certo.

Quando menina sua irmã lhe segredara que no primeiro beijo a mulher pode identificar as mil possibilidades de uma relação.

Tem beijos que são bons, tem beijos que são muito bons.

Tem beijos que alegram, beijos que confundem,

Beijos que parecem técnicos, beijos que parecem arte.

Beijos que invadem e beijos que pedem pra fazer parte da sua boca.

Tem beijo que chega sem que se queira, e ai é tarde pois já não queres mais que ele parta.

Tem beijo que dá cócegas, beijo que dá nojo, beijo que dá medo.



Ela nunca colocara muita fé naquela teoria maluca, e sempre acreditou que o primeiro beijo, como mil outras primeiras vezes, nem sempre são as melhores.

Seguiu sua vida, de beijo em beijo,
Beijou alguns sapos achando que de fato virariam príncipes,
E, piadas a parte, logo descobriu que o inverso acontecia com frequência muito maior: os príncipes viravam sapo, depois do beijo, ou até bem antes.

Quando menina não entendia exatamente como aplicar a teoria da irmã, sábia instrutora na arte do amor.
Beijava sim, mas não tinha ainda despertado em si o quanto de fome há no beijo,
Não sabia entendia ainda como os cinco sentidos se aplicam ao beijo,
Que ele é feito de cheiro, de gosto, de tato, e, sobretudo de visão e audição.

Vida seguiu,
de beijo em beijo,
Menina se fez mulher,
E mulher feita, beijou pouco,

E a teoria de sua irmã jamais foi colocada em prática.



Até que a vida, nesta estranha mania que tem de nos empurrar pro recomeço,
A empurrou também.

E, na arte do amor, recomeço implica, necessariamente em beijo.
Pode-se abster de todo o resto, se for o caso, mas o beijo tem que acontecer.


Pode então perceber que o beijo primeiro escondia de fato uma estranha sensação de premonição.

O Tato, neste caso era para ela o primeiro sentido usado.
Media-se o calor, a umidade, a profundidade e força do beijo, mediasse tudo no tatear da boca.

O cheiro, ah, talvez o cheiro viesse antes até.
Aquele cheiro gostoso, que fica na nossa boca, lembrando que outra boca passou por ali.
Não é cheiro de creme dental, ou de bala, ou cigarro...é o cheiro que fica no fundo, escondido, que sentimos quando respiramos perto de outra boca.

O paladar,]
sim...beijo tem gosto, todos sabem,

E não vamos descambar pros gostos outros, nem sempre agradáveis,

Vamos nos ater apenas ao gosto da boca.
Cada boca tem um gosto, e este gosto alcança nossa boca de um jeito diferente.
Aqui se mesclam o tato e o paladar, como em uma dança, dando ao beijo ritmo.

Dos beijo que deu,
Encontrou sensações variadas,
Ritmos diversos,

Fugiu de vários,
Quis muito alguns,
Chorou por outros,
Desistiu de outros tantos,

Mas todos ficaram atados apenas aos 03 sentidos.

Não entendia ainda onde poderia a visão e a audição fazer parte disto,
Como lhe confidenciara sua irmã, nos tenros anos de sua meninice.


Até que,
Fim de tarde de um domingo,
Domingo daqueles,
Fim de campeonato,
O time vencedor não é o seu,
O livro que lê não chega logo ao fim, e tudo parece chato e vazio.

Um convite pra passear no shopping,
Um suco, um cinema...

Mas então,
Sabe-se lá qual foi a hora, mas ele decidiu, antes dela, que a beijaria.
E a beijou antes do fim da frase, afinal, ela não parava mesmo de falar.

E,
O beijo.
O beijo dele, silenciou a praça toda.
Não havia ninguém mais ali.
Ela poderia abrir os olhos mas não veria ninguém.
E um silêncio enorme tomou conta dela.

Ela já ouvirá falar de sinos que batem,
Mas o que ela ouvia não eram sinos,
Ela ouvia o silencio,
Ouvia o ar entrando e saindo dos seus pulmões,
Ela podia ouvir o sangue correndo mais rápido nas suas veias,
Ela ouvia o coração dele batendo, e o seu, ao mesmo tempo.


A praça inteira,( praça de alimentação de um shopping, movimentado e barulhento) foi tragada por um silêncio repleto de paz.
E mesmo com a alma repleta de paz,
Seu corpo todo tremia,
Os braços dele, e só isto, a impediram da dobrar os joelhos e cair estatelada no chão.

E ali,
Por uma fração de segundos,
Lembrou-se de sua irmã:]

“é no primeiro beijo que você sabe se aquele homem será importante pra você”,
“é uma arma feminina, que eles não possuem: somos capazes de ver e ouvir o beijo.”


...Sim. Agora ela entendia.

Finalmente.
Podia enfim,
passar o segredo adiante...

De fato:
Ela podia ver e ouvir aquele beijo.
O beijo dele.
E só o dele.

terça-feira, 17 de março de 2009

Camomila

Sentia que sua irritação logo se tornaria incontrolável.
Queria dormir mas não conseguira.
Na vã tentativa de buscar o sono resolve escrever.

O computador acabara de dar pau, de novo, antes que ela conseguisse salvar suas útimas anotações.

O cachorro do vizinho uivava, sem parar, despertando toda a cachorrada em um raio de quilômetros.
Pelo menos era esta a impressão que ela tinha : Todos os cachorros do mundo inteiro latiam e uivavam em um coro desesperador.

Na casa ao lado o morador acredita que a música que ele ouve deve ser compartilhada com tantas quantas pessoas forem possíveis...e aumenta o volume.
O coro dos cães segue o mesmo tom.

Ela empurra a mesinha do computador com os pés, levanta irritada da cadeira velha que range também, fazendo barulho.

Talvez não seja mesmo uma boa hora para escrever.
Tudo é barulhento demais para conseguir se concentrar em algo.

Faz barulho principalmente dentro dela.
Barulho de copo quebrado. Barulho de guitarra mal afinada.
Tamborins loucos saltitam dentro de seu cérebro.
Crianças gritam, mulheres falam, como sempre todas ao mesmo tempo.
Barulho demais.

A irritação que parecia sem fundamento assume proporções assustadoras e agora ela tem certeza que o maldito vizinho da casa ao lado é o culpado de tudo.


Ele tem culpa desta noite abafada, dos pernilongos sanguinolentos que lambem o repelente, e também fazem barulho, zunindo sem parar.
O vizinho infeliz tem culpa daquela dor de cabeça que começou há dias e não vai mais embora.

Não importa que o vizinho estivesse viajando quando a dor começou, a verdade, única e imbatível é que ele é um cão danado,
Devia cair rolando as escadas, mas não quando estivesse bêbado.
Devia cair sóbrio e quebrar uma perna.
Uma não; duas.

Ela detesta o vizinho nesta hora mais do que já detestou qualquer outra praga conhecida.
Detesta mais do que a ratos.

Abre a janela disposta a gritar pra que ele abaixe aquele som ridículo, e faça o seu cachorro desafinado parar de uivar.

Mas percebe que mesmo que gritasse a plenos pulmões dificilmente a dupla; cão e dono; ouviriam seus berros.

Veste um casaco, abre a porta.
Atravessa a distância que lhe separa da casa ao lado com passos largos e certeiros.

Entra sem bater, pois o cretino costuma deixar a porta escancarada,que é pro som ganhar o mundo com mais veemência.

Ela entra,
Semblante duro, voz engasgada, mãos tremulas.


E então para, estática.

Lá está ele:
Sentado no meio da sala,
Na mão a foto de seu filho, que ela ouvirá dizer que morrera muito jovem, vitima de algum mal desconhecido... daqueles que chegam silenciosos e ganham a saúde dos pequenos antes que você possa descobrir o que é.

Penumbra, uma xícara descansa sobre a mesa de centro.
Fotos esparramadas do menino.
o ambiente era alegre. Estranhamente era alegre.
Havia perfume no ar, perfume de camomila...

O som batia em um ritmo estridente e o cão continuava uivando.

Ela movimentou-se bruscamente no intuito de partir antes que a visse, mas neste instante ele levantou a cabeça e sorriu.

Chá???O cheiro era de chá de camomila.
Ela pensou que ele teria uma cachaça barata por perto, nunca uma xícara de chá.

Pensou em partir antes que sua irritação incontida tomasse rumos e proporções piores,

Mas, antes que pudesse sair, por um instante,
um único instante,
fez silêncio dentro dela.

A guitarra estridente subitamente afina-se em melodia forte, porém ritmada, os copos quebrando juntaram-se em movimentos mágicos,
Os tamborins assumem agora um toque alegre, as mulheres e crianças barulhentas agora cantam...

O sorriso dele,
o sorriso daquele homem sozinho com suas lembranças,
calou todo o barulho de sua alma.

Havia música na saudade daquele homem.
Música que invade e explica quase tudo.

Antes que o sorriso se transforme em uma frase ela volta pra sua casa.

Deita em sua cama e chora toda sua irritação.
Chora por ter perdido a capacidade de ouvir música.
Chora por não ter saudades.
Chora porquê faz barulho dentro dela.
Não importa pra onde vá e onde se esconda, faz barulho.
Todos os dias.

Dorme em cima do choro, em cima do uivo, em cima do rock.
Dorme engolindo seu grito, seu som, seu ranço
Dorme com o cheiro de camomila.

terça-feira, 10 de março de 2009

"Anticoncepcional x Máquina de lavar roupas"

Acabo de ver que o jornal do Vaticano, “L’Osservatore Romano” publicou artigo no qual afirma que a máquina de lavar talvez tenha feito mais pela liberação da mulher do que o anticoncepcional.
Polemicas a parte,
concordo em gênero número e grau com a tese de que a “Jurema” deve ser tratada com honras de chefe de Estado.

Jurema é o nome de minha máquina de lavar.
Coloco nome em tudo.
O aparelho de som é Julião.
O guarda-roupas Jerônimo, e por ai vai...mas sem dúvidas é a Jurema que domina o lugar de honra.

Já escrevi anteriormente aqui minha opinião sobre o ritual, considerado unicamente feminino, de lavar roupas... (http://eutodososdias.blogspot.com/2008/10/lavando-roupa-suja.html).

Sem dúvida alguma, e longe de mim pensar o contrário, o anticoncepcional nos deu uma possibilidade incomparável de vivermos plenamente nossa feminilidade, com segurança e literalmente de forma mais “relaxada”, no sentido prático da coisa, se é que me entendem...

Mas para mim o ponto chave na comparação “Anticoncepcional x Máquina de Lavar Roupas” é que
ser mãe é algo buscado por muitas mulheres,
o poder de gerar um filho no ventre é algo cobiçado por certos homens,
e por vezes a mulher abre mão do anticoncepcional,totalmente, na busca da maternidade.

Agora me diga, qual mulher almeja lavar um mega-cesto de roupas???
Que homem olha meigamente, doce e sorridente pra um balde cheio de água e sabão, onde serão jogadas meias sujas e fétidas???
Sim, nós esfregamos golas de camisa na mão,
usamos a escova de cerdas mais duras nas calças jeans, mas dificilmente abrimos mão da Jurema, totalmente.
Ela sempre esta lá: linda, absoluta esperando por nós, de braços,(ou seria melhor dizer tampa)abertos!!!


A paternidade participativa é propagada aos quatro cantos, é lindo ver um pai embalando um bebê, trocando-lhes as fraldas, uma mãe que ensina o homem a dar banho no infante é bem quista e imitada,
Hoje em dia o homem não pode simplesmente correr de suas responsabilidades, está ai o teste de DNA e o código penal que geralmente é aplicado nestes casos,

Mas quando simplesmente menciono que um homem deve saber lavar a própria roupa (e não só a cueca!) vejo os olhares que me atravessam, sendo vista como um ser desprovido de compaixão, ou até mesmo como uma criatura preguiçosa e sem qualidades para ser uma boa companheira.

Francamente,
Respeitando as proporções, não podemos negar o advento libertador que as Juremas do mundo inteiro nos proporcionaram!!!

Nada de ficar com braços doendo ao tentar torcer aquele edredom preferido do seu “benhê”,
Chega de bater calças jeans no esfregão do tanque,
Adeus ao processo lento e torturante de enxaguar as roupas!!!!

Viva a Jurema!!!
Viva a mulher livre que não abre mão de ser feminina, mas que não faz questão alguma de ser Amélia.


Feliz dia Internacional da mulher.

08/03/09

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