sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Quero a cor dela.

Quero a cor,
A cor que sustenta o batom,
que dá tom a face,
que dá face pros desenhos.

A cor que alimenta o papel,
a cor que enfeita o balão, balão que some no céu.
Não pode mais fazer balão e a cor se esconde pelo chão,
em folhas coloridas jogadas pelo quarto.

Quero a cor que tinge os cabelos,
Quero a cor que pinta as unhas,
Quero a cor que colore a blusa.

Quero a cor do anel de vidro,
aquele das rodas de cantigas,
Quero a cor do pano,
Quero também o pano,
aquele que eu usava pra dormir.

Quero a cor que pisca no semáforo,
e os carros dançam ritmados com ela,
Quero a cor da faixa amarela,
a que era "bordada com o nome dela",
e também a da plataforma de embarque, que não posso ultrapassar.

Quero a cor que diz para onde devo ir,
aquela que traçada no chão me mostra o caminho,
Quero a cor que dá brilho ao sapato,
a cor que combina com o cinto.

Quero
a cor que desce de mim pra lembrar que posso ser mãe
Quero a cor que escorre do bule, tingindo a porcelana branca.
Quero a cor que rabisca o papel,
Quero a cor do véu, o véu que cobre a cabeça da moça.

Quero a cor marrom, marrom do bombom,
Quero o verde,
o azul e o lilás,
quero o branco, e o preto também.

Quero cores, com memórias e histórias,
quero cores,
cores num buque de flores...
Flores vermelhas, amarelas, brancas.

Quero flores com cheiro dela,
...eu a quero cheia de tons, cheiros, sons.
Quero ela,
Eu quero A PRIMAVERA!

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Desalinha.

Desalinha meus contornos com a sua língua,
traça meus desejos moldando minha vontade.

Toca com os dedos meus cabelos, meus lábios, minha face...
Desenha seus traços em mim,
me marca com o compasso que desenha suas formas no meu corpo.
Encosta sua pele na minha pele, sua boca em mim,
seu corpo, rígido, aquecendo o meu que já te espera.

Beija-me primeiro lentamente e depois vá sugando a minha boca, o meu rosto, meu pescoço, minhas curvas até ser perder de si mesmo.
Encosta sua cabeça no meu peito, ouve minha respiração ofegante, sente minhas mãos te tocando, te buscando, te encontrando.

Canta baixinho, no meu ouvido, desnorteia meus sentidos, brinca de me fazer sua.
Levanta-me até a altura dos seus olhos, me sente envolvendo o seu corpo, e me tenhas enquanto olha nos meus olhos.
Deixa-me provar desta sua boca, enquanto sei que estas em mim, indo e vindo me deixando tonta, louca.

Profana meu santuário, derrama de ti no meu ventre, deixa eu te sentir quente,
Afasta-te de mim, devagar, só pra poder voltar.
...e volta quantas vezes puderes,
até que não possamos mais,
e então o seu colo será o meu ninho,
dormirei com o corpo molhado, cheirando a sabonete, colado no seu.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Um personagem exibido em uma novela de uma importante Rede de Televisão tem trazido á tona um assunto que desperta em mim profundos sentimentos.

Já vi o tema em revistas, em programas de auditório e por algumas vezes também em crônicas da mídia impressa.

O Fato é que a esquizofrenia só ganhou o palco por conta do tal personagem.
Mas quem convive com ela; e só quem convive; é capaz de entender em grau e proporção o que se vê na telinha.

Sou da época que esquizofrenia nem existia.
O termo era “louco” mesmo.
No máximo mencionava-se uma depressão profunda.
Não se separava uma coisa da outra, e depressão também não era algo levado a sério.
Depressão era coisa de gente preguiçosa ou desmotivada.

Eu jamais saberia dizer que minha mãe tinha esquizofrenia.
Ouvia dizer que era depressão. Profunda.
E sabia que o que quer que estivesse acontecendo com ela a roubava de mim.
Hoje sei que ela foi roubada dela mesma.

A lembrança mais remota que tenho de minha mãe é
em uma tarde fria, as luzes da casa apagadas, ela no quarto escuro, deitada...
lembro que já fazia muito tempo que eu a chamava pra brincar comigo...(para uma criança de 04 talvez 05 anos saber precisamente o tempo é impossível...pode ser que fosse apenas alguns minutos, mas o fato de esta lembrança ser tão forte em mim me faz pensar que realmente faziam horas que eu a chamava...). Lembro que ela respondia algo, mas a impressão que eu tinha é que não me ouvia de fato.
Eu sentia que ela nem me via mais. Parecia que eu não estava lá.
Hoje sei que quem não estava lá era ela.
Minha mãe já se perdera dentro de si.
...Depois disto todas as lembranças são uma sucessão de ausências.


Sei, por fotos, que ela foi uma jovem bonita, meiga, jeitosa.
Sei, por relatos de vizinhos que era uma dona de casa cuidadosa. (minha irmã conta que deslizava nos tacos da casa, de tanto que ela lustrava)
Sei, por meus irmãos mais velhos que era uma mãe cuidadosa, que era capaz de acordar as 5h da madrugada para buscar o pão fresquinho para minha irmã tomar café antes de ir trabalhar.
Sei, por ela mesma, que adorava cozinhar, que tocava violino, que costurava.
...Mas não me lembro de nada disto.


Sei apenas que aos 6 anos de idade eu já sentia claramente que ela não notava o que quer que ocorresse comigo.
Perdida na sua dor, nas vozes de sua cabeça (hoje sei que ela ouvia vozes) ela estava sempre ausente e irritada. Agressiva. Sempre acreditando que alguém nos manipulava em tudo que fazíamos.


Na época minha irmã do “meio” estava com 10 anos e é dela a lembrança que tenho de cuidados maternos.
Ela que ia até a pré-escola saber sobre mim, (sim, aos 10 anos de idade ela mandava bilhetes para a professora se cismasse que algo errado estava acontecendo).

Os meus irmão mais velhos, nesta época com 16 e 18 anos respectivamente (talvez mais ou menos) viveram o profundo do trama que envolve o preconceito com a doença.
Penso que para dois adolescentes foi insustentável e impraticavel lidar com algo que não era visto como doença.
A agressividade que eles sofriam, por parte da doença e por tudo que tem de frágil o universo juvenil os levaram para longe de nós.


Em um emaranhado de lembranças, todas elas cheias de ausências, vazios, frios e incompreensão do que de fato estava acontecendo, vi minha casa lentamente desmoronar.
Ela colocou fogo em algumas coisas, outras ela ia depenando e esparramando pelo quintal.
O resto foi se deteriorando por falta de cuidados.
E a única coisa que eu ouvia a respeito de minha mãe era: Depressão. Profunda.

Mas o fato é que ela enlouquecera.
Era isto que as crianças gritavam nas horas de provocação.
Louca.
Hoje eu sei que tem um nome mais bonitinho...ou não, o nome também é feio. Mas pelo menos hoje se luta para que tais pessoas sejam tratadas com o respeito que uma pessoa doente merece. E que sua família,igualmente seja amparada, como a família de um doente precisa ser.

Mas o fato, exposto a exaustão pela mídia, é que o preconceito permanece.

...é indiscutível o dilema que a família sofre sobre como tratar a pessoa doente.
Para meu pai, ex-marido, e meus irmãos tenho a impressão que a idéia de interná-la foi algo contra a qual lutaram arduamente.
Mas sem conviver diariamente com o fato, ter dilemas é mais fácil.
Quando se deita e acorda todos os dias com o fato é inquestionável a incapacidade de tratar alguém que já chegou no limite da sanidade.
Sem a internação seria impossivel.
Como encerrar a quem se ama, sabendo que ela será amarrada, sedada e sabe-se lá mais que?
Definitivamente, tenho a impressão que eles lutaram para não fazer isto.

Há 20 anos atrás e ainda hoje, os loucos são alvo de zombaria, e quando vemos um destes vagando pelas ruas dificilmente lembramos que por trás daquele farrapo de gente, sujo, fétido, delirante, existe uma história.
Muitas vezes são confundidos com bebados ou dependentes quimicos.


Eu pude vagar por meu bairro, aos 10 anos de idade, muito mais que uma vez procurando por minha mãe e não raras vezes conduzi-la pra casa sentindo-me profundamente humilhada pelos olhares dos coleguinhas.
Suja, descabelada, delirante, pouco falava e quando o fazia suas frases não tinham sentido algum... e muitas vezes agressiva:
Mais que uma vez eu e a outra irmã que ficou, tínhamos de dormir no chão do banheiro, esperando um surto de raiva passar.

...não vale a pena enumerar todas as situações que trago na lembrança, principalmente por ser uma etapa de minha vida que já foi vencida, e mesmo por que tudo que quero é juntar minha voz a algumas publicações que li a respeito.

Uma delas mencionava que certo deputado defendendo o fim dos hospitais psiquiátricos mencionou que eles só existia por familiares que queriam se ver livres do parente problemático.
O cronista, inconformado, pai de um jovem esquizofrênico, bradava que tal comentário só podia vir de quem desconhece a dor de ver seu querido alucinado querendo atacar a família e muitas vezes agredir a si mesmo.

É impossível conceber o que vive um parente de alguém portador de esquizofrenia sem viver este “umbral” junto.
Só quem vive esta dor poderia se pronunciar.
Como na maior parte das dores.
Nunca diga: eu sei o que está passando, se de fato não souberes.
...conhecimento, letra, informação, nada disso explica a realidade diária de uma dor a conta gotas.

Fim aos hospitais psiquiátricos?
Não tenho conhecimento legal pra me pronunciar a respeito, mas eu asseguro que foi um hospital psiquiátrico que devolveu minha mãe para mim.

Lembro até hoje o dia que ela foi internada.
Era dor e alivio. Alivio pois eu finalmente poderia dormir em paz.
Alivio pois eu não teria mais medo de ela sumir.
Eu não viveria mais com medo de ela se perder na rua, nem teria que procurá-la pelo quintal no meio da madrugada.
Alivio pois pela primeira vez na vida eu tive a impressão de que alguém fazia algo real por ela.

Lembro que tempos depois meus irmãos falaram que ainda havia um “fio” de sanidade nela, e que foi este fio que os médicos começaram a puxar.
Quando a trouxeram de volta nos advertiram que jamais ela poderia ser deixada até aquele estado novamente, ou nada haveria que a puxasse de volta.

...hoje ela conta que muitas vezes teve de ser presa na cama para dormir. Lembra da rotina hospitalar com carinho pois foi lá que ela travou sua maior batalha e venceu.
Venceu porque havia um exercito capacitado ao seu redor e não apenas crianças que já nem sabiam como amá-la.

O período de afastamento profundo deixou marcas.
Ela tem traços e manias próprias do longo período de alheamento pelo qual passou.
Se olharem ela andando na rua sem dúvida perceberão que ela é diferente.
Ela já não toca violino.
Não consegue mais administrar uma casa, ou cozinhar como antes.
Mas agora ela está ali.
Eu sei que ela me vê e eu também posso enxergá-la

Toda vez que ela se afasta, se ausenta, se confunde, o velho fantasma urra aos pés da minha cama.

E eu lembro que não posso deixar que o fio se parta.
Ou jamais a terei novamente

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