sexta-feira, 22 de julho de 2011

A Bruxa e o Anjo.

Texto postado originalmente no sitio:http://aspirinasurubus.blogspot.com/search/label/Klas
Dia 22/07/11.

Ela penteou seus longos cabelos negros, já sentindo saudades daqueles fios que eram seu manto protetor.
Para onde ia não podia levá-los.
No espelho os olhos, redondos e negros, fitavam-na com receio.
Seus olhos de anjo a protegiam e, no fundo deles, se via a certeza da dor em vê-la partir.
Ângelo também, tão lindo e perfeito, não poderia acompanhá-la.
Loueiny ou Lourdes, como sua mãe preferia, estava com medo, mas precisava ir.
Chegara o tempo de cumprir sua missão.

Deveria vestir-se de cinzas, rasgar suas vestes nobres, triturar suas unhas perfeitas. Cortar os lindos cabelos.
Para onde ia a beleza era vista como falha de caráter, sobretudo a beleza feminina.
Ou pior, algumas vezes a beleza corrompia o caráter e fazia da mulher mero objeto de luxo.
Sua pele lustrosa despertaria pensamentos dos quais ela seria posteriormente culpada.
Melhor cortar os cabelos e esconder os olhos atrás daquelas grossas lentes recém inventadas.
Assim, talvez, teria paz.
Sua beleza que sempre seduzia e lhe dava poder para levantar ou derrubar, não só um homem, mas também um Reino; nunca seria vista como força.
Jamais conseguiriam ver a sábia bondade por trás de sua beleza tida como maligna.
Sua assombrosa sabedoria conquistada em anos e anos de contemplação à Mãe Natureza e afiada com ouvidos atentos para a voz do que não se vê, seria tida como “macumbaria”, blasfêmia ou petulância.
Pior: sua sabedoria seria vista como Pecado.
Melhor calar.
De onde ela saía, as mulheres deviam aprender a calar.
A mulher não podia pensar e muito menos usurpar o lugar que os homens defendiam há séculos: o de Senhores da Criação e preferidos do Criador.
Mulheres que se colocassem como imagem e semelhança do mesmo Deus seriam jogadas na fogueira, seriam malditas, seria banidas.
Mulher só podia ser de dois tipos:

­_ as que conheciam seu próprio poder e escondiam seu conhecimento, ou ainda que assustadoramente belas disfarçavam-se de messalinas e manipulavam os Reis, mas, com isto, eram castigadas à solidão.
­_ as que negavam sua própria força, escondiam-se de si mesma e tentavam viver em paz com seus homens e seus filhos.

De onde Lourdes vinha toda mulher era bela.
Cada uma com seu tom e sua cor.
Cada qual com sua textura.
Narizes, seios, nádegas de todos os tipos e formatos.
Cabelos crespos, lisos, ondulados, todos.
O Belo estava no imperfeito.
Cada qual com seu segredo.
Todas fascinantes.
Mas aprenderam desde cedo o preço de serem mulheres e, amordaçadas, foram encurraladas em um padrão do que é belo.
E o belo mudava de tempos em tempos, depreciando as que não se encaixavam.

Lourdes olhou todas as imagens, escolheu o tipo mais pacato que pode e saiu.
Sua missão era penosa.
Sabia, por antecipação, que venceria.
Mas sabia também que para vencer teria de carregar no corpo todas as dores e misérias de sua luta.
Sabia que se sentiria só.
Temia que sozinha não fosse possível conseguir.
Mas era esta a condição para sua vitória: ela teria de ter coragem de partir primeiro.
Sozinha.
Depois, Ângelo a seguiria.

O grande problema é que, talvez, nunca mais se encontrariam.
Ele jurou que não a deixaria.
Ela jurou que não o esqueceria.
Beijaram-se com amor, encantados e apaixonados que eram um pelo outro.
Tocaram-se com fome e sede um do outro.
Separaram-se como que cada um arrancando de si seu próprio membro.

A grande porta se fechou atrás da jovem e muito sofrida mulher.
Arrastou todas as suas dores pela estrada, sozinha e com medo.

De longe, da janela da grande casa branca, Ângelo chorava.
O amor de sua vida estava no corpo daquela mulher.
Bruxa? Louca?
Não.
Sua fada, sua mulher, seu grande amor.
Ele sabia que ela carregava no peito a espada que matou, antes dela, dezenas de profetas.
Ele sabia que aquela mulher, a mulher de sua vida, era uma feiticeira.
Sabia que ela morreria mil vezes em mil fogueiras diferentes sem nunca desistir de cumprir sua missão.
E ele? Ele era um anjo, calmo e manso, que só teria nesta vida o legado de amá-la, protegê-la e perdê-la dezena de centenas de vidas.
Ângelo Chorou.
E a amou ainda mais.

Dona Ela.

Texto postado originalmente no Sítio:http://aspirinasurubus.blogspot.com/2011/07/dona-ela.html
no dia 13/07/2011


Arrasta-me com teus cabelos.
Toca toda minha pele.
Deixa-me ver-te entrando em meus aposentos, linda e nua.
Passa sua boca fria em minha nuca, sussurrando em meus ouvidos o caminho para o fim, que sei ser só o começo.

Tua pele alva, teu vestido prata aos teus pés.
Seu rosto bonito e doce, sua mão com cheiro de flor.
Ria-te do meu medo, ria-te do medo de todos nós, enrosca tua cabeleira preta e cavalga por todo o redor de mim.

Conta-me teus segredos vitais, mente uma vez mais, e diz que não é agora o fim.
Cobre teu corpo frio com o vestido outrora abandonado ao chão,
Prende teus cabelos com fitas, veste uma sandália branca.
Ri aquele teu riso fino, pinta as unhas de vermelho claro, quase rosa.

Põe teu rosto perto do meu, derrama seu hálito doce sobre mim.
Faça-me ameaças, conte-me que não vou voltar, conte-me que não posso escolher a hora.
Conta-me que vens quando quer e fazes do jeito que bem entendes.

Não é por acaso que tu és mulher, não é por acaso que teu gênero te faz fêmea.
Tu és a Dona temida por todos os mortais, tu és a venerada dos que percebem em ti a porta para o absoluto, tu és a mais abusada das visitações.

Tu te vestes de prata em meus sonhos, tu és linda, tu és minha conselheira.
Pensando em te encontrar bela, me conservo viva, pensando em te encontrar pronta, me conservo firme, pensando em ser digna de ti não desisto nunca.

Amo-te e não nego meu amor.
Causa aborrecimento esta declaração, bem sei.
Mas não te nego nunca, pois sei que será tu a única que não se negará a mim, jamais.
Linda.
Digo-te como já disseram os poetas antes de mim: “ Vem, mas demore a chegar, eu te detesto e amo...”

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