segunda-feira, 16 de maio de 2011

Nunca mais menina.

Sem você?
Sem você, nunca mais.
Se te perco nunca mais encontro um amor assim,
Se te perco nem procuro outro amor.
Sem você nunca mais alguém me dará banho.
Nunca mais.

Jamais alguém havia me dado banho.
Talvez minha mãe antes de se perder de si mesma tenha me dado banho, os banhos primeiros que os bebês tanto gostam.
Francamente não lembro.
Lembro sim de aos 04 anos brigar com o sabonete teimoso que escorregava dos dedos e rapidinho decidir que não precisava dele para o banho.
Só deixava a água cair no corpo e pensava que já estava “limpinha”.

Depois disto, aprendi a tomar banho, claro, mas sozinha.
Nunca alguém havia ensaboado minhas costas, atrás de minhas orelhas, meus pés, entre meus dedos.

Nunca alguém havia me dado banho totalmente despido de sedução.

Este seu gesto tão doce, tão puro, tão despretensioso, me arrastou para dentro de ti.

Te ver de joelhos, ternamente, esfregando meus pés, de maneira demorada e cuidadosa e depois esfregando minhas orelhas enquanto os seus olhos ficavam perdidos nos meus, com uma doçura tão grande que espantava qualquer outra conotação que não fosse a de amor no seu estágio primário, te ver ali, com tanto carinho e ternura, te ver assim tão cuidadoso, arrancou de mim o que eu tenho de melhor, fincou definitivamente seu nome na minha pele.

Se te perco não te esqueço.
Se te perco não morro, pois sempre faço planos pra uma vida sozinha, caso ela venha, mas se te perco, ninguém me dará banho de novo.
Não do jeito que você faz.
Nesta hora não é só meu homem.
Nesta hora é meu abrigo, meu amigo, meu irmão.
Nesta hora é minha vida, toda ela, perdida na espuma do sabonete.

Se te perco, minha vida, eu juro que sigo adiante, por pura teimosia, mas juro também que nunca mais alguém fará de mim menina.

Ela é. Sempre.

(Texto publicado originalmente no blog "Aspirinas & Urubus" no dia 12/05/2011)
(http://aspirinasurubus.blogspot.com/search/label/Klas)

Ele pensou que naquela manhã quando abrisse os olhos descobriria que não respirava mais... mas assim que os primeiros raios de luz entraram pela janela e o encontrou ainda sentado na poltrona do quarto ele pode perceber que ela estava no ar.

Sim: ele enchia os pulmões para o ar entrar e quem entrava era ela...


Levantou-se surpreso e trôpego foi até a janela.

A luz que pela janela entrava era ela.

Amou-a de novo como a amara sempre.

Os amigos costumavam dizer que ela preenchia todos os espaços, que sua presença era resplandecente.

Naquele momento ele pôde sentir esta imensa presença...


Eles eram daqueles casais que olhando de longe parecem perfeitos. Mas eles vão além disto:quando se aproxima e olha de perto você passa então a ter certeza: nasceram um para o outro.


Juntos professaram sua fé e pela fé mudaram seus nomes, traçaram sua vidas um amarrado no outro...

Mas eram amarrados não com nós e grilhões, suas vidas eram atadas com laços de fita, com laços coloridos, com caules de flores, eles flutuavam juntos em bolinhas de sabão e a música de fundo era uma gargalhada cantante.


Naquela manhã o universo dele desabou e a única palavra que ecoava em seu cérebro era: infarto.

Ela se fora, simplesmente se fora.

Assim como o verão dá lugar ao outono, ela se fora dando lugar a um algo que ele ainda não sabia que nome por.

Não era vazio.

Ela ainda estava ali. Ele podia sentir sua presença perfumada no ar.

Olhar o futuro agora era olhar para ela.

Ele sabia, sabia que ainda eram um só.

Naquela manhã ele respirou um ar que era ela, bebeu uma água que era ela, andou por uma calçada que era dela ...

E sorriu.

Sabia... que era para ela.


(Texto produzido em Julho de 2010 em Memória da eterna Bhumi)


Eliana Klas

sexta-feira, 6 de maio de 2011

No claro e no escuro.

Ela, vinte anos.
Ele trinta.
Linda, das 04 irmãs ela seria a única a não perecer nas garras da depressão e posterior esquizofrenia.
Duas irmãs ficaram solteiras, a mais velha e a mais nova.
Ela e a do meio se casaram.
As duas com Silvios.
Os cunhados tinham o mesmo nome, mas os casamentos tomaram rumos distintos.
O dela foi pra vida toda.

Primeiro o pedido:
- Pense bem, sou velho, não vou querer filhos.
Ela resolveu consultar a mãe, que de pronto rebateu:
- Velho? Nem tanto, aos trinta que o homem já sabe o que quer.
Sendo assim, com o aval da mãe se casaram em seis meses.
Primeiros tempos moraram juntos, as duas irmãs e seus dois Silvios.

Não tiveram filhos, por opção, é o que diziam.
Sem filhos tornaram se filhos e pais um do outro.
Ela brava, ele calmo.
Os dois apaixonados.

Ele, com seus 10 anos a mais que ela, sempre foi seu alicerce.
Esteve ao lado dela quando as duas irmãs adoeceram, acompanhava-a nas visitas ao hospital e a casa distante, na periferia, entre uma internação e outra.
Mais tarde quando a sogra, mãe dela, faleceu foi ele quem esteve junto cuidando das duas irmãs que ficaram solteiras.
Anos depois, com a morte da Irmã mais velha dela, ele, sempre paciente, trouxe a cunhada caçula para viver com eles, e cuidaram dela como de uma filha.

E assim viviam, os três.
Ele, sempre com uma piada para sacar do bolso, sempre doce, sempre atento e gentil.
Ela, mão forte, conduzia a casa com braço de ferro, mas com ele era doce.
“Fofo”, era assim que ela o chamava.

Toda noite a pergunta:
-Você me ama.
- Claro.
E dormiam abraçados.
Por cinqüenta anos foi assim.

Naquela noite, quando a luz apagou, a mesma pergunta:
- Você me ama.
A nova resposta, que ela pensou ser piada:
- No Claro e no Escuro.

De madrugada levantou para ir no banheiro, não voltou.
Ela foi encontrá-lo escorado na parede.
Abraçou-o, beijou, tentou revive-lo.
- Fofo, fofo! Não me deixe. Não me deixe.

Ele já estava morto em seus braços.
50 anos.
Ela, linda. Ele em seus braços.
- Te amo, no claro e no escuro, ela disse, antes de fechar os olhos dele, pela última vez.

(Ao meu tio Silvio Pontes e minha tia Mary Klas.)



terça-feira, 3 de maio de 2011

Estou cansada.

(Texto publicado originalmente no sitio Aspirinas & Urubus no dia 27/04/11.

http://aspirinasurubus.blogspot.com/search/label/Klas)



Cansada do ar sempre pesado, cansada dos pés sujos de barro.


Cansada de cambalear nesta rua suja, com roupas igualmente sujas e tentar manter intacta uma mente limpa.


Estou cansada de esticar estes panos rotos, sobre este colchão velho, jogado neste chão esburacado.


Estou cansada da água cor de barro, cansada da lata para o banho e do esgoto fedorento.
Estou cansada dos restos de marmitas e dos lanches dados com desprezo.


Estou cansada dos cadernos velhos, do lápis sem ponta, da caneta ressecada.


Cansa-me a alma nova, esta vida velha de dias duros e noites famintas. Cansa-me o esmolar, cansa-me o olhar de pena.


Cansei dos tapas, dos chutes, do escárnio.


Cansei de sentir saudades de minha mãe e de ouvi-la sendo chamada de puta.
Desisti de todos os dias tentar me convencer que não há do que ter canseira em uma vida sem ocupação.


Cansei de tentar motivação nos livros velhos que ganhei nem lembro mais de quem.
Cansei de acreditar que minha letra bonita irá um dia me fazer alguém. Cansei da vida, se é que já tive uma.


Desculpem.
Desculpem desistir assim, sem tentar.


(Este bilhete foi encontrado ao lado do corpo de uma menor, vítima de hipotermia, nas ruas de São Paulo) - (Ficção, mas podia ser verdade.)

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