quinta-feira, 29 de março de 2012

Nação estuprada.



Eu nasci em meio à ditadura.
Cresci ouvindo o nome desta megera deformadora de almas que não era personagem de ficção.
Ela tinha nome e usava farda.
Lembro de meu pai falando dela, de seus gestos eloqüentes e indignados, quando falava de um ou outro amigo desaparecido.
Cresci sem entender um Estado que deveria nos proteger, todavia, canalhamente, torturou, estuprou e matou civis.
Era assim que eu via, era isto que eu entendia da tal ditadura.
De tempos em tempos eu ouvia noticias de que meu pai andava escrevendo coisas que poderiam prejudicá-lo.
E um pouco do medo dele se tornava meu também.
E eu nem sabia o que ele fazia de “errado”.
Era um medo que nascia sem que eu soubesse onde era seu berço.
Ouvia meu pai falando de amigos, anônimos, que sumiram, outros que pela tortura enlouqueceram.
Lembro de seus olhos marejados, a boca fechada em angustia, as mãos fechadas em dor.
Fantasma assustador era a tal ditadura.
Ela escondia pessoas e depois as devolvia, loucas, aleijadas, destruídas.
Ou ainda, jamais as devolveria...
As pessoas eram presas, e sob a tutela do Estado, desapareciam.

A ditadura matou, torturou e destruiu não só o individuo que levou sob o peso de sua mão.
Ela fez isto com os familiares de cada pessoa morta, torturada ou desaparecida.
Toda a família era despedaçada, e ainda é, mil vezes, sob o peso da injustiça.
Não quero imaginar o que é ter um(a) filho(a), um(a) irmão(ã), o(a) esposo(a) desaparecido(a).
Andar pelas ruas em uma vã esperança de tudo ter sido um pesadelo medonho e que, um dia, teu amor regressará.
Desaparecer na ditadura é deixar para quem procura a certeza da morte e a dor de nunca dizer adeus.
Não podemos seguir adiante sem jogar luz sobre este passado tão recente e que muitos querem que permaneça no escuro.
Precisamos juntar nossa voz em um só clamor pelo desarquivamento dos arquivos da Ditadura e pela revisão da Lei de Anistia.
O meu grito é o grito anônimo.
Não entendo de leis, mas me causa assombro uma lei ser usada para livrar assassinos e torturadores.
Quando menina a Lei da Anistia soava aos meus ouvidos como canção libertadora, hoje sinto que ela nivela vitimas e algozes.
Seqüestro, tortura e assassinatos cometidos sob a proteção do Estado não podem ser crimes políticos.
Torturadores não podem andar sorrindo livremente enquanto famílias inteiras foram despedaçadas. Isto não pode se repetir.
A luta para que o passado não caia no esquecimento não pode ser somente dos familiares e das vitimas.
Hoje nossa voz deve ser a voz de todo um povo.
É urgente a criação de um mecanismo, uma norma, que não permita que o Estado anistie seus próprios agentes.
Permitir o esquecimento dos crimes de seqüestro, tortura e assassinatos nos anos da Ditadura é o mesmo que permitir que o Estado estupre toda nossa nação, novamente, sob a sombra da lei.

Este texto faz parte da 5ª Blogagem Coletiva #DesarquivandoBR

http://desarquivandobr.wordpress.com/2012/03/18/convocacao-da-5a-blogagem-coletiva-desarquivandobr-3/

"Nossa luta é por justiça e pela preservação da memória. Para que se conheça, para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça."

quarta-feira, 28 de março de 2012

E se ?

(Este texto é mais um dos rabiscos de outono)


E se?
Se um dia, loucos e vadios, desistirmos da postura séria e dos compromissos éticos e assim, desnudos de aparências nos jogarmos na boca, um do outro?
Este envolvimento não terá nome.
Não terá nome, mas terá hora.
Horas de esquecimento físico, totalmente entregues ao sabor dos nossos corpos, e de alguns versos, que diremos rindo, bêbados de poesia.
Ah, se perdermos o chão, e jogarmos longe toda prosa, ficarmos só eu e você, no tato, descobrindo o que não se pode ver?
E ai? Que importância fará?
Não muda nada.
O céu continuará sendo céu, a serra continuará sendo serra, a vida pra ganhar custará tanto quanto antes.
Em um tapa aos bons costumes não fará importância alguma se não ligares no dia seguinte, e não será preciso explicar nada, só será necessário grudar sua pele lisa no meu rosto e pedir de novo o que já te dei noutro dia.
Só vinho, musica poesia e sexo.
E sem nenhum problema em ser assim.
Se perdermos a compostura, e brincarmos algumas horas de não sermos ninguém?
Sermos bichos, sermos personagens, sermos crianças sem nome.
Minha coxa lisa em seus cabelos desalinhados.
Sua boca úmida em minha pele quente.
Minha boca quente em sua pele úmida.
Compasso, ritmo, risos.
Sem nomes, sem rótulos.
...e se?
Se, seria.
Se, faria.
Se, daria.
Se...



quinta-feira, 8 de março de 2012

Mulher, gente e ponto!

Eu não ia escreve nada sobre o dia internacional da mulher, mas diante do tanto de marmanjo chorão com que eu me deparei hoje sou obrigada a meter minha colher neste caldeirão de mensagens e textos que temos hoje.
O que tem de homem indignado com o dia da mulher não é brincadeira.
E o comentário que mais ouvi foi de que deveria ter o “dia do homem ” também.

Meninos, parem de birra!
Se vocês querem colo é só falar que a mulherada dá.
Alias damos colo, damos abrigo, damos o sangue, damos a vida e o mais que precisarem.

O que está em questão não é um dia para homenagear as mulheres.
Esta data é um dia para refletir sobre a luta por igualdade.
Veja bem meninos, foi preciso muita luta para que a mulher conseguisse o direito de ser Gente.
Gente e ponto. É só isto que queremos.
Não queremos ser mártires, nem musas, nem rainhas...só queríamos ser gente e como tal ter seus direitos preservados.
Direito a vida e a livre manifestação de Ser.

Quando mencionei que esta data relembra as operárias que foram mortas em uma fábrica ao lutar por seus direitos, o balconista do restaurante onde almocei alegou que milhares de homens morrem em guerras e nem por isto tem um dia para eles.
Estes morrem pela causa, seja ela justa ou não, mas é pela causa.
Não morrem simplesmente por serem homens.

Mulheres são mortas, algumas vezes ainda no ventre, só por serem mulheres.
Por séculos as mulheres foram impedidas de aprender a ler e escrever simplesmente por serem mulheres.
Mulheres são humilhadas, agredidas, estupradas e mortas por serem vistas como um objeto ao prazer de certos tipos de homens.
Mulheres, a despeito de sua capacidade, muitas vezes são remuneradas com salários menores, simplesmente por serem mulheres.
Mulheres não tinham direito ao voto, só por serem mulheres.
Entendem? O argumento é: não pode, pois é mulher!
Ou então: não pode, não vai, não deve, pois é “minha mulher”!
Ou ainda não quero, pois é mulher!
Percebem?

Meninos parem de birra!
Acreditem, tudo o que queremos é não precisar de um dia para lembrar a sociedade de que somos gente, tão gente como vocês do outro gênero, e não abrimos mão disto!

Por hora é só...
E feliz dia das mulheres!

sexta-feira, 2 de março de 2012

Alice

De todas as maneiras de amar, não há outro jeito que eu possa entender, do que assim, doendo, doar.
Não me pergunte o que sinto ao te amar, mas só posso sentir que o mundo começa e termina neste seu olhar.
Se soubesse que doeria tanto, eu escolheria não te amar, não deste jeito tão desmedido.
Parte de mim, menina minha, por que saíste de mim e e as vezes me roubas teu olhar?

Pequena e frágil que eras, medo de quebrar-te ao meio, hoje medo de quebrar meu peito
Se no meu peito parte maior é tua, se ao parir me tornei maior, melhor, se os teus olhos são como os meus, o que posso fazer?
Você tem seu destino a frente, um universo onde não quero dominar.

Quero uma pequena parte do mundo que será seu, quero meus olhos nos teus olhos.

Quero tua lembrança doce no findar da lida quando lembrar que me teve por mãe, quero um sorriso nos lábios quando pensar em mim, quero que me tenhas um amor que não seja um fardo, e que este amor que me consome seja uma chama benéfica dentro do teu peito, a te aquecer por toda a sua vida.

Filha, Feliz Aniversário.

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