terça-feira, 17 de março de 2009

Camomila

Sentia que sua irritação logo se tornaria incontrolável.
Queria dormir mas não conseguira.
Na vã tentativa de buscar o sono resolve escrever.

O computador acabara de dar pau, de novo, antes que ela conseguisse salvar suas útimas anotações.

O cachorro do vizinho uivava, sem parar, despertando toda a cachorrada em um raio de quilômetros.
Pelo menos era esta a impressão que ela tinha : Todos os cachorros do mundo inteiro latiam e uivavam em um coro desesperador.

Na casa ao lado o morador acredita que a música que ele ouve deve ser compartilhada com tantas quantas pessoas forem possíveis...e aumenta o volume.
O coro dos cães segue o mesmo tom.

Ela empurra a mesinha do computador com os pés, levanta irritada da cadeira velha que range também, fazendo barulho.

Talvez não seja mesmo uma boa hora para escrever.
Tudo é barulhento demais para conseguir se concentrar em algo.

Faz barulho principalmente dentro dela.
Barulho de copo quebrado. Barulho de guitarra mal afinada.
Tamborins loucos saltitam dentro de seu cérebro.
Crianças gritam, mulheres falam, como sempre todas ao mesmo tempo.
Barulho demais.

A irritação que parecia sem fundamento assume proporções assustadoras e agora ela tem certeza que o maldito vizinho da casa ao lado é o culpado de tudo.


Ele tem culpa desta noite abafada, dos pernilongos sanguinolentos que lambem o repelente, e também fazem barulho, zunindo sem parar.
O vizinho infeliz tem culpa daquela dor de cabeça que começou há dias e não vai mais embora.

Não importa que o vizinho estivesse viajando quando a dor começou, a verdade, única e imbatível é que ele é um cão danado,
Devia cair rolando as escadas, mas não quando estivesse bêbado.
Devia cair sóbrio e quebrar uma perna.
Uma não; duas.

Ela detesta o vizinho nesta hora mais do que já detestou qualquer outra praga conhecida.
Detesta mais do que a ratos.

Abre a janela disposta a gritar pra que ele abaixe aquele som ridículo, e faça o seu cachorro desafinado parar de uivar.

Mas percebe que mesmo que gritasse a plenos pulmões dificilmente a dupla; cão e dono; ouviriam seus berros.

Veste um casaco, abre a porta.
Atravessa a distância que lhe separa da casa ao lado com passos largos e certeiros.

Entra sem bater, pois o cretino costuma deixar a porta escancarada,que é pro som ganhar o mundo com mais veemência.

Ela entra,
Semblante duro, voz engasgada, mãos tremulas.


E então para, estática.

Lá está ele:
Sentado no meio da sala,
Na mão a foto de seu filho, que ela ouvirá dizer que morrera muito jovem, vitima de algum mal desconhecido... daqueles que chegam silenciosos e ganham a saúde dos pequenos antes que você possa descobrir o que é.

Penumbra, uma xícara descansa sobre a mesa de centro.
Fotos esparramadas do menino.
o ambiente era alegre. Estranhamente era alegre.
Havia perfume no ar, perfume de camomila...

O som batia em um ritmo estridente e o cão continuava uivando.

Ela movimentou-se bruscamente no intuito de partir antes que a visse, mas neste instante ele levantou a cabeça e sorriu.

Chá???O cheiro era de chá de camomila.
Ela pensou que ele teria uma cachaça barata por perto, nunca uma xícara de chá.

Pensou em partir antes que sua irritação incontida tomasse rumos e proporções piores,

Mas, antes que pudesse sair, por um instante,
um único instante,
fez silêncio dentro dela.

A guitarra estridente subitamente afina-se em melodia forte, porém ritmada, os copos quebrando juntaram-se em movimentos mágicos,
Os tamborins assumem agora um toque alegre, as mulheres e crianças barulhentas agora cantam...

O sorriso dele,
o sorriso daquele homem sozinho com suas lembranças,
calou todo o barulho de sua alma.

Havia música na saudade daquele homem.
Música que invade e explica quase tudo.

Antes que o sorriso se transforme em uma frase ela volta pra sua casa.

Deita em sua cama e chora toda sua irritação.
Chora por ter perdido a capacidade de ouvir música.
Chora por não ter saudades.
Chora porquê faz barulho dentro dela.
Não importa pra onde vá e onde se esconda, faz barulho.
Todos os dias.

Dorme em cima do choro, em cima do uivo, em cima do rock.
Dorme engolindo seu grito, seu som, seu ranço
Dorme com o cheiro de camomila.

Um comentário:

Unknown disse...

É isso aí...ficamos esstresados e rancorosos com algum conflito em nós...
Se pensarmos antes que o outro tbm tem seus momentos difíceis ...e que tudo passa tão rápido e não devemos perder o nosso bem estar por coisas tão pequenas...nada nos incomodará.
TEMOS que reverter o nosso EU em beneficio de nos mesmos..ser feliz e pronto.

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