terça-feira, 30 de dezembro de 2008

...e viva o ano velho, pois foi bem vivido.

...mas um ano se passou.

Agora é aquela hora que pegamos aquela lista amarelada da gaveta
e nos damos conta do que deixamos de fazer.
...ou ainda, otimistas,
fazemos uma nova lista, como se a antiga jamais tivesse existido.

Eu, de minha parte, não quero listas.
Quero só sentir que estou viva.
Que tenho vida. Minha vida.
Quero olhar nos olhos da minha filha e saber que ela ainda pode sonhar.
Basta a mim a certeza de que com ou sem lista, ainda temos vida pra realizar.

...quero ir pra casa, neste ultimo dia útil com a alegria de quem tem um lar pra voltar.
um lugar onde realmente pode chamar de lar.
De uma maneira nova, sem protótipos,
uma família pra chamar de minha.
...
sei que vou travar algumas batalhas,
terei que exercitar meu nariz empinado,
e as vezes a língua afiada,
pra poder ser feliz,
pra poder carregar com honra minha filha em meus braços.
...mas tudo bem.

Ter vida,
e vida própria, pra cuidar, já é uma grande vitória.

Já me faz sentir realizada,
não pelo ano que esta por vir,
mas por este que já vivi.
...

2008 já vai indo,
mas é a ele que eu festejo...
Festejo ao ano que morre por que soube vive-lo.

E que venha 2009...
com a mesma força,
com a mesma fé.
...e com ousadia, se necessário for.
Mas sempre com vida, e vida própria.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Laços de Sangue

Há poucos dias eu confabulava com uma amiga sobre o poder de decisão.

Quase filosofávamos sobre o poder que temos de decidir que algo ou alguém não nos fará mal...
Ela me dizia que para certas coisas só o tempo tem o remédio,
Eu acreditando que o tempo na verdade nos ensina a usar o poder de decisão com critério, em cada caso.

...e hoje estou aqui, com uma dor no peito que sufoca e dilacera quase todas as minhas certezas.
Mas eu já decidi há algum tempo que posso escolher se isto me fará mal.
E não fará.

Ainda assim constato que algumas pessoas possuem o inesgotável poder de nos surpreender, o inesgotável poder de nos atingir.
...eu fui para lá com a certeza de que nada que eu ouvisse poderia me ferir.
De que nada que me fosse dito me tocaria, me feriria.
...Mas mais uma vez descubro que posso ser sempre surpreendida por suas palavras.

Doeu em mim não suas palavras, pois não consigo conceber que ele acredite no que me disse,
doeu pensar que ele não acredita naquilo mas falou com o único intuito de "cutucar", de levantar o pó das nossas almas...

E assim, com a alma em pó, fiquei ali, olhando aquelas árvores,
Sentindo o cheiro da chuva ...deixando o cheiro da chuva ir limpando o nó de minha garganta.

As lágrimas desciam e eu só as queria conter.
Mas minha decisão não surtia efeito diante das lágrimas.

Eu jurei que não choraria.
...foi mais uma das promessas que quebrei.

...mas aos poucos fui vestindo meu sorriso de festa, fui colocando no rosto a pessoa inabalada que eu gostaria de ser,
E sai de lá como se aquilo não tivesse pesado como chumbo dentro de mim.

...Sai de lá com a firme decisão de que aquilo não me fará mal.
...mas por hora, para que isto aconteça é preciso que eu não pense.

Não vou pensar nisto.

E ai descubro que não pensar nisto é dolorosamente não pensar nele.

Mais uma vez preciso esquecê-lo.
Mais uma vez este abismo enorme é aberto no meio de nós.


E tudo o que fica é a certeza do seu sangue, correndo no meu.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

...perdendo o encanto.

Nesta época do ano era desnecessário dizer que lembrava dela ainda mais do que durante todo o ano.
E Lembrar dela era necessariamente se sentir o último dos homens.

Ela adorava as festas de fim de ano.
As lojas enfeitadas, o burburinho no ar, os presentes, as festas.
Pouco lhe importava se tudo era comércio, se o Natal tinha algum significado espiritual ou não.
A ela importava a beleza, o estético, o efêmero.

Ele andava pelas ruas com a alma consumida.
O cheiro dela estava no cheiro do panetone, no cheiro dos assados, das frutas cítricas.
O som do riso dela era lembrado no barulho das castanhas sendo quebradas.

...e esta época o fazia lembrar do presente que lhe comprara, na noite que ela se fora.
Naquela noite ele lhe comprara enfim o anel que ela tanto pedira.
Juntara dinheiro os últimos meses, mais parte do 13º , e finalmente na caixinha de veludo vermelho estava o pequeno tesouro.
Ele iria pedir-lhe em casamento naquela noite. Noite de Natal.

Chegou na festa da família e notou de imediato que todos os olhares o perseguiam.
Beijou a mãe, as tias, abraçou tios e sobrinhos, cumprimentou amigos.
Mas cadê ela???
Todos os olhos da festa fitos nele.
Até que a irmã, querida, confidente, amiga, que jamais gostara dela vendo seus vícios de menina matérialista e fria, lhe contou...
"Ela se foi...Saiu, no meio de todos, malas feitas, sorriso na boca.
Deixou só este bilhete pra ti."


...Já fazia tempo que ele percebia algo diferente.
Nunca tinha tempo pra ele.
Sempre saindo, sempre feliz demais longe dele.
Depois que começou a andar com a Lurdinha e o Cássio pra cima e pra baixo, algo mudara.
Ia a absolutamente todos os lugares com os dois.
As vezes iam os quatro, mas quando ele estava trabalhando ela não se importava de sair com o outro casal.
E ria riso solto com os dois.
Na cama o evitava o mais que podia, e quando a tinha,
Sempre de olhos fechados, rosto virado pro outro lado.
Gozava rápido. Ele acha que ela fingia.

Conversar com ele só pra pedir um cheque assinado, um vestido, um perfume...e pra lembrar da mensalidade do curso...e por ultimo o tal anel.
Ele achou que ela queria era ser pedida em casamento e arquitetou tudo com a família.
Já estavam morando juntos a mais de dois anos, e talvez a distância toda dela fosse vontade de casar, ter o nome dele, planejar os filhos estas coisas todas que a mulher quer depois dos 30 e que depois dos 35 já virou fixação.

Mas se enganara.
Ela só queria lhe extorquir mesmo.
No bilhete, categórica:

“Querido, agora já terminei meu curso, posso me virar sozinha.
Vou embora viver meu amor.
A Lurdinha deixa, ainda hoje, o Cássio, vamos viver juntas...se é que me entende.”

Não, ele não entendia.

E o Natal então mudou de cor pra ele.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Caça às Bruxas II

Ela correu pelos campos, rasgando os pés nas pedras do caminho,
Tropeçava, e se cortava,
o mato muitas vezes escondia espinhos e outras formas que feriam seus braços.
Suas pernas estavam cheias de carrapichos, mas ela corria como que anestesiada.

Ela sabia o que aconteceria se a encontrassem.
De novo a humilhação, de novo seu corpo açoitado, seus cabelos raspados, suas vestes queimadas...
Tudo o que era ela, tudo que era seu, espezinhado.

Seu corpo jovem escondia ainda as cicatrizes da última vez.
Sua alma, já não tão jovem, não escondia coisa alguma.
Ela lembrava da dor, suprema dor, de ver queimar tudo que era seu.
Cada papel, cada pedacinho escrito era um pedaço de si que levaram.
Seu pensamento, sua alma, queimada.
Na vã tentativa de banir dela o argumento,
o quente argumento de quem tem paixão pela vida.
Paixão que não se explica.

Desde pequena fora assim.
Quando amava escrevia como quem ria,
Quando perdia escrevia como quem busca,
Quando encontrava escrevia como quem canta.


Desde menina, fama de bruxa,
Escondia seus escritos como tesouro, fingia não saber ler, fingia não saber sonhar e mordia a boca escondendo a inspiração, o desejo a volúpia.
E assim,arquitetava seus planos, armava ciladas,
Enfeitiçava os amigos, desnorteava os inimigos.

Quando desistia era pra sempre,
Quando esquecia, ela matava, aniquilava, extinguia de si toda lembrança.
Quando gozava, dormia, aquietava, calava.
Loba, onça, ursa, bicho.
Bicho livre, forte.

Sempre soube que não era gente.
Sempre se sentiu fera.
Parecia gente, andava como gente, vestia como gente mas sentia com urgência de bicho.
De fera.

E agora era o bicho que corria pelo mato, na tentativa de salvar-se.
De salvar sua vida, seus papéis...sua alma.
De não calar mais o que era ela.
Bicho. Fera. Bruxa.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Inverno

Minha alma parece que paira fora do corpo..
O dia parado, para comigo também.
Meu coração, que sempre sai pela boca, agora parece calado.
Toda forma de busca parece não ter muito sentido,
E a espera silenciosa é a única resposta ao meu desassossego.

Existe um choro contido
em um lado escondido de mim.

Uma lágrima perdida, vertida pra dento,
Salgada demais, gelada demais,
caindo no escuro do que sou.

No escuro do que não deixo acender.
Do que não pode acender.

Tudo parece perdido demais,
devagar demais,
dolorido demais.
O céu cinza, pinta de cinza meu rosto, meus olhos, meu gosto.
Nem sei do que gosto, e que gosto tem.
Só sinto este cinza, em mim.
Cinza e salgado.
Em mim.
Dentro de mim.
E por fora também.
Em volta. Até onde alcança o olhar.
Gelado, Cinza e Salgado.
Caindo por dentro de mim.

Faz frio aqui dentro...em mim.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

bom mesmo é acreditar...

Bom mesmo é ter um amor,
amor calmo, leve, livre.

Amor pra por no colo, embalar.
Amor pra fotografar hoje, e vinte anos depois fotografar de novo,
com novas marcas, mas com o mesmo amor.


Amor daqueles que chegam e nos encantam a primeira vista,
Amor daqueles que vão e nos atormenta a alma,

Amor daqueles que se encostam e enroscam até o pensamento,
Amor daqueles que se afastam e levam consigo parte do que somos,

Amor assim...
Aquele que vem e fica.
Aquele que nos faz parar.
Aquele que nos ensina que é bom parar.
E parados, juntos, descobrimos que chegamos muito mais longe.

Amor assim, com gosto de eternidade,
sem idade.

Bom mesmo é ter um amor que coloque fim a toda busca,
e mesmo assim seja o motivo de todo o encontro.

Bom mesmo é acreditar que exista um amor assim...
até que ele venha...

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

...acalanto.

Noite de primavera.
A perspectiva de ficar longe desta correria toda, é encantadora.

Juro que tem dias, e muitos são estes dias, que dá vontade de largar tudo,
ir pro meio do mato, subir numa árvore e viver só de comer larvas.

Eu gosto de gente.
Gosto de São Paulo.
Sou nascida e criada aqui,
e embora sempre tenha morado no extremo leste, desde sempre caminho no Centro frenético.
Meu pai sempre me levava pra caminhar por lá.
e mais tarde quando comecei a trabalhar, sempre foi na região do Centro, que nós da periferia chamamos de "Cidade".
Viaduto do Chá,
Praça da Sé,
Consolação...

...gente...gente por todos os lados.

Gosto de olhá-las e desvendá-las,
perceber-lhe os olhares, as paixões,
o brilho ou sombra que lhes inunda o olhar...
Gosto de sorrir e receber um sorriso de volta.
Gosto dos simples gestos de gentileza que permeiam o cotidiano.
Gosto de gente, assim, em estado bruto.

Gosto das construções antigas, algumas restauradas,
outras abandonadas,
Gosto de São Paulo.

Mas no vai e vem de um transporte público "inenarrável",
sinto-me muitas vezes cativa...prisioneira de uma cidade que vai explodir a qualquer momento.
...gente saindo por todos os cantos, como formigas desesperadas.
...gente sempre com pressa, sem tempo,
sem brilho nem sombra. Gente pálida.
Gente que se arrasta e arrasta a vida tal qual arrastasse correntes nos pés.
Gente que perdeu o rumo ou que nunca teve.
Gente que não gosta de gente, ou que nem lembra que é gente.
...
Nestes dias, o bom mesmo é largar tudo.
Largar tudo e correr pro mato.
Correr pra música.
Ouvir música sem compromisso nenhum, naquelas rodas de viola, ao redor da fogueira.
Gosto de por o pé na terra.
Gosto do cheiro de mato,
nem ligo pros pernilongos, muito embora eles me adorem.

A noite, a lua, me fascinam.
Por o pé na terra me alimenta.
Sinto-me parte da terra.

...
Enfim,
Noite de primavera.
Noite de música.
Promessa de acalanto.

...pra depois voltar pra esta gente toda.

Mas, voltar com brilho.
Ou sombra.
Tudo. Menos esta palidez mórbida que sinto estes dias.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Os cheiros calam.

Os cheiros falam.
Tinha esta exata percepção, que em nada chega a ser novidade,
pois todos devem te-la assim como ela.

Mas nela os cheiros também calam.
Encerram uma infinitude de lembranças, de saudades, de tormentos.

O inverno tem um cheiro de saudade dolorosa.
Quando se mistura com o mar, a brasa das fogueiras, e os ventos de chuva, quase a transportam pra um outro tempo.

Tempo onde todo o tempo parecia eterno.
Onde o tempo não contava.
Onde não se sabia ainda que a saudade tem cheiro.

Dos cheiros não há como fugir.
Não há como evitá-los.

Podia desviar os olhos da imagens, mudar caminhos, fechar velhos álbuns de fotografia,
Mas o cheiro do tempo, do ar, dele não podia se esconder.

Respira-se para viver.
Vive-se portando dos cheiros.
E os cheiros se embrenham pela alma, tiram a calma,
Relembram o adormecido.

Os cheiros calam toda vontade de esquecer.
Insistem em trazer a tona o que não foi e nunca será.
Não foi e nunca será, mas tem cheiro.
E assim, perfumado,
invade a vida de hoje, trazendo o que ontem não tinha forma alguma.
E se o hoje não tem forma, tem odor...

E assim pelo ar, ar que respira pra viver,
Vem a lembrança que faz querer morrer.

E é assim, respirando
Que percebe que os cheiros falam.
E falando lhe calam a alma.
Calam a vida.
Enchem de um silêncio perfumado seus pensamentos.
Seu ser. Sua vida.

Toda ela, calada...pelos cheiros.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Chocolate

Gósto de chocolate.
Por uma infinidade de motivos além do sabor.
Gosto pelo que ele tem de carinho escondido junto com o cacau.

A minha mais remota lembrança de alegria trazida por ele vem da infância...

Lembro de uma Páscoa em que não havia nenhuma perspectiva de renascimento em minha casa,
Minha mãe alheia a tudo,
fechada em seu mundo depressivo,
Minha irmã e eu acordamos e fomos surpreendidas
por três grandes ovos de Páscoa sobre a cômoda.
Eles eram enormes, lindos, coloridos.
Doces.
E me fizeram sentir tão querida, tão importante.
Afinal eram enormes ovos de chocolate.
Deixados pelo mesmo irmão que sempre que podia vinha nos ver e trazia uma barrinha de chocolate.
De vários tipos.

Naquela época o chocolate vinha em umas embalagens mais firmes, tinha um “quê” de coisa importante que hoje não tem...
Ou quem sabe os olhos de crianças emprestavam nobreza aquele pedaço de papel que embrulhava tão doce agrado.
Tão sagrado agrado.
Tão caloroso agrado.

Lembro do enorme sorriso que minha mãe sempre abria quando meu irmão lhe entregava a barra de chocolate.
Era comprado na venda do Sr. Pascoal, no começo da Rua de casa.
Ele sempre passava lá e trazia as três barras de chocolate.
E o rosto perdido de minha mãe se abria em um amplo sorriso.
E nossos sorrisos sorriam juntos com o dela.
E o doce do chocolate, era pra mim ainda mais doce.

Os anos passaram,
Jamais havia pensado no motivo,
Mas ainda sinto a mesma alegria quando recebo um chocolate,
Mesmo se for bem pequenininho.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

...Lavando a roupa suja...

Sábado a noite,
Naquelas conversas desocupadas no MSN,
eu e uma amiga solteira.

O Assunto é fatídico:
Casamento.
Namoros e afins.
Enrolar-se de novo.

Pra dificultar as coisas asseguro que tenho uma longa lista, das quais o cabra tem que preencher todos os requisitos, pra que eu possa pensar,
veja bem:apenas e tão somente, pensar, na possibilidade,
de amarrar meu jegue de novo.

Digo que contei pra minha mãe os itens e ela achou um absurdo eu querer que o “pobrezinho” lave a própria roupa,

Veja bem, eu não quero que ele lave a minha roupa,
Quero apenas e tão somente que seja capaz de lavar suas as suas próprias,
E não só as cuecas, como muitos se gabam de fazer, como se fosse um favor.

Minha amiga fica curiosa com o teor da lista, lá vou eu então enumerar:

O Camarada não pode ser ciumento,
Mas também, nada de me deixar jogada ao vento.
Cuidados sem posse.
Até por que não dá pra se possuir pessoas.
Só se possui coisas.

Deve saber partilhar na mesma medida que saiba manter a individualidade.
Deve entender que haverá amigos nossos, e amigos de cada um.
E que isto é bom.

Deve saber estar junto e saber estar só.
E saber que isto também é bom.


É imprescindível que goste de trabalhar, muito.
E que goste de descansar também.
Que goste da vida.
Na mesma medida.
Pode e deve gostar de futebol.

Se gostar de bichinhos,
Deverá saber banhá-los, limpar-lhes a sujeira, dar água e comida.
Não basta amar. Tem que cuidar.

Deve ter bom humor,
Mas é importante que tenha além da leveza, profundidade.
Deve ter o mínimo de consciência política.
Mas pelo amor de Deus, deve saber a hora de falar sobre suas convicções.



Não deve ser lindo, homem bonito dá muito trabalho e as vezes falta-lhe cérebro.
Mas também não pode ser um ogro.
Deve ter charme e saber usá-lo.


O sujeito deve saber cozinhar,
E mais que isto deve saber limpar a cozinha depois que fizer a comida.
Nada de deixar tudo imundo e se achar o máximo só porque sabe fazer um macarrão e largar tudo engordurado para eu limpar.

Caso goste de café, deve saber fazer.
Um homem que não sabe coar seu próprio café é um legume.

O sujeito, deve saber lavar suas próprias roupas.
E passar.
(minha mãe abominou este item. Me interrompeu na hora e disse que isto é um absurdo)
Mas veja bem, não digo que fará isto sempre, mas deve saber fazer.
Ou ganhar muito dinheiro pra pagar quem faça isto, sempre, por ele.

...neste ponto minha amiga também me interrompe alarmada:

-Eliana, não existe esta pessoa!

- Claro que existe! Eu sou assim. Item por item.

- Mas criatura, você é mulher. Não existe homem assim.

...Pois é.

Detalhe importante.
Eu sou mulher.
...
Enfim, na verdade a lista vai pro brejo na hora que nos apaixonamos.

Mas, falando sério:

Eu não sou ciumenta, mas sei bem fazer o sujeito se sentir cuidado.
Sei estar junto e sei estar longe.
Amo trabalhar.
Amo a vida.
Gosto de futebol.
Gosto de bicho e dou banho na minha cachorrinha.

Tenho bom humor.
Rio mais de mim do que dos outros.
Ah, esta parte ai das convicções estou aprendendo sobre a hora...
Por isto tem de ser alguém que me ajude com isto.

Não sou linda, mas também não sou uma ogra.
Sei cozinhar, e limpo a cozinha depois.

E, pelos Céus, eu lavo minha própria roupa!

...Minha amiga diz que isto é demais pra eles.
Minha mãe diz : Coitadinho, ai é demais!!!

...pois é.

Acho melhor eu apostar na tecnologia moderna e comprar o último modelo da Brastemp.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

...alma sem lua.

Noite sem lua,
Daquelas cujo breu já é o suficiente pra despertar temores.

Ela sai pra colocar ração para os cães.
A porta da sala fica na lateral da área, que é no segundo andar da casa.
Esta área tem continuidade em frente as grandes vidraças da sala.
E é ali que ela está quando uma vizinha grita:

“-Cuidado, tem um sujeito ai no seu quintal.”

O dito sujeito havia invadido uma casa, cerca de três abaixo da sua, pego de surpresa, subiu no telhado, e foi pulando de casa em casa até se deparar com o sobrado.

Ela,
Estática, sem coragem de olhar para trás...
Só queria alimentar seus cães e dormir.
Sonhar, talvez, com o amor que viria e mudaria toda sua vida.

Ele,
arfando, alucinado de torpor, embriagues, fome e medo se misturam.
Ele só queria conseguir alguma coisa pra vender e fazer uns trocados.
Precisava de mais uma dose para atravessar a noite.

E agora estavam ali.
Frente a frente.

Ele tenta se aproximar, tocá-la, mostrar que não lhe fará mal,
Ela vê em seus olhos o olhar de um animal.
Não vê o medo. Vê o brilho e identifica uma fera selvagem.


A vizinha que vê tudo da rua começa a gritar;
Os vizinhos acordam.
Sua irmã dentro de casa começa a gritar também.
Ela não tem como alcançar a porta da sala. Ele está no caminho. Olhos vermelhos. Olhos nos quais,finalmente ela identifica a fome. Fome e vício, nitidos no brilho do olhar. E naquele momento aquela fome, podia ser fome dela.

Só vê uma solução.
Começa a esmurrar os vidros da sala, até que ele arrebenta debaixo do seu punho.
Sente o caco de vidro se enterrar na carne do seu braço,
o sangue jorra.
Enfia a mão pelo buraco, abre o vidro, e joga seu corpo pra dentro.
Ainda se sente as mãos dele tentando pegar sua perna...

Já lá dentro ouve os vizinhos se aproximar.
Um deles tem uma enxada nas mãos.
Vários se juntam e caçam o homem.
...ela corre pro quintal a tempo de vê-lo sentado nas escadas protegendo o rosto com as mãos.

Naquele momento o tempo parou.

Seu peito se encheu de uma profunda dormencia e ela não viu mais uma fera.
Viu um homem, sozinho e com medo.Mais medo do que ela...

Medo da vida. Medo de seus vícios que o fizeram escória do mundo.
Medo do animal que carrega dentro de si.

Ela pede que o deixem ir.

E ele some no meio da noite...
Camisa rasgada, ferido...
Antes de partir lhe lança um ultimo olhar.
Ela nunca esqueceu aquele olhar de vício.
Vício e medo.
Escória do mundo. Bicho.
Bicho sozinho.

Naquela noite ela dormiu por cima do braço ferido.
E a alma, estava de outra cor.
Ficou com a cor da noite.
Alma sem lua.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Cont Ato.

A pele.
O cheiro.
O riso.
A cumplicidade no olhar,
nas palavras.
O tênue fio que nos separa.
A linha, a divisória.
O instante que a ultrapassamos.
O momento exato que o contato passou a ser tato.

Tateamos mutuamente nosso corpo.
Tateamos com o olhar.
Tateamos com o olfato.
Depois com as mãos.
Por fim com a língua.

Nos encontramos um no outro.
Nos abrigamos um no outro.

Não somos mais um ou outro.

Somos nós.
Fincados,
atados,
entrelaçados.
Lambuzados.

Somos dois,
Mas sabemos a hora,
(E só nos sabemos)
Em que procuramos por nós dentro do outro.
E encontramos.

...me encontro no meio de ti, no centro de ti, na sua boca.
...você se descobre no meio de mim, no centro de mim, na minha boca.

...e nada mais importa.
Só seu corpo em mim. Assim.
Só o Tato.
O contato.
O ato.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Menino.

Naquele dia ele saíra pra sua caminhada mais cedo.

Acordara com o peito ardendo...ardendo de uma saudade inexplicável de alguém que ele não conseguia se lembrar quem era.

Tinha certeza que devia ter sonhado com alguém, e mesmo sem conseguir se lembrar com quem, a sensação de perda o incomodava demais para continuar na cama...
Desceu os degraus pausadamente,
suas filhas sempre ralhavam com ele quando descia os degraus saltando de dois em dois...
Aquilo também o incomodava: Ser tratado como criança era ainda pior do que ser tratado como velho.
Mas naquela manhã, por algum motivo, ele entendeu que devia descer devagar...

O sonho, aquele que ele não lembrava, lhe martelou os pensamentos enquanto comia uma fruta e coava o café.
“Pretinho” era assim que suas tias confabulavam entre elas na hora de tomar o primeiro gole do café recém coado.
Município pequeno, no meio de algum lugar, ou de lugar nenhum, quase todas as moradias de sua meninice eram de várias casas dividindo um mesmo quintal, e por certo tempo seus pais moraram no mesmo quintal com as tias...
E era assim de manhã e de tarde, quem coasse primeiro o café, naqueles grossos coadores de pano, gritava pra da outra casa: “Quer tomar um pretinho??”...
Nem sabia o porque de se lembrar daquilo agora, mas a memória correu solta ao aroma do café que agora, ele próprio coava...
Sem ninguém pra lhe fazer companhia.

Sorveu o liquido com pressa, como que pra espantar as lembranças e saiu pra caminhar.
A saudade, aquela inexplicável sensação de lembrança, perda e presença seguiam com ele o caminho.
Ele sabia que a devia ter sido um sonho.
Caminhou pelas ruas lembrando de suas musas.

A finada, companheira por anos, não lhe despertaria esta sensação... Quando ela se foi os dias sempre iguais de dor e morfina já lhe corroíam até a alma e foi um alivio seu último suspiro.
A enterrou na certeza do dever cumprido. Esteve com ela até o fim. Mas os anos de saúde não foram tão bons a ponto de querer morrer junto.
Depois disto resolveu aproveitar seu charme cinquentão e aí sim, vieram musas capazes de deixar saudades.
Mulheres de todos os tipos. Mulheres que marcam e se deixam marcar.
Boas lembranças.
Lembranças de volúpia e prazer, mas não de amor.
Portanto nenhuma delas devia ser a causa do seu “desgaste pós-sonhos.”.

Não se deixou prender, afinal, ao longo dos anos tudo o que fez foi cortar vínculos.
Tão logo pode deixou pra trás o Município de nascença, o quintal com as tias e seus “pretinhos”, e logo acustumou-se a visitar a mãe só no Natal. Depois, nem isto.
Mandava um cartão, um cheque e tava tudo certo.
Aquele menino levado, que olhava pro céu procurando pipas ficou para trás e ele nunca voltou para buscá-lo.
Incomodava o olhar da mãe, que sempre o fazia lembrar do menino que fora.

...sentou-se em um velho banco do passeio, e foi quando vindo de longe viu algo que fez seu peito se torcer:
Um cãozinho.
Um cãozinho todo branco, e com uma máscara preta ao redor dos olhos e orelhas.
Era igualzinho o cãozinho de sua infância.
Sem raça, vira-lata, seu pai o trouxe em uma caixa em uma fria noite de inferno.
Cuidou dele, o aqueceu com seu próprio corpo, lhe catou as pulgas, cuidou pra que tivesse água fresca...Mais tarde, correu com ele, rolou com ele, se sujou com ele.
Um dia, manhã de sol, bateram na porta pra avisar que o um caminhão de “Coca-Cola” havia atropelado o seu Menino.
Ficou preso na roda e rodou junto com ela.
Levou o bichinho pra um terreno baldio em frente de casa... enterrou ali.
Era um terreno rebaixado, e no fundo passava um córrego.
Ali fez uma linda sepultura, e deixou seu bichinho.
Na manhã seguinte voltou, e na outra também.
Qual não foi seu horror quando na terceira manhã encontrou a sepultura aberta, e lá embaixo, preso em galhos, na correnteza do córrego o corpo do seu amigo.
Um garoto já grande, conhecido por suas malvadezas, desenterrou e jogou-o no rio...
Mas o corpo não foi.Ficou preso.
E durante um tempo, que ele nunca soube dizer quanto, mas que nunca esquecerá o quão longo e doloroso, ele voltou lá todas as manhãs...e viu seu amigo se decompor no rio.
Nos primeiros dias chorava.
Chorava ali na beira do córrego e chorava a noite em sua cama.
Depois o choro secou.
E secou a alma também.

Nunca mais chorou por mais nada.
Não chorou quando se formou.
Nem quando casou.
Nem quando os seus pais faleceram.
Nem mesmo quando as meninas vieram.
Nem mesmo mais tarde quando os netos lhe trouxeram um nó na garganta ao falar “vovô”...

...De repente, sozinho ali, vendo aquele cãozinho passar ele lembrou do sonho.
Sonhara com o Menino. Era este o nome do seu cãozinho.
Então, ali, sentado, ele chorou...
Chorou copiosamente.
Chorou e bebeu suas próprias lágrimas, chorava e sorvia as lágrimas com gosto.
Deixou elas caírem até lhe lavarem a alma.
Alma pesada.
Alma de quem nunca soube se dar por inteiro.
Alma que só soube sentir saudades de um cãozinho.

...
Poucos dias depois, quando os netos foram lhe visitar encontraram-no rolando no jardim, com um filhote branco e preto.
E nos seus olhos, eles viram, um brilho diferente quando os chamou para se unir a brincadeira e lhes dizer que aquele filhote era um presente para eles...e que ele iria todas as tardes vistitá-los: aos netos e ao filhote...

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Celular : Aparelho telefônico ou localizador???

Resistente que fui ao celular até o fim do ano passado, ainda me pego travando algumas batalhas com este aparelhinho...

Confesso que já estava me sentindo um dinossauro, o ultimo deles, quando me curvei a evidencia de que deveria ter um, mas mesmo assim não conseguia entender para que precisava ser achada quando estivesse indo, ou vindo....
Se estou em casa estou em casa, lá tem telefone, se estou no trabalho estou no trabalho, e se realmente for importante é só ligar nestes lugares...
esta era minha filosofia.

Pra que diabos preciso se encontrada no trajeto????Filosofava eu.
Você já respondeu a pergunta impertinente: “onde você está?”
“Estou indo, estou indo...”
Mas o povo quer saber a estação, o ponto de ônibus, o kilometro da Rodovia e tudo o mais que puder...Não se contentam mais em ver que você chegou na hora ou com atraso de 10 minutos....eles querem saber onde você está.
Eu costumo ser britânica, dificilmente me atraso, mas mesmo assim ainda recebo este tipo de ligação...
Juro que a vontade é gritar: "Estou a caminho, e estou no horário...onde estou não é da sua conta!!!!!!!!!!"
E quantas vezes você já viu, o sujeito ao seu lado, na estação Jabaquara responder: “Estou na Sé, daqui a pouco estou ai.”
E outra indo pra Barra Funda dizer: “estou chegando em Artur Alvim...mas vou atrasar um pouco...vi que ta um congestionamento...”Já perdi a conta de quantas e de quais diversas modalidades destas conversas já ouvi. As mais bizarras e hilárias.

Agora pensa: você sai do trabalho as 18 horas. 18h30 alguém te liga, você mal consegue se mexer e ainda tem que detectar se o celular tocando é o seu ou não...diagnóstico feito você atende e o sujeito do outro lado dispara: “onde você está?”
“Raios, estou entalada, tentando segurar a porcaria do aparelho, e tentando parecer educada enquanto respondo, pois tem dezenas de pares de ouvidos atentos a nossa conversa!!”...é isto que penso, mas respondo apenas: "estou no Tatuapé." Muito provavelmente ainda estou no Brás.

E os sons?
Meu Deus, são tantos e tão variados, mas ainda não adeqüei o meu aos meus ouvidos.
Quem já tentou me ligar no celular sabe minha incapacidade de ouvi-lo quando estou na rua.
Sempre tenho a sensação de que tem uma musiquinha me acompanhando, mas nunca lembro que é o bendito aparelho...e lá se vão dezenas de chamadas não atendidas. Chega a ser ridículo, mas só vejo que meu aparelho está chamando quando estou com ele na mesa do trabalho, ou no estante da sala de casa, a principio, lugares onde não precisam me ligar no celular...
...sem contar as infinitas vezes que o perco.
Mas, como uso ele de relógio, logo sinto falta e lá vou eu ligar e esperar pra ouvir o tal toque por perto...
Uma vez depois de muita procura, e muito aguçar de ouvidos, consegui localizá-lo dentro do cesto de roupa sujas, bem lá no fundo, pobrezinho...

...Mas, vida que dá voltas e modernidades que nos viciam, percebo-me completamente enredada pelo tal aparelhinho...
Dia destes, faltavam cinco minutos para o horário que combinei de minha filha chegar.... lá vou eu:
Disco o número e ao primeiro sinal de Alô, disparo:
“Onde você está????”

E não é que esta tranqueira é mesmo útil???

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Chão Azul

Noite linda,
Estrelas no chão, chão azul.

Contato,
Cheiro,
Toque.
Boca e pele.
Pele na pele.
Boca na boca.
Boca na pele.
Olhos que se devoram.
Movimento Lento,
Sentimento máximo.
Calma, alma...Tudo ser perde.

Água, pedra,
corpo no corpo.
Pernas e braços se misturam,
Se apóiam, se medem.
Se contorcem, se esforçam, se abandonam.
Desespero, tremor, ardor.
Corpos desfalecidos sobre lençóis.
Chocolate na boca,
olhos cor de noite,
Cílios Longos,
Noite Curta.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Alfredooooooooooo.........

Indescritível.
É assim que se explica a situação dentro de um vagão de trem, mega lotado, as 6h20 da manhã.
Nada que se diga para explicar, explica de fato aquilo.
Nunca se sabe ao certo onde acaba seu corpo e começa o corpo do outro.
Eu nunca tenho certeza de que minha perna é mesmo minha, ou se já estou cutucando a perna errada.

Manter o cabelo no lugar é impraticável, camisa passada é perda de tempo, e bolsas um verdadeiro estorvo.
Mas ainda assim é possível render umas boas gargalhadas.
Pensa na cena:
Vagão hiper, mega, super lotado, povão apinhado, sem espaço pra por os dois pés no chão,
(é sério: Você tira o seu pé e logo descobre que não dá pra por de novo...levanta o braço e nunca mais pode descer....)

Enfim... Estamos lá nesta situação limite, e o jeito é fazer amizade logo com o cabra que está colado em você, tratar de puxar uns assuntos bem broxantes, antes que no silêncio a mente dele comece a maquinar e você se veja na péssima situação de ter que dar uns safanões em alguém, logo cedo...
Entre um solavanco e outro, apaga a luz, e, cadê o ar-condicionado???Já era.

Os baixinhos se ferram, o ar some primeiro pros nanicos, o calorão sufoca e a sensação térmica é a da boca de um dragão. Muitas vezes a sensação olfativa também.

O sujeito do lado, aquele que até um minuto atrás eu odiava, pois me cutucava as costelas sem dó, liga pro 0800 da CPTM e mostra que celular no trem não serve só pra tocar música feia e acabar com o humor da mais alegre das criaturas.
'
- “Cara, o trem que ta passando na estação Patriarca tá sem 'oxigênio'. Dá um jeito nisto, avisa alguém ai...tem gente demais aqui, cara. ‘Tamo’ sem ar....Como é seu nome? Alfredo? Ta Alfredo, obrigada”

Alfredo???
Logo alguém lembra: “Mano, o cara vai vir trazer o papel pra gente?
”O cara vai aparecer correndo do lado do trem, com o papel higiênico na bandeja!”
Risada geral.

Alguém passa mal, e lá vai o pobre coitado que se matou pra sentar, levantar pra sujeita se recuperar do mal estar.
Lembro de contar de quando um sujeito de quase dois metros passou mal atrás de mim, depois de sentarmos o cabra, a moçoila do meu lado resolveu especular o motivo do mal estar do rapaz:
-Você comeu?
-Não.
-Tem que comer meu senhor, se não passa mal mesmo..blá, blá, blá, blá, blá, blá....
-Minha filha, deixa o cara. Ele ta passando mal. Você tem uma rosquinha ai pra ele comer? Se não tem fica quieta.
-Rosquinha? Só se for a sua!
-Minha filha, rosquinha lá em casa é bolacha, se na sua casa é outra coisa, problema seu!

Pela risada geral do povo, na hora que contei da rosquinha, percebo que realmente rosquinha é outra coisa; pra todo mundo.

Foi o tempo de pararmos de rir e o ar voltar a funcionar.
Viva o Alfredo!

Logo se ouve:
-Respira, respira... vai que desligam de novo.
O povo ‘dana’ a rir de novo.

...e assim chegamos no Brás.
Amassados, como se uma vaca tivesse nos mastigado e nos cuspisse na plataforma, mas com cara de bobos, rindo.
Dizem que brasileiro é assim. Povo feliz.
Não sei se é coisa de brasileiro, pois nunca conheci outros povos, mas lembro que “Rir de tudo é desespero”. Acho que é mais por ai.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Vertigem

Vertigem.
É a primeira sensação.
Frio.
Não um frio comum,
Mas um frio daqueles que começa na espinha e termina na alma.

E o silêncio repleto de significado, paira no ar com peso de chumbo.
Quase consegue tocar o silêncio.
Não há mais riso, não tem mais música,
Só o silêncio.
Estático passa os olhos pelos mesmos lugares,
Outrora cheios de vida, agora perdidos debaixo de uma fina poeira.

De novo a vertigem.
O chão?
Cadê o chão?
Ele estava aqui ainda há pouco, agora cadê?
Tenta se sentar, pra recobrar a sensação de apoio.
Mas não há apoio.
As paredes também sumiram, o teto, o quintal...
Toda a vida evaporou.

Antes o ar era respirável, agora insuportável.
Seco. Quente.
Contraditório.
Respira um ar quente, que entra e congela tudo por dentro.
Devora-lhe por dentro o frio, e por fora o calor.

O coração faz eco, no silêncio da noite.
E o chão?
Não o encontra mais, mas sabe que ele está ali
Debaixo dos seus pés....mas onde estão os seus pés???

Sempre achou que o vazio não tinha forma.
Agora percebe que tem.
E tem cheiro também.
O vazio tem gosto,
O vazio tem cor.
O vazio tem consistência e aderência.
Adere na pele, impregna-se em cada canto do corpo.
O vazio se esconde debaixo das unhas,
no meio dos cabelos.
O vazio ocupa tudo, no meio das prateleiras,
Entre os bibelôs, sobre os enfeites de porcelana...
O vazio se mostra, grande, suntuoso, ofuscante.

Antes ela estava lá.
Falante.
Pulsante
Amante.

Agora era vazio.
A Tal presença da ausência de quem falara o poeta.

Vertigem.
De novo.
De novo o silêncio sepulcral.

Na espinha o frio.
Na boca o amargo.
Gosto amargo do dia seguinte.
Dia seguinte de um futuro perdido.

Ela se fora...
Sem meios, sem motivos, sem porquês.
Ela se fora.
Sem nem mesmo olhar para trás.
Na verdade ele sabia os porquês.
Todos eles.
O problema todo fora os porquês.

E agora, só vertigem.
Sem porquê algum.
Ela se fora.
E não voltaria mais.
Se bem a conhecia, ela não mais voltaria.
Não levara nada, e mesmo assim ele sabia que ela se fora.

Aquele vazio contava pra ele que ela se fora.
Não o vazio dos armários.
Nem o vazio das panelas.
Nem mesmo o vazio da cama.
Mas sim
O vazio no ar.
Ocupando tudo.
Dando forma a tudo.

Vertigem.
Era esta a primeira sensação do fim.
Ele sabia.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Positivo.

Lembro que a principio parecia inadmissível.
Sim, eu já sabia como eram feitas as criancinhas,
Meu pai, incansável, me explicara tudo e todas as formas de não tê-las sem prever,
Mas, ainda assim, eu tentava me convencer de que
todo aquele mal estar devia mesmo ser alguma doença incurável.
Não era um enjôo normal,
era daqueles de te jogar no chão, agarrada ao vaso sanitário sem o menor pudor, e ali prostrada colocar até a alma pra fora, pela boca, e com muito barulho. Pior do que a pior das ressacas.

Acordar cedo? Uma tortura sem precedentes... Aliás, acordar, fosse cedo ou tarde, era uma tortura.
Arrastava-me em direção ao trabalho, com correntes nos pés e carregando um tronco nas costas...
Sono constante.
Enjôo? Da comida, dos cheiros, de todos.
Chegava na estação República, do metrô, subia um lance de escada e agarrava uma lixeira.
Subia outro lance, outra lixeira.
Horrível. Deprimente. Um verdadeiro vexame.

Vencida pela evidência só me restava fazer o fatídico exame.
Acompanhada por uma amiga, lá vou eu.
Coleta feita, resultado só sairia no fim da tarde, e ainda eram 09h00.

A amiga, me leva pra sua casa e solidária ao meu súbito silêncio, me deixa só.
Só pra pensar na vida. Na minha e na que viria, fosse o resultado o óbvio.

Já nesta época a responsabilidade financeira com a casa era minha.
Desde muito cedo havia sido assim.
Homem da casa. Contas na ponta do lápis
Isto me dava uma enorme autonomia, muito embora sentisse o peso nos ombros.
Ombros de menina que buscava ser mulher.
Lembro que só esta certeza me impulsionava: A certeza de que não haveria ninguém apto a me cobrar.

Não havia outra possibilidade. Era enfrentar ou enfrentar.
E eu enfrentaria. De nariz em pé.

Fim de tarde
Resultado pronto,
Escrito a mão, me permitia não entender.
Olhava, olhava, mas não entendia o que estava escrito ali.
A amiga traduz o que meus olhos não queriam ver:

Positivo.
O resultado que iria mudar minha vida.
O amor que iria mudar minha vida.
Amor visceral como costumo dizer.
Dolorido. Entranhado.

Foi assim que ela chegou em minha vida.
Sem esperar, mas muito bem vinda.
Sem esperar, mas perfeita pra fazer da menina, mulher.
Meio na marra, meio dolorido,mas bom.

Hoje sei que se não fosse ela eu não seria o que sou.
E gosto do que sou.
Positivo, o resultado. De Fato.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Devora-me.

Devora-me a tua boca, toda ela.
Se perca em meu corpo, nele inteiro, e assim inteiro perdido, encontre-se no meu desejo, desejo crescente em mim.
Sem pressa, sem medo, deixa eu sentir tua textura na ponta da língua. Deixa que eu desfaleça nos teus braços, devorada por teu desejo, embriagada por teu contato, envolvida por seu cheiro e o seu gosto em mim.

Deixa que eu me perca no teu olhar, no teu sorriso, sem ontem, hoje ou amanhã.
Só importa este agora desmedido e incontido, só importa este agora em que nos perdemos.
Deixa eu te sentir,
no dente, na pele, na unha, no gosto, no cheiro,
sem tempo, sem rótulos, sem marcas, sem restrições.
deixa que o depois se perca, e que nunca o encontremos
que o agora seja tudo e o depois uma mentira.

Que importa os nomes? Os endereços?
Que importa todo o resto se tua boca me devora?
Que importa os caminhos, os minutos, o relógio a distância?
Que importa um ontem inexistente, um amanhã incompleto se o agora nos bastar?

Que importa todo o resto e todo o mundo se a tua boca me devora?
Devora-me.
Com tempo e sem paciência.
Com insistência e sem receio.
Com gosto, com força, com jeito.
Devora-me até que eu me perca completamente,
Sem destino, sem caminho, sem meios, só encontrada em ti.
No meio de ti.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Rugas.

Hoje descobri uma nova ruga no meu rosto.
Gostei dela. Até tirei uma foto.

Lembro que a primeira que eu notei foi aos 25 anos. E lá se vão quase 08 anos.

Naquela época pareceu-me uma afronta da natureza lembrar-me que o tempo passou, sem eu notar.
Que a menina que eu sentia em mim, agora se escondia dentro de um outro corpo, que envelhecia...

A ruga.
Foi ela na época que me trouxe a lembrança de que o tempo passa, e é curto demais.
Foi ela que me assustou com a gritante verdade de que, como tudo na vida, passamos também.

Uma ruga.
No canto da boca.

Aos 25 anos comecei a viver a Crise dos trinta.
Eu não podia chegar aos trinta sem antes valer as rugas que ganharia até lá.
Sim, afinal sempre havia visto beleza na maturidade, mas as rugas estavam chegando e a maturidade cadê????Força eu já tinha faz tempo, mas e coragem pra assumir esta força??

Por causa das rugas,
por respeito a elas, e ao seu sublime significado,
eu resolvi que era hora de assumir minhas verdades. Ou pelo menos partir em busca delas.
Ai vieram várias outras...

Crises e rugas.
Todas muito bem aceitas.


Descobri que elas falam muito.
De mim e dos outros.

Mostram-me o tanto que eu ri. O tanto que se eu chorei
O tanto que apertei os olhos pra ver melhor ou pra fugir do sol.
Contam-me dos meus dias, das noites que dormi bem, quando elas quase somem...
Das noites mal-dormidas em que elas se evidenciam.

Contam-me do amor bem feito, que me fazem esquecer que elas existem.

Gosto delas.
Desta de hoje especialmente.
Ela me mostra a mulher que me tornei,
na certeza de que minha história só começou e eu já estou no lucro.

...sim. Gosto das minhas marcas.
Principalmente as de fora.

As de dentro preocupam muito mais.

“Hoje ando devagar, por que já tive pressa...”

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Na falta de tempo, música...sempre!

...Uma semana sem passar por aqui.
...quem nunca sonhou em ser dois, nos tempos de tempo curto e atividades frenéticas???
...pois é.
Se descobrir a poção mágica pra isto manda pra mim, estou precisando.

Enquanto a vida real continua, e cada um de nós é um só, o jeito é anotar cá e lá, os detalhes da vida...pra não deixar a vida passar.
...e isto eu tenho feito.

Hoje vim marcar minha semana lembrando aquilo que desejo pros amigos.
Lembrando do que tento viver.


Amor pra recomeçar
Frejat

Composição: Frejat/Mauricio Barros/Mauro Sta. Cecília

Eu te desejo
Não parar tão cedo
Pois toda idade temPrazer e medo...

E com os que erramFeio e bastante
Que você consigaSer tolerante...

Quando você ficar triste
Que seja por um dia
E não o ano inteiro

E que você descubraQue rir é bom
Mas que rir de tudoÉ desespero...

Desejo!Que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda, exista amorPrá recomeçar

Eu te desejo muitos amigos
Mas que em umVocê possa confiar
E que tenha atéInimigos
Prá você não deixarDe duvidar...

Eu desejo!Que você ganhe dinheiro
Pois é precisoViver também
E que você diga a ele
Pelo menos uma vez
Quem é mesmoO dono de quem...

Desejo!Que você tenha a quem amarE quando estiver bem cansadoAinda, exista amorPrá recomeçar...Eu desejo!Que você tenha a quem amarE quando estiver bem cansadoAinda, exista amorPrá recomeçarPrá recomeçarPrá recomeçar...´"

É isto ai. mesmo bem cansados, que tenhamos sempre amor pra recomeçar.
Tudo. Sempre.

Amanhã é um novo dia.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

21/08. Um bom dia pra recomeçar a olhar o Luar.

Acabo de ler um dos excelentes textos da Vivi... Inclusive, anote ai, vale muito passear por lá http://preteritopassado.blogspot.com/,

Amanheci com aquela dor bestial que sentimos no fim... mesmo quando sabemos que o fim era a única atitude digna a ser tomada.

Aquela coisa ridícula de lembrar que era pra ser “até que a morte os separe.”

E ai você descobre que pra continuar aquilo teria mesmo que morrer.

E até se finge de morta.
Mas só dá certo por um tempo.
Depois desconfia que se já está morta mesmo, então pode por fim naquela brincadeira de mal gosto, onde só os outros estão bem felizes por vocês não entrarem para as estatísticas do divórcio. Divórcio este que já completou maioridade há um tempão, mas que ainda causa sensações diversas, das mais primárias.
Ouvi coisas das mais absurdas, todas no “bom intuito de preservar a família.”
Mas o que é família afinal?..Isto já é outra história... Outro texto que deixo pra outro dia...

Voltemos à dor bestial.
Chamo assim, pois é o cúmulo da “burrice” sentir dor quando é o certo, você sabe.

É o melhor,
o mais digno,
a saída mais honrosa,

Mas nem por isto dói menos.

Ai lembro que certa vez um querido, que tenho a ousadia de chamar de amigo, me lembrou que tudo passa. Absolutamente tudo na vida, passa. E esta lembrança não tira a dor, mas me permite senti-la sem culpa.
Vai passar também.
E se dói, é natural.

Dói arrancar espinho da carne.
Muitas vezes dói mais tirar, do que deixar lá.
Com o tempo a carne acostuma com aquele ser estranho e nem dói mais...
e é ai que mora o perigo...
acostumar-se com algo que não devia estar lá...mas está.
É feio, infecciona , nada produz, mas acostumamos a deixar lá...

Sempre tive muito medo de me acostumar com a vida, ao contrário de vive-la.
Me arrastar pela vida, ao invés de dançar com ela.
Eu já chamei a vida pra dançar comigo, há muito tempo.

Não acredito mais em uma porção de coisas que já acreditei um dia,
Mas ainda acredito que isto aqui tem de valer a pena.
Esta coisa que pulsa, e não é sangue, esta coisa que incendeia meu peito, esta coisa forte que sinto por dentro, na alma, isto tem de valer a pena...
Esta coisa chamada vida tem que valer a pena. Tem que valer o risco.
Mesmo que pra valer a pena, às vezes, tenha de doer.


Enfim....
Estava assim, com esta coisa estranha, que fica na garganta, na hora de consumar o adeus e li um texto, do blog que indico lá em cima, que me fez lembrar que nunca gostei de brincar de casinha.
Talvez seja esta a questão...
preciso brincar do que gosto.

Por hora, vou lembrar que dia 21 é também dia de tributo em homenagem aos 19 anos em memória de Raul...vou lembrar que vou poder sair em passeata como a adolescente que um dia não fui, vou poder sentar na praça, rir sem motivo, chorar se for preciso, sem dar explicações...Vou lembrar que já foi pago o preço que foi preciso pra garantir o que é meu por direito: Ser eu mesma.

Esse eu assim, meio louco, meio incerto, meio curioso, meio menina...Um eu assim, todo meio, pra poder ser inteiro, só eu.

Então olho pro céu, vejo aquela lua enorme (e que lua!!! alguém viu a lua hoje as 20h00?? Estarrecedora de tão linda!) me sinto forte, a dor quase some...fica a certeza de que mais uma vez, fiz o que devia ter feito. E ponto.

18/08/2008 – Segunda-feira. Segunda-feira de um luar apaixonante...

"Lua Bonita, se tú não fosses casada, pedia ao Nosso Senhor, pra contigo me casar!!!"

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Presidente da República?

“Você ainda será presidente da República....”

Este era um de seus muitos delírios.

Lembrava dele assim: Delirante, empolgante, andar apressado (sua mãe falara que ela herdara dele este costume), óculos equilibrado na ponta do nariz, enquanto parava entre uma passada e outra pra ler algo dos muitos papeis que sempre carregava.

Ele costumava falar: Um dia você vai dizer: "Nunca vi meu pai sem um livro na mão."
Dos livros ela não tinha certeza, mas papeis... isto ela sabia: Ele sempre andava com muitos!
De quando em quando entregava-lhe um e ordenava:
- Lê pra eu ouvir.
E ela lia.
Já preocupada em observar os detalhes pois sabia que depois viria o questionário...
e também tinha as vírgulas, os pontos a intonação da voz...Devia prestar atenção em tudo, pra despertar-lhe o orgulho. E devia fingir muito interesse também, pois isto renderia a admiração dele.
Quase sempre era um texto dele mesmo, que trazia para ela ler...egocêntrico e apaixonado por suas próprias ideias ele fazia dela sua plateia.
Mas tinha outras.
Afinal para ele o mundo era sua plateia.Uma plateia que ele queria marcar.
Em seus muitos planos, o principal era deixar sua marca enquanto mudava o mundo.

Desta vez ele a fez ir em uma passeata dos “sem-terra”, ou “sem-moradia”, sei lá o termo certo, o fato é que eles se organizaram e invadiram uns terrenos perto de onde ele morava...e lá estava ele. No meio. Ajudando a marcar os terrenos, a organizar a coisa toda... E lá estava ela...com ele.

Uma chuva danada e ela andando, a Av: Nordestina todinha, debaixo de chuva, de Guainases a São Miguel Paulista. Com faixas e gritos de ordem. Foi dai que ela adquiriu seu gosto pela chuva.

Dias antes, em confronto com a policia morrera um dos “sem-terra”, Adão.Ela nunca esquecera este nome...
Ela, emocionada, resolveu escrever um texto e imitando-o deu para ele ler.
Ele, certo de que nascia ali uma revolucionária, resolveu lá no local da concentração chamar os jornalistas e dizer que uma criança tinha um texto para ler, sobre o Adão.
Ávidos por noticias do acontecido, juntaram–se em seu redor: luzes, câmaras, microfones.

Ela: papel molhado de chuva, esmigalhado, as mãozinhas pequenas tremendo na vontade de que ele tivesse orgulho dela
Leu, com ponto, vírgula e com sua melhor intonação!

Assim que acabou seu belo texto, o primeiro que pôde perguntou:
- Você viu a hora que o Adão tomou o tiro?
- Não. Eu soube pela televisão.
Silêncio.
Então ela não era uma pobre menina, sem terra e sem lar, que viu um ente querido, na luta por dignidade, tombar diante de seus olhos???
Imediatamente as luzes cessaram, os microfones se abaixaram e todos lhe deram as costas...

Ela queria que um buraco a engolisse.
Cadê ele? ...estava em algum lugar, tentando mudar o mundo.

Ela ficou ali, sozinha.
Com o seu papelzinho roto nas mãos, uma vergonha que lhe engolia a alma, e uma certeza:
Ela não queria ser Presidente da República.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Amnésia

Aos setenta e quatro anos ela acordou se sentindo velha.

Até ontem não havia percebido que aquelas dores nas pernas não eram passageiras.
Até ontem ela acreditava que a dor nas pernas era por conta das escadas. Ah, quantas escadas, por toda parte.
O alongamento diário parecia não mais fazer efeito, diante de tantas escadas.
E as escadas nem pareciam tantas, quanto o falecido comprou aquele sobrado.

Mas naquele dia, quando olhou no espelho se deu conta de que a pele já perdera o frescor da mocidade, os cabelos mal cobertos pela tinta, já eram ralos, sem brilho...
Naquela manhã se deu conta de que sua mão já não tinha a mesma agilidade e firmeza. E ela não havia tomado sua taça de vinho.
Sentou-se na velha poltrona do quarto, e ficou horas olhando a copa das árvores.
Lembrou-se de como aquela paisagem lhe alimentou por tantos anos,
De quantas vezes sua alma só encontrou calma no verde das folhas em contraste com o azul do céu.
Lembrou-se de como, anos antes, ali naquela mesma poltrona ela alimentou seu filho, e antes ainda, ali também amara seu único homem.
E o amara muito e de diversas formas por diversas vezes. Tantas e incontáveis vezes.

Durante toda aquela manhã ela tentou se lembrar de quando havia envelhecido e nem percebera.
Sim, as rugas já estavam lá há muito tempo, disto ela sabia, pois já lhe davam lugar nos coletivos há pelo menos uma década e meia.
Mas aquela canseira... Aquele enfado... Aquele medo de descer as escadas e descobrir que não conseguiria subir novamente...
Aquilo era novidade.


Aos setenta e quatro anos ele resolveu então, ter amnésia.
Colocou um moletom, camiseta com foto do Raul, um tenis no pé...Daqueles sem cadarço,
Passou batom, escolheu um anel bonito e um enfeite pro cabelo.
Desceu as escadas lentamente...
Antes de sair, jurou que iria mudar seu quarto pro andar de baixo.

Afinal, aquelas escadas estavam acabando com suas pernas!!!

Sou asas e sou raiz

Sou de múltiplas facetas.
Eu sou louca.
Sou filha da lua.Alma nua.
Sou assim: integral.

Eu sou da terra e do ar.
Conheço o gosto da lama do fundo do poço,
Eu sei do cheiro do ar da mais alta montanha...

Sou assim :Sou extrema.
Sou pra guerra a mais forte guerreira E pra paz sou aquela que ri...
Quero paz, ri pra mim.

Já perdi e conheço o gosto amargo do adeus,
Já morri e conheço o que é não ser mais.
Hoje vivo e sei quem eu sou,

Sou Menina, tenho medos,
Sou mulher...e não tenho medo de nada...Só de mim.

Sou a Vida e a vida emana de mim: eu sou mãe.
Sou Mãe de minha filha e mãe de minha mãe.
Nunca soube o que é ser filha.... por isto, peço colo.

Sou irmã e sou amiga de meus irmãos.
Sou amiga e sou irmã dos meus amigos.

Na independência esta minha força.Mas quero ser fraca.

Sou desatinada, desmedida e incontida.
Mas sou centrada.
Sou asas e sou raiz.
Pode apostar:Sou Eliana Klas.

(08/07/08)

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Caça às Bruxas

Escrever era como voar, se asas ela tivesse...

A alma pedia calma,
e calma ela só tinha quando escrevia..

Escrever era dolorido,
Colorido,
Era suspiro que saia das letras,
Letras que paria como um filho...

Mas escrever tornou-se um pecado, tornou-se a denúncia de que sua alma voava...
o que antes era gesto de liberdade se tornou arbitrariedade, contrariedade.

Tornaram medíocre o que pra ela era santo.

Viu todos seu papeis ardendo em uma fogueira,
seus sonhos de menina dilacerados, seus projetos de mulher enxovalhados,
sua vida exposta, sem direito de resposta.


Rastejou no meio das cinzas,
recolheu pedaços do seus versos, sentindo ainda o calor das brasas...
Sua carne queimava, mas ela nem sentia...
Doía- lhe os papeis que se perdiam para sempre...
Doía-lhe os versos roubados; muito mais do que a vida que lhe seria tirada.

Como animal lambeu seus folhetos, enxugou-os na pele, na vã tentativa de recuperar sua alma.
Mas era tarde...A multidão embrutecida já notara que ela se preparava pra voar novamente...
Tiraram a pena de sua mão, rasgaram todos os papeis, esconderam as tintas...
lhe condenaram a morte.

Ninguém percebeu que quando seu corpo pendeu sem vida, a vida já havia lhe deixado, muito antes...no minuto que lhe tiraram os versos.


Eliana Klas.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Tá tudo bem.

Ela voltou atrás e ligou pra ele.
Ela estava decidida a não voltar atrás.
Mas voltou.
Afinal ele era seu pai.
O dia anterior fora o dia dos pais e ela não fora vê-lo.
Acordou com gosto amargo na boca, gosto dos que não souberam esquecer.
Perdoar era forte demais, ela não se dava o direito de julgá-lo a ponto de perdoar ou não.
Mas não conseguira esquecer.
Ele sempre a fazia lembrar.

Mas então ela lembrou que ele também trazia no peito uma dor.
Lembrou também dos passeios a pé pelo Centro da cidade que ele lhe apresentou...
Dos bancos de praça que ele se sentava cheio de papeis pra analisar e lia pra ela seus sonhos no papel...
Lembrou que foi ele que levou seu olhar pro Teatro Municipal, pro Viaduto do Chá, como um guia turístico, mostrando cá e lá...
Era disto que ela lembrava mais e ele tinha de saber.

Pai, eu te amo. Pode não parecer mais eu te amo.
Silêncio do lado de lá...e então a resposta:
Ta bom. Tá tudo bem. Isto a gente conversar outra hora.

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