quinta-feira, 18 de agosto de 2011

MINHA AMADA BRUXA

Texto dedicado a minha filha Alice Klas e aos meus sobrinhos: Valdir Carvalho de Souza, Vander Carvalho de Souza e Julio Cezar Klas Oliveira.

Publicado originalmente no blog:
http://aspirinasurubus.blogspot.com/

"Os cronistas desta semana, aqui no A&U, cutucaram minha velha veia politizada, mas eu, mais uma vez, a ignorei.
Não por desmerecê-la.
Exatamente por reconhecer-lhe a força, mas principalmente, por ter consciência de que palavras sem ação são palavras mortas.
Para não ceder à tentação e falar de política, revi o caminho de meus amigos cronistas e percebi que já era hora de contar sobre a figura medonha de minha rua, em minha infância.
As minhas amigas aspirinas, contaram aqui, histórias de seus loucos e de seus medos de infância.
Eu também preciso contar a minha.
É difícil eu conseguir, ordenar os fatos, os medos e os cheiros, trago poucas lembranças dela.
Ou, talvez, o velho medo disfarçado, me impeça de contar os detalhes.
De tanto que o medo dela me consumiu, decidi afogá-la, e torço até hoje para que ninguém encontre seu corpo.
Vou tentar ordenar os pensamentos com as lembranças que trago dela.
Lembro dela brava gritando, muito, pois iam destruir o seu jardim.
Gritava, e punha medo em quem se aproximasse.
Lembro que, quando seu esposo partiu, os filhos sumiram junto,
e ela sumiu-se de si mesma.
Ou já teria sumido antes, e eles não se aperceberam?
A mulher furiosa, deixada lá, já não era ela, ninguém notou.
Pobre homem,
Pobres filhos,
como podiam saber?
Nem ela, a própria jovem louca, notou, quando a loucura tomou seu corpo.
O fato é, que o assunto correu toda vizinhança:
Aquela bela jovem, com 4 filhos, enlouquecera!
Ainda hoje, se perguntarem, muitos conhecem a história dela.

Lembro de seus olhos perdidos, que já não reconheciam-me mais.
Lembro de vê-la vagando, pelas ruas, com sua foto vestida de noiva.
Lembro de encontrá-la pegando pedrinhas que amontoava no fundo se seu quintal.
Lembro de seus vestidos manchados de sangue, de um fluxo que não a incomodava.
Lembro do seu mau cheiro e do rancor de seus olhos.
Rancor? Não.
Hoje sei que era medo.
Lembro de silêncio e escuro, de uma grande mesa de madeira, que sumiu e nem sei qual foi seu fim.
Lembro do gosto do feijão recém temperado, de caldo ralo, única e ultima refeição, que a lembro ter-me preparado.
Até hoje gosto de feijão de caldo ralo.
Era madrugada, eu fadigada e faminta dormi esperando a janta.
Imagino que nesta época eu tinha uns quatro, cinco anos.
Lembro, que ela começou, a esquecer-me na escola.
Lembro, que sua ira, jamais foi cuidada.
Lembro, que ela era temida, desprezada e zombada, mas jamais amada.
Logo ela se tornaria a bruxa de meus horrores infantis.
Eu amei aquela bruxa mais do que amei qualquer outra mulher antes de minha filha. Ela era minha mãe.
Nunca me fez mal.
Nunca me fez nada.
Nunca fez mal a ninguém além de si própria.
Todo o rancor que nos despejava eram gritos de socorro que ninguém ouviu.
Ninguém podia ouvir, afinal, quem poderia adivinhar-lhe a loucura, lenta, consumindo seus nervos?
Seus olhos perdidos, suas roupas sujas, seus cabelos emaranhados, seu rosto fechado.
Lembro.
Bruxa.
Por onde ela passava as crianças tinham medo dela.
E ela?Ela jamais tocou em uma única criança.
Se quiserem saber, ela amava as crianças, os bichos e as plantas.
Bruxa.
Louca.
Velha bruxa louca.
Aos trinta e cinco anos ela era velha.
Esta é a idade que tenho hoje.
De todas as batalhas que já travei,
Minha maior vitória é, nunca ter negado que eu era filha da bruxa.
Nunca, em toda a minha vida, tive vergonha dela.
Nunca.
Esta é minha marca e meu orgulho.
Por ela me fiz bruxa também.
Esta é a minha herança, meu legado.
Minha maldição?
Não!
Esta é a minha honra!
Muito cedo, aprendi o que era ter caráter.
Muito cedo, aprendi o significado da palavra honra.
Não importa que sua honra seja suja, seja fétida, seja louca.
Ela é a sua honra, e ninguém a pode tirar.
Não importa que não enxerguem tua honra, que a chamem de desonra.
Importa que você enxergue honra, onde só há dor.
Honra é vestir de princesa uma mãe que chamam de bruxa.
Muito cedo aprendi a me curvar diante da dor,
E foi me curvando que aprendi a rezar.
Honra é aprender a rezar só para pedir por uma bruxa, por não ser capaz de esquecer que ela é a sua mãe.
A bruxa de minha infância atormentou o pesadelo de varias crianças.
Só eu nunca pude fugir dela.
Deixá-la seria o mesmo que abandonar minha vida.
Hoje minha alegria é saber que ela também deve ter sido amada, por outras crianças, como as minhas amigas aspirinas, amaram os loucos, bêbados e mendigos, de suas infâncias.
Mesmo que suas lembranças possam não parecer, elas são lembranças de amor.
E foi o amor que vi nos textos das aspirinas que me permitiu buscar no fundo de minhas lembranças a mais amada bruxa de minha infância.
A primeira, de muitas que vieram depois.
Por minha mãezinha louca, me fiz bruxa, pois aprendi que as bruxas não existem, só existem anjos.
E assim, disfarçada de bruxa, minto, sabendo que mentindo alivio a dor.
Aprendi que mentindo ser bruxa, visto de luz, a dor que minha amada bruxa um dia me deixou...
Aprendi que contando histórias, disfarço de fantasia, dores que os loucos carregam no peito.
Minha mãe ensinou-me, que as bruxas não existem, elas são anjos, e nos faz lembrar que ao avistarmos um mendigo, um bêbado ou um louco, antes de termos pena deles, devemos ter pena de nós mesmos, em nossas ignorâncias...
Já foi dito que, os loucos não errarão o caminho dos céus.
Portanto minha amada bruxa, tem asas de anjo.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Sem ele.

Naquela tarde ela percebeu que tinha de ir embora.
Ela havia se perdido dele e nem sabia como acontecera.
Sem ele, ela estava perdida..
Onde ele estaria?
Nunca mais voltara para fazer prosa com suas tardes.

Algumas vezes eles se sentavam diante do mar, sonhavam juntos enquanto viam o por do sol.
Nestas tardes eles riam e faziam confissões.
Mentiam poesia um para o outro, se faziam de amantes.
Ela fechava os olhos, mentia suas vontades, se fazia de forte, negava o desejo.
Mas agora ele não vinha...o silêncio dele esvaziava os dias dela, lhe roubava o poema.
Sem ele ela perdeu a rima, a prosa e o conto.
Sem ele, ela achou melhor ficar quietinha,enroscada em um canto da sala.
Foi ali, no canto da sala que ela percebeu que naquele inverno ele não havia vindo uma única tarde.
Sem ele vir, ela decidiu partir.

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