sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Desde sempre.

Ele sorriu.
Era uma tarde fria e o sol conversava com eles.
Lá estava ela.
Mal podia esperar por este reencontro.
Por tantos anos haviam se perdido, construído suas histórias um longe do outro.
Mas jamais haviam se esquecido.

Amigos desde sempre, guardava no peito as lembranças daquela menina, quase moleque com quem dividiu parte de sua vida através dos tempos.
E ela jamais esquecera o cheiro que ele tinha.

Sentaram-se às margens da represa e de início só se olharam.
Durante muito tempo combinaram aquele momento.
Mas a vida cuidara de os manter distantes, construindo suas histórias.
E agora estavam ali. Podiam enfim se sentir, devorar-se com os olhos.
Ela sentou-se de frente para ele, com as pernas cruzadas, usava uma saia longa, macia que lhe permitia os movimentos.
Estendeu os braços e tocou-lhe o rosto.
Ele agarrou sua mão e levou aos lábios. beijou sua mão, seus dedos, e a manteve entre as suas.
Começaram então a recapitular suas vidas, contando primeiro rapidamente, misturando datas e lugares; depois pausadamente; o que acontecera a um e a outro ao longo de suas vidas, todas elas.

Mudavam de posição a todo tempo, mas nunca deixavam de se tocar.
O toque era parte do encontro.Sempre havia o contato, com calor e carinho, suas mãos, suas pernas, seus braços sempre estavam enroscados.
Agora ele estava deitado no colo dela, enquanto seus dedos brincavam com os cabelos dele, ele contava-lhe seus projetos futuros, os sonhos que o levavam pra outros caminhos que não os dela. Mas ela não se importava pois sabia que sempre se reencontravam e neste momento um era do outro.

A mão dela vez ou outra escorregava e ela alisava seu peito quente, e sentia sua respiração mudar.
Nestas horas tirava rapidamente a mão pois havia entre eles um tácito acordo...

A noite caiu sem que se apercebessem, já haviam consumido o vinho que ele trouxera e a brisa da noite, com o ligeiro torpor do álcool fez com que ela quisesse agora o colo dele.
Deitou se olhando-o nos olhos e enquanto sentia o cheiro dele misturar com a noite lhe contou de sua vida.. Contou-lhe que era feliz, que amava e era amada, contou-lhe dos seus planos, e que seus planos a levavam pra longe dele, e ele não se importou, pois também sabia que desde sempre se reencontrariam...

As mãos dele hora lhe acariciavam os cabelos, hora desciam pelos braços.
Os olhos dele se perdiam nos dela, e vez ou outra escorregava pelo decote generoso de sua camiseta...via-se o contorno de seus seios...eram pequenos e por um segundo ele pensou que caberia em sua boca. Desviou o pensamento pois havia o acordo.



Mas não pode resistir ao apelo da curva de seu pescoço que pedia para ser beijada.

Antes que ela terminasse uma frase ele suspendeu o corpo dela em direção ao seu e lhe beijou o pescoço. Sugou-lhe o perfume, e deixou que sua boca entreaberta sentisse o seu gosto. Pode sentir seu corpo arrepiar-se em direção ao dela, e quando se afastou viu fogo nos seus olhos.

Ela levantou-se sorrindo e correndo como criança foi em direção a represa.
Molhou os pés, a barra da saia, a saia toda, deixou a água molhar todo seu corpo, e o tecido fino deixou como nua.
E assim, molhada, voltou para perto dele.

Antes que algo fosse dito, abraçaram-se...

Ele acordou.
Seu corpo aos poucos tomou consciência e que estava sozinho em sua cama e mais uma vez sonhara com ela.
Mais uma vez relembrava aquele fim aquele fim de tarde,que em forma de sonho vinha ao seu encontro costumeiramente.

Fechou os olhos e tentou voltar ao sonho a fim de viver o resto daquela noite que jamais seria apagada de suas lembranças.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

...recomeçar é preciso...

...A primavera chegou.
A vida segue seu ciclo...inverno, outono, primavera, verão...

A vida segue sem medo de mudanças, sem medo da renovação.
Segue sem dar explicações, simplesmente cumpre o seu papel de prosseguir...os dias seguem sem medo.

Recomeçar é preciso. Eu tenho me tornado mestre na arte de recomeçar.
...talvez eu tenha feito muitas escolhas erradas pelo caminho, ou talvez eu so não aceite menos do que acredito.
O fato é que a primavera faz bem a minha alma e eu me permito florir junto com ela. Sem medo de meus botões virarem flor, sem medo do vento ou da neblina, sem medo de tentar novamente.
...apostarei minhas fichas, meus sonhos, meus versos, apostarei o que sou pois ainda acredito em finais felizes...acredito que os finais felizes são construidos todos os dias por milhares de pessoas que aprenderam a construir juntos uma só história.
...Que a primavera cumpra seu papel em mim, e que o verão venha pra celar o ciclo de vida que se renova a cada estação.
Que o amor finalmente encontre abrigo no meu peito e que eu possa parar de partir.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Valores.

É interessante notar como algumas pessoas possuem valores diferentes dos nossos. Neste caso entenda por nossos os meus.

Para alguns o que realmente importa não é o que está sendo feito, mas o que as pessoas pensam que estamos fazendo.

Eu francamente tenho meus critérios para preservar minha intimidade mas francamente não sou adepta de falsos moralismos.

Penso em passar para minha filha o exato conceito de quem sou, a ideia de que sou uma mulher com sentimentos, assim como ela, que sofro decepções assim como ela, e que o meu valor quem estipula sou eu, assim como ela.

Ao terminar um relacionamento há alguns meses atrás me vi confrontada com isto.
Ouvir conselhos do tipo: Saia com quem quiser, desde que ninguém fique sabendo.
Como assim?
Não consigo acreditar nestes critérios.
Eu ainda carrego a ilusão de que devo partilhar com minha filha, minha história, por mais que não seja a história que eu gostaria de ter escrito.

Nenhuma moça sonha em ser mãe solteira aos 20 anos e divorciada aos 32.
eu não preciso que me contem minha história.
Eu a conheço muito bem pois foi com o rosto erguido que eu a vivi.
Esta é a minha história, história que assumi integralmente e da qual não me envergonho.

Estou disposta a reconstruir minha história e para isto preciso recomeçar.

E recomeçar exige coragem e desprendimento, e mais que isto gera enganos, mas pago o preço dos meus enganos sem jamais ter creditado na conta de outros nenhum deles.
Assumo minhas verdades e meus enganos.
Pago o preço pra ser dona da minha vida e não posso me envergonhar dela.
Não posso mascarar minha história simplesmente por não conseguir entender o motivo pelo qual deva fazer isto.

Minha filha precisa ser capaz de ver em mim alguém além de uma mãe.
Quero que olhe para mim e veja uma mulher em todas minhas virtudes e fraquezas.
O meu valor não pode ser ditado pelas pessoas que passaram por minha vida e principalmente não pode ser ditado pelo que as pessoas pensam sobre isto.

O meu valor como mãe e como mulher precisa estar acima disto.
Eu não posso e não vou viver de aparências.
Já bebi desta água e tenho nojo dela.

Eu sei quem eu sou. E não aceito que me rotulem.
O meu rótulo quem coloca sou eu.
Pago o preço de assumir minha vida e francamente não vejo motivo para fazer diferente.
Valores são valores: cada um tem o seu...
Eu vivo de acordo com os meus. E fim.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

...sem eu saber sequer...

...Só me resta a frase do poeta pra descrever-te em mim:

“Porque já eras meu sem eu saber sequer...”

...sim, é assim que chegaste,
sendo meu sem que eu sequer soubesse...
Porque me olhaste e neste olhar primeiro me elegeu pra ser sua,
Porque seu riso invadiu o meu mundo, tirou as letras do lugar,
Virou-me do avesso, menino travesso.

não pude deixar-te partir...
Ah, bem que tentei recusar, disfarçar, recuar...
mas, como deixar-te ir sem colocar-me inteira em ti?
Como deixar pra depois a vontade do agora e do mais?
Como esconder este riso, que me toma inteira quando me perco no som de sua voz?
E teus olhos que devoram os meus, tua boca que nasceu pra ser minha, e suas mãos que se entrelaçam e fazem parte de mim?
Não, eu não pude deixar pra depois...
Esconder de quem se sua vontade é a minha, se meus planos são os teus, se nosso caminhos se misturam?
Nossos caminhos tem o cheiro de terra molhada, tem cheiro de capim gordura, nossos caminhos são os mesmos,
nossas vontades as mesmas, nossa boca uma só,
nossos sonhos um do outro.

...e assim como disse o poeta, “tu me chegaste sem me dizer que vinhas”...
...agora fiques, faça morada em mim, construa seus castelos junto dos meus, misture tua terra com a minha, tua musica com a minha, tua pele em mim...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Dia Da Secretária.

Ontem quando sai do trabalho deparei-me com uma moça carregando um lindo buquê de rosas vermelhas... Lindas como se fossem feitas de veludo.

Um capetinha de plantão logo balançou seu tridente aos meus ouvidos dizendo: “Nossa o que faz uma mulher para ganhar um buquê tão lindo?”
Meu anjo, sempre disposto a intervir logo sacudiu sua harpa gritando: “Não, o segredo não é o que a mulher é ou faz. O problema é que você tem estado com os homens errados.”

...E nesta pendenga entre os valores e motivos logo trombo com outra jovem com flores nas mãos, e outra, e mais outra...
Comecei a achar que ai já era desaforo, aquele monte de mulheres recebendo flores...

Ah, salva pela lembrança: Ufa, é dia da secretária! De novo meu anjo arrebentou na sua função de manter em dia minha auto-estima.

...o fato é que cheguei na faculdade com as tais rosas de veludo brilhando nos meus olhos, partilhando o fato com algumas colegas logo colhi diversos comentários sobre o quanto gostamos de um lindo buquê de rosas.
Uma mencionou que seu marido já lhe deu uma orquídea plantada, caríssima, mas tudo que ela queria era um buquê de rosas.
O marido alega que as rosas logo morrem...
Eureca! É isto!
É exatamente isto!
Receber um buquê de rosas significa que o homem é capaz de rasgar dinheiro por você.
Ele gasta em algo que certamente morrerá, etéreo e lindo, talvez como será a paixão, mas o buquê tem algo que faz sentir o homem rendido diante de nós.

Gosto de flores em vasos, mas um homem te esperando com um buquê nas mãos é algo que nos comove talvez por sermos seres etéreos como rosas colhidas.

...o fato é que alcançamos a independência, somos plenas, dinâmicas, múltiplas, versáteis, únicas e absurdamente capazes, mas ainda nos desmontamos diante de um homem carregando um buquê de rosas.

E viva o Dia da Secretária!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Quero a cor dela.

Quero a cor,
A cor que sustenta o batom,
que dá tom a face,
que dá face pros desenhos.

A cor que alimenta o papel,
a cor que enfeita o balão, balão que some no céu.
Não pode mais fazer balão e a cor se esconde pelo chão,
em folhas coloridas jogadas pelo quarto.

Quero a cor que tinge os cabelos,
Quero a cor que pinta as unhas,
Quero a cor que colore a blusa.

Quero a cor do anel de vidro,
aquele das rodas de cantigas,
Quero a cor do pano,
Quero também o pano,
aquele que eu usava pra dormir.

Quero a cor que pisca no semáforo,
e os carros dançam ritmados com ela,
Quero a cor da faixa amarela,
a que era "bordada com o nome dela",
e também a da plataforma de embarque, que não posso ultrapassar.

Quero a cor que diz para onde devo ir,
aquela que traçada no chão me mostra o caminho,
Quero a cor que dá brilho ao sapato,
a cor que combina com o cinto.

Quero
a cor que desce de mim pra lembrar que posso ser mãe
Quero a cor que escorre do bule, tingindo a porcelana branca.
Quero a cor que rabisca o papel,
Quero a cor do véu, o véu que cobre a cabeça da moça.

Quero a cor marrom, marrom do bombom,
Quero o verde,
o azul e o lilás,
quero o branco, e o preto também.

Quero cores, com memórias e histórias,
quero cores,
cores num buque de flores...
Flores vermelhas, amarelas, brancas.

Quero flores com cheiro dela,
...eu a quero cheia de tons, cheiros, sons.
Quero ela,
Eu quero A PRIMAVERA!

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Desalinha.

Desalinha meus contornos com a sua língua,
traça meus desejos moldando minha vontade.

Toca com os dedos meus cabelos, meus lábios, minha face...
Desenha seus traços em mim,
me marca com o compasso que desenha suas formas no meu corpo.
Encosta sua pele na minha pele, sua boca em mim,
seu corpo, rígido, aquecendo o meu que já te espera.

Beija-me primeiro lentamente e depois vá sugando a minha boca, o meu rosto, meu pescoço, minhas curvas até ser perder de si mesmo.
Encosta sua cabeça no meu peito, ouve minha respiração ofegante, sente minhas mãos te tocando, te buscando, te encontrando.

Canta baixinho, no meu ouvido, desnorteia meus sentidos, brinca de me fazer sua.
Levanta-me até a altura dos seus olhos, me sente envolvendo o seu corpo, e me tenhas enquanto olha nos meus olhos.
Deixa-me provar desta sua boca, enquanto sei que estas em mim, indo e vindo me deixando tonta, louca.

Profana meu santuário, derrama de ti no meu ventre, deixa eu te sentir quente,
Afasta-te de mim, devagar, só pra poder voltar.
...e volta quantas vezes puderes,
até que não possamos mais,
e então o seu colo será o meu ninho,
dormirei com o corpo molhado, cheirando a sabonete, colado no seu.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Um personagem exibido em uma novela de uma importante Rede de Televisão tem trazido á tona um assunto que desperta em mim profundos sentimentos.

Já vi o tema em revistas, em programas de auditório e por algumas vezes também em crônicas da mídia impressa.

O Fato é que a esquizofrenia só ganhou o palco por conta do tal personagem.
Mas quem convive com ela; e só quem convive; é capaz de entender em grau e proporção o que se vê na telinha.

Sou da época que esquizofrenia nem existia.
O termo era “louco” mesmo.
No máximo mencionava-se uma depressão profunda.
Não se separava uma coisa da outra, e depressão também não era algo levado a sério.
Depressão era coisa de gente preguiçosa ou desmotivada.

Eu jamais saberia dizer que minha mãe tinha esquizofrenia.
Ouvia dizer que era depressão. Profunda.
E sabia que o que quer que estivesse acontecendo com ela a roubava de mim.
Hoje sei que ela foi roubada dela mesma.

A lembrança mais remota que tenho de minha mãe é
em uma tarde fria, as luzes da casa apagadas, ela no quarto escuro, deitada...
lembro que já fazia muito tempo que eu a chamava pra brincar comigo...(para uma criança de 04 talvez 05 anos saber precisamente o tempo é impossível...pode ser que fosse apenas alguns minutos, mas o fato de esta lembrança ser tão forte em mim me faz pensar que realmente faziam horas que eu a chamava...). Lembro que ela respondia algo, mas a impressão que eu tinha é que não me ouvia de fato.
Eu sentia que ela nem me via mais. Parecia que eu não estava lá.
Hoje sei que quem não estava lá era ela.
Minha mãe já se perdera dentro de si.
...Depois disto todas as lembranças são uma sucessão de ausências.


Sei, por fotos, que ela foi uma jovem bonita, meiga, jeitosa.
Sei, por relatos de vizinhos que era uma dona de casa cuidadosa. (minha irmã conta que deslizava nos tacos da casa, de tanto que ela lustrava)
Sei, por meus irmãos mais velhos que era uma mãe cuidadosa, que era capaz de acordar as 5h da madrugada para buscar o pão fresquinho para minha irmã tomar café antes de ir trabalhar.
Sei, por ela mesma, que adorava cozinhar, que tocava violino, que costurava.
...Mas não me lembro de nada disto.


Sei apenas que aos 6 anos de idade eu já sentia claramente que ela não notava o que quer que ocorresse comigo.
Perdida na sua dor, nas vozes de sua cabeça (hoje sei que ela ouvia vozes) ela estava sempre ausente e irritada. Agressiva. Sempre acreditando que alguém nos manipulava em tudo que fazíamos.


Na época minha irmã do “meio” estava com 10 anos e é dela a lembrança que tenho de cuidados maternos.
Ela que ia até a pré-escola saber sobre mim, (sim, aos 10 anos de idade ela mandava bilhetes para a professora se cismasse que algo errado estava acontecendo).

Os meus irmão mais velhos, nesta época com 16 e 18 anos respectivamente (talvez mais ou menos) viveram o profundo do trama que envolve o preconceito com a doença.
Penso que para dois adolescentes foi insustentável e impraticavel lidar com algo que não era visto como doença.
A agressividade que eles sofriam, por parte da doença e por tudo que tem de frágil o universo juvenil os levaram para longe de nós.


Em um emaranhado de lembranças, todas elas cheias de ausências, vazios, frios e incompreensão do que de fato estava acontecendo, vi minha casa lentamente desmoronar.
Ela colocou fogo em algumas coisas, outras ela ia depenando e esparramando pelo quintal.
O resto foi se deteriorando por falta de cuidados.
E a única coisa que eu ouvia a respeito de minha mãe era: Depressão. Profunda.

Mas o fato é que ela enlouquecera.
Era isto que as crianças gritavam nas horas de provocação.
Louca.
Hoje eu sei que tem um nome mais bonitinho...ou não, o nome também é feio. Mas pelo menos hoje se luta para que tais pessoas sejam tratadas com o respeito que uma pessoa doente merece. E que sua família,igualmente seja amparada, como a família de um doente precisa ser.

Mas o fato, exposto a exaustão pela mídia, é que o preconceito permanece.

...é indiscutível o dilema que a família sofre sobre como tratar a pessoa doente.
Para meu pai, ex-marido, e meus irmãos tenho a impressão que a idéia de interná-la foi algo contra a qual lutaram arduamente.
Mas sem conviver diariamente com o fato, ter dilemas é mais fácil.
Quando se deita e acorda todos os dias com o fato é inquestionável a incapacidade de tratar alguém que já chegou no limite da sanidade.
Sem a internação seria impossivel.
Como encerrar a quem se ama, sabendo que ela será amarrada, sedada e sabe-se lá mais que?
Definitivamente, tenho a impressão que eles lutaram para não fazer isto.

Há 20 anos atrás e ainda hoje, os loucos são alvo de zombaria, e quando vemos um destes vagando pelas ruas dificilmente lembramos que por trás daquele farrapo de gente, sujo, fétido, delirante, existe uma história.
Muitas vezes são confundidos com bebados ou dependentes quimicos.


Eu pude vagar por meu bairro, aos 10 anos de idade, muito mais que uma vez procurando por minha mãe e não raras vezes conduzi-la pra casa sentindo-me profundamente humilhada pelos olhares dos coleguinhas.
Suja, descabelada, delirante, pouco falava e quando o fazia suas frases não tinham sentido algum... e muitas vezes agressiva:
Mais que uma vez eu e a outra irmã que ficou, tínhamos de dormir no chão do banheiro, esperando um surto de raiva passar.

...não vale a pena enumerar todas as situações que trago na lembrança, principalmente por ser uma etapa de minha vida que já foi vencida, e mesmo por que tudo que quero é juntar minha voz a algumas publicações que li a respeito.

Uma delas mencionava que certo deputado defendendo o fim dos hospitais psiquiátricos mencionou que eles só existia por familiares que queriam se ver livres do parente problemático.
O cronista, inconformado, pai de um jovem esquizofrênico, bradava que tal comentário só podia vir de quem desconhece a dor de ver seu querido alucinado querendo atacar a família e muitas vezes agredir a si mesmo.

É impossível conceber o que vive um parente de alguém portador de esquizofrenia sem viver este “umbral” junto.
Só quem vive esta dor poderia se pronunciar.
Como na maior parte das dores.
Nunca diga: eu sei o que está passando, se de fato não souberes.
...conhecimento, letra, informação, nada disso explica a realidade diária de uma dor a conta gotas.

Fim aos hospitais psiquiátricos?
Não tenho conhecimento legal pra me pronunciar a respeito, mas eu asseguro que foi um hospital psiquiátrico que devolveu minha mãe para mim.

Lembro até hoje o dia que ela foi internada.
Era dor e alivio. Alivio pois eu finalmente poderia dormir em paz.
Alivio pois eu não teria mais medo de ela sumir.
Eu não viveria mais com medo de ela se perder na rua, nem teria que procurá-la pelo quintal no meio da madrugada.
Alivio pois pela primeira vez na vida eu tive a impressão de que alguém fazia algo real por ela.

Lembro que tempos depois meus irmãos falaram que ainda havia um “fio” de sanidade nela, e que foi este fio que os médicos começaram a puxar.
Quando a trouxeram de volta nos advertiram que jamais ela poderia ser deixada até aquele estado novamente, ou nada haveria que a puxasse de volta.

...hoje ela conta que muitas vezes teve de ser presa na cama para dormir. Lembra da rotina hospitalar com carinho pois foi lá que ela travou sua maior batalha e venceu.
Venceu porque havia um exercito capacitado ao seu redor e não apenas crianças que já nem sabiam como amá-la.

O período de afastamento profundo deixou marcas.
Ela tem traços e manias próprias do longo período de alheamento pelo qual passou.
Se olharem ela andando na rua sem dúvida perceberão que ela é diferente.
Ela já não toca violino.
Não consegue mais administrar uma casa, ou cozinhar como antes.
Mas agora ela está ali.
Eu sei que ela me vê e eu também posso enxergá-la

Toda vez que ela se afasta, se ausenta, se confunde, o velho fantasma urra aos pés da minha cama.

E eu lembro que não posso deixar que o fio se parta.
Ou jamais a terei novamente

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Responda...

Explica por que esta vontade estúpida,
Esta vontade sem dono, que vem sem ser chamada?

Explica onde foi que perdi meus versos, onde foi que entreguei o pensamento?
Quando foi que meu corpo decidiu por mim que seria seu?
Explica por qual motivo com todos os abraços, e bocas e pousos que eu poderia querer eu só desejo pousar em ti?

Onde foi que o certo se perdeu, e não há mais certo, nem errado nem coisa alguma entre um e outro?
Onde foi que o seu cheiro se misturou com o meu, e não importa os rumos, nem as vontades diversas, importa apenas sentar-me diante de ti e beber de seus olhos, de seus gestos, beber deste seu sorriso que me leva a perdição?

Conta pra mim, porque o som me traz você, e se fico em silêncio você também está lá???

Já decidi não querer, mas quando não te quero percebo que te quero neste não.
Pra não te querer tenho de rasgar os versos, calar a música, o riso, e todos os gostos de todos os beijos...
Na ausência de sua boca não há outra boca onde eu possa te esquecer...
A falta do seu cheiro tem o mesmo cheiro que você.
A falta do seu gosto tem o seu gosto.
A falta que você me faz, traz você mais perto todo dia.

Conta-me por que no meio da noite acordo perdida, os pensamentos confusos, sua voz me chamando, e você não está mais lá...,
Responda-me, explica-me...
Ajuda-me a te tendo tão perto de mim,
te levar pra longe daqui...

Responda-me,
mas sem artificios,
sem buscar maneiras de parecer mais fácil do que é,
responda apenas como faço pra te tirar daqui...
...de mim.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

...aplausos.

Não acredito mais em uma porção de coisas que já acreditei um dia.
Mas acredito que reencontrarei as pessoas que marcaram esta minha vida.
Pessoas que contribuíram pros rumos que tomei.
Acredito que não existe Adeus.
Mas acredito na importância de festejar, homenagear, os que cumpriram sua missão.

Nada ainda foi capaz de tirar de mim a certeza de que dentro deste corpo perecível é que mora quem somos.

Nós não somos este corpo, muito embora ele seja meu grande aliado na vida.
É nele que faço minha morada, é ele que externa quem sou.
É nele que sinto e através dele que posso ser sentida.
É ele que abriga a verdade que pulsa e leva meu nome e por isto muitas vezes tento protegê-lo de mim.
Minhas vontades ou falta delas podem agredi-lo, e vezes diversas percebo que ele dá contorno aos meus sonhos ou me traz de volta a realidade por suas infinitas limitações.

...mas a despeito de toda a importância e apego que eu tenha com ele, nada me convence que somos um corpo e só.
É algo forte que vejo nos olhos de minha filha e me faz ter certeza que é dentro daquele corpo que mora minha princesa.
É algo que se vê dentro dos olhos de qualquer pessoa que saiba que é eterna.
È algo que se encontra quando abraça um amigo, e naquele abraço descobre o mais forte dos amores.

Eternos.
Somos eternos.
A despeito do que tenham nos contado, a despeito do que o credo de cada um forneça como explicação, o fato imutável dentro de mim é que somos eternos.

Creio na eternidade disto que alguns chamam de alma.
De que forma, como e onde?
Não sei...
E francamente????Nem me importa saber.
Creio que nem devemos saber.

Não é pra isto que estamos aqui.
Não é pra saber o depois, embora muitos de nós percamos todo o caminho na busca de saber ou garantir o depois, não é pra isto que estamos aqui.

Estamos aqui pra aprender o Agora.
Para honrar o Agora.
Pra justificar o Agora.
Pra contagiar e contaminar os espaços que ocupamos com a oportunidade que este Agora nos concede.

E, importante me fazer clara, este Agora não é o mero hoje vivido intensamente, o Agora é o espaço de 15, 48, 50. 56, ou 61 anos que nos for dado viver, dentro disto que pensamos ser nós.
Estamos aqui pra cumpri nosso papel, inteira e integramente. Durante todo o tempo que durar o agora.

...e então no derradeiro momento de deixar esta morada, que seja com o profundo sentimento de haver cumprido aquilo que devíamos, e podíamos e queríamos.
...e ai, tudo faz um pouco de sentido.

Tudo se torna uma festa, pois então não será adeus, será apenas um breve tempo até que possamos finalmente entender que o mais ainda está por vir.

...as pessoas que me conhecem de verdade, e conhecer não é ver este ser falante e confuso que sou muitas vezes, mas os que conhecem parte do que sou de verdade sabe que brinco muitas vezes dizendo que ao longo da vida espero fazer ao menos 06 amigos de verdade.
Pois existem amigos que são mais que irmãos,
pois mesmo que o tempo e a distancia mudem seus rumos, suas almas ficam ligadas de uma tal generosa forma que um sempre saberá por onde anda o outro.

Eu quero, na partida, velhinha se possível, que tenham seis velhinhos (as) pra lembrar de mim coisas que ninguém mais saberá....e serão eles que me prestarão homenagens de partida.
Cada vez mais tenho certeza da importância dos laços criados ao longo do caminho, e cada vez mais a certeza da Eternidade muda quase todas as escolhas.

Aos 20 anos de idade eu nem sabia pra onde ir.
Só sabia que tinha um bebê que precisava de mim pra viver.
Eu tinha tanta urgência e tanto desejo de entender tantas coisas mas me perdia nesta busca e restava-me apenas lutar pra suprir o hoje.

Aos 20 anos Conheci uma pessoa, a primeira amiga que tive longe do meu local de nascença,
Longe dos preceitos que conheci como sendo verdades absolutas; e esta pessoa sem fazer um único discurso, apenas com seu exemplo de amor e doçura acendeu em mim o vislumbre da idéia de que Sou eu a responsável por minhas escolhas e colho o fruto de cada uma delas.

...esta pessoa me chamou de filha, me lembrou que eu era forte e que sou eterna.
Lembrou-me que eu tenho tudo o que preciso pra honrar minha existência e que o mais eu posso conseguir, e se não conseguir era porquê de fato não precisava...

Hoje é pra esta mulher que conheci ha treze anos minha saudade e minha alegria.

Alegria pois tenho certeza que ela fez bem mais que seis amigos ao longo do seu caminho.
Alegria pois, de forma indireta, e também direta, devo a ela o fato de eu estar no meu caminho...Não sei se vou conseguir chegar, mas sei que estou no caminho de encontrar a pessoa que sou.
Devo a ela a certeza de que ainda que eu morra sem chegar, isto não importa...não será o fim.

...permito-me chamá-la de amiga, mas na verdade ela não foi minha amiga: Foi um anjo em minha vida. Sem dúvida.

Amiga: Siga em paz.
Nós nos reencontraremos, de alguma forma, tenho certeza.

Faço a ti minha homenagem em forma de letras, pois não me é dada outra forma de te homenagear.
Um beijo.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

...Quando o adeus é só o começo.

Desespero de minh’alma,
Desassossego que me trouxe sua presença e logo em seus braços fui encontrar pouso.

Logo ali, em sua vida sem rumo, fui achar sossego pro meu corpo, pros meus gostos pros cheiros todos que sempre procurei.

Não havia em você nenhuma verdade, e mesmo assim abracei-te tão forte que quis te ter dentro de mim.
Todas as vezes que mentia pra mim eu acreditava...
O teu cheiro foi fazendo parte do que eu era.
Abraçar-te era pouco, eu queria estar dentro de você.

E mesmo assim você se foi, perdido nas suas noites mal-dormidas, nas suas histórias mal contadas, nos seus afagos já negados.

Mesmo que eu te quisesse, mesmo que eu aceitasse, mesmo que eu tivesse me calado sei você que teria partido.

Teria partido, pois construímos um abismo entre nossas vontades, entre nossos sonhos, entre nossos quereres.
Teria partido, pois eu ainda não sei servir a outro alguém.
Teria partido, pois o que procuravas em mim não poderia encontrar.
Sou feita de outro tipo de matéria, e isto que urge em mim precisa ser moldado pra enfim pertencer a outro alguém.

Posso amar-te, e beber do seu gosto, mas não posso corromper meus sentidos.
Não posso negar minhas asas, cortar meus caminhos, romper com meus princípios.

Amava o cheiro da sua boca, e se fechar os olhos ainda posso senti-lo.
O seu abraço foi o melhor abraço que eu já tive e o seu beijo fez poesia em mim.
...mas existe um lugar onde quero chegar e lá eu só posso entrar acompanhada de quem sabe onde está indo.

Eu me desmonto sem você, mas ao teu lado eu perdi o brilho o senso o rumo.
O medo de perder-te fez de mim fraca, falha, desnorteada.
O medo de perdê-lo me fez perder-te mais rápido,
mas quando te perdi percebi que finalmente eu havia me encontrado novamente.

Eu sei onde estou indo.
Sem você fará mais frio, não haverá música, não haverá torcida, nem afagos, mas eu vou chegar.
Vou pra lá sozinha se for preciso, mas vou chegar.

...Ainda que tua falta me maltrate,
Não ter você será apenas mais um motivo pra eu caminhar.
Eu sei que tem uma quantidade enorme de coisas grandes esperando por mim...e eu vou buscá-las.

Te perder me fez ter certeza que estou no caminho certo e que este caminho, se for preciso, trilharei sozinha.
Um dia nos encontraremos.
Até lá espero estar imune ao que o teu cheiro me causa.

E que nem mesmo o desvario de meus amores me faça implorar pelo ultimo beijo...o beijo que não demos.

Que em nosso futuro encontro eu te encontre devidamente encontrado consigo mesmo.
Que você encontre rumo nos seus dias, e eu, certeza nos meus.

E ai... Ai terei certeza de que o adeus só nos fez bem.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Amor com cheiro de pão.

Madalena o espreitava todos os dias, por traz das grades do portão velho da casa igualmente velha.

Ela já sabia o horário que ele iria sair pra comprar pão.

Aprumava-se toda e descia as escadas correndo, grudava o rosto na grade fria do portão.

Olhos brilhando na certeza de que dali a pouco ele surgiria diante de seus olhos.
Cabelos molhados, camiseta, bermuda, chinelo havaianas.

Ela poderia sentir o cheiro de sabonete, mesmo assim de longe.
E quanto voltava o cheiro dele se misturava ao cheiro de pão quente que a imaginação dela produzia.

Ele iria olhar pra ela de rabo de olho e fazer de conta que não notava que todo dia ela estava lá...esperando por ele.

Depois de alguns meses ele mudou o horário de buscar o pão, ou não buscava mais.

Ela resolveu montar guarda cada dia em um horário, em turnos de duas horas, durante toda a manhã, de forma a descobrir que horas afinal ele buscava o pão.
E logo descobriu que agora quem buscava o pão era dona Emercina, a mãe do rapazote.
Pensou em perguntar por onde andava o menino...mas desistiu...seria ridículo.

Resolveu então descobrir se havia outro horário que ele passasse em frente ao seu portão.
Logo descobriu que não.
Ele evaporou no ar.
E assim foi durante um longo mês.

Até que em uma fria manhã da primeira semana de agosto ele passou de novo.
Ela, sentada nas escadas, já desistira de esperar por ele.
Apenas descia, no mesmo horário, pois já virara um costume e de certa maneira era uma forma de senti-lo perto.
...e ali sentada, olhar perdido no muro do outro lado da rua, ela o viu passar.
Perfumado. Camisa de manga comprida, calça jeans, sapato de couro.
O cabelo com gel modelava o rosto de anjo e o andar já não era mais do menino que conheceu. Agora ele andava estufando o peito, ombros largos marcando a camisa de pano fino.
...Olhou na direção dela.
E sorriu.

Madalena agora sabia que ele não era mais o moleque bobo que fingia não vê-la.
Finalmente ele sorriu para ela!

E na manhã seguinte de novo e na outra também.
E logo não era ela somente que o esperava pela manhã. De tarde quando ela saia do colégio era ele que a esperava na frente do portão.

E de pão em pão, sorriso em sorriso foram travando este contato diário.

...nunca ser falaram.

Logo ela começou a trabalhar, estudar a noite e nunca mais o viu.


Anos mais tarde, sempre que ia comprar pão lembrava-se dele.

Lembrava do menino que passava férias longe e sempre que voltava parecia ter crescido um palmo.
Lembrava do cheiro de sabonete, do cabelo com gel e do sorriso largo.
E sempre acrescentava ao cheiro dele, o cheiro de pão quente.

Lembrava da última vez que o virá, na porta do colégio, no último dia de aula.

Pensou que ele viria falar com ela, mas ele apenas sorriu.
Sorriso largo, mas tímido, de menino.

E seria esta a doce lembrança que o pão quente sempre lhe traria.

Até que um dia, ao sair da padaria esbarra em um homem...

Rosto marcante, com uma “sombra” de barba por fazer, cabelo com gel...
Ele pede desculpas pelo esbarrão e sorri.

...o sorriso... Sim! Era ele!

Ela devolve o sorriso, estende a mão e diz:

- Muito prazer, meu nome é Madalena, há anos que te vejo comprando pão.

Soltam uma gostosa gargalhada e voltam juntos pelo caminho, prenunciando que em breve só um deles iria comprar pão.
Para os dois.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Fim.

Depois de iniciar um sem fim de linhas inacabadas percebo que não há nada para escrever sobre o assunto.
Nada.

Apenas a certeza de que quase sempre se paga um preço alto demais por acreditar.


...o bom é que é inverno.
E fim combina com inverno.
...o outono irá chegar e junto com suas folhas amarelas pode ser que o vento leve pra longe de mim a saudade.

Mas e se não levar?

Fim. Fim e ponto.
Odeio pontos.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Insana.

Louca.
As roupas sujas, o cabelo despenteado, seu olhar perdido.
A noite toda parece estar dentro dela.

A voz rouca não sabe cantar, a boca seca como seca é a vida.
Os braços que outrora produziam sons, agora pendem ao lado do corpo e nada parece fazer sentido.
A rua longa.
As pessoas, todas, insuportáveis.

Em sua insanidade ela pensa que não a enxergam.
Acredita que só ela vê tudo, pensa que seu corpo enfadonho esconde-se atrás de seu silêncio. Se não responder será como se não estivesse ali.
Então se cala.
Ouve, mas faz que não está lá.
Calada pensa que se torna invisível e invisível não precisa ser gente.
Não precisa mais ter imagem, ter rosto pintado, boca manchada pelo batom.
Pode esquecer os cabelos em um novelo, como se fosse lã abandonada.
A pele sem vida, as mãos ásperas.
o corpo encurvado que sangra todo mês , insiste em lembrar que ela ainda está ali, mas ela pode mentir, dizer que não viu, que não sabe, que não é.

Anda pelo quintal, com fome.
Ela ainda sente fome.
Tanto faz se é dia, se faz sol, se é frio. Não sente frio mais.
O frio que vem de fora não pode alcançá-la. Nem o calor. Nada a alcança.
Nem a voz delas.
Nem a ausência dele.
Só as pedras que junta nas mãos e carrega pra um canto do quarto. Só as pedras a tocam.
As pedras que junta na mão e com calma escolhe no quintal.

As pedras estão ali. Ela não.
Ela já se foi, e só o corpo que sangra, permanece andando pelo quintal.
Louca. Insana. Completamente sozinha.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Princesa perdida.

O quarto cheio de fumaça intoxicava seus pulmões.

O lugar simples, beirando o promíscuo, em nada a incomodava.

Seu ser era volátil, e seu corpo acostumara a repousar dias em lençóis de cetim, dias em colcha cheirando a mofo.

Culpa de uma infância miserável passada em uma casa cheia de ratos de onde vez ou outra era tirada pelo padrinho que e levava a restaurantes e hotéis requintados.

Ele dizia que era para ela saber como se comportar em lugares “finos”.

E assim desenvolveu uma personalidade mista: Horas mesquinha e vil como uma ratazana suja, hora delicada e sutil como uma dama perfumada.

A fumaça não a deixava dormir.
Ele já havia apagado o último cigarro, mas o quarto pequeno não liberava a fumaça e ela sentia a cabeça rodar.
Ouvia os sons que vinha do corredor. Gente da noite, sem rumo e sem dono, passava por ali.
Ela se perguntava todo o tempo se aquilo era real, e qual o risco que corria.

O conheceu nas páginas de um site de relacionamento.
Perfil falso, desde o início ele criara uma atmosfera de “Fera” que ser esconde da “Bela” por medo de mostrar sua feiura.
Ela, centrada demais, realista demais, irritava-se com a brincadeira ao mesmo tempo cultivava simpatia pelo homem que sofria escondido atrás do desenho.
Por dias, por semanas, destilou o segredo, mas logo confirmou-se o que de feio escondia:
Ex-detento saíra da prisão havia dois meses.
Seu sonho, seu desejo de brinquedo era encontrar sua princesa vestida levemente e amá-la por toda uma noite.

Ela deu sua palavra.
Prometeu que lhe realizaria o sonho.
Ao menos se entregaria para ele. Ser princesa ela não sabia.
Perdida demais, perdera a muito seus sonhos.
E decidiu que alguém teria uma noite de sonho, já que todos os sonhos dela, desde menina, jamais haviam se realizado.

E saiu sozinha em uma noite de abril.

Foi conhecer a Fera. Encantou-se com seu jeito gentil e assim como a Fera do conto de fadas viu nele um príncipe.
Sonhou com ele seu sonho de brinquedo, e mesmo com seu vestido negro, como negra era sua alma, vestiu-se de princesa para ele.
Ele nunca se perguntou o porquê de o vestido ser negro: Ela não sabia ser princesa. E assim, indignamente vestira de negro a princesa dele.

O ar carregado queimava seus pulmões e ela por ouvir “eu te amo” se deu a ele como nunca se dera a nenhum outro.
Sentiu dor.
E ele, alucinado em levar a cabo seu desejo, sua vontade, sua fome; amou-a sem parar, ainda que ela sentisse dor.

...



Quando tudo acabou ela foi embora com medo de si mesma.
Com medo de uma coragem que beirava a insanidade.
Foi embora sentido no corpo dor e na alma medo. Medo em tentar descobrir o que foi que acontecera com seus sonhos de menina.

Seus cabelos cheiravam a cigarro, e como que se arrastando seguiu para seu apartamento.
Tentava lembrar quando foi que desistiu de seus sonhos.
Naquela noite chorou muito, chorou a dor de não poder amar como ele sonhava, chorou a lembrança de quando seu corpo era um castelo ganho a custa de muitas lutas.

Durante dias tentou acreditar que fizera mesmo aquilo.
Ela sabia que pareceria devasso aos olhos alheios.
Parecia devasso aos seus próprios olhos.

Mas ele...ele acreditava em sonhos. Acreditava em fadas...e a chamava de princesa.
Mesmo quando ela ser vestira de negro. Mesmo assim ele a chamara de princesa e dissera que a amava.

E foi assim: vestida de negro, em um quarto qualquer, repleto de fumaça,que ela se fingiu de princesa.
E seria este, para sempre, seu melhor conto de fadas.
Princesa, perdida.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Sobre a ótica das coisas...e dos seres.

Planejava escrever outra coisa, tenho um texto que está se formando dentro de mim há dias, e só não tive tempo ainda de dar corpo a ele...
Mas a recente descrição que minha filha fez de mim,
me fez escrever compulsivamente enquanto digeria uma insônia pós-feriado.

Confabulávamos eu e ela, lá pelas tantas da noite.
Ela cobrando de mim a certeza de que vou ganhar na mega-sena,
Eu, por minha vez, tentando convencê-la da velha ladainha que dinheiro não é tudo. (Pior é que acredito mesmo nesta ladainha).

Embasada em minha profunda vontade de convencê-la disto,
contei a ela que existe um ditado popular que diz mais ou menos assim: “Sorte no jogo, azar no amor”, ou vice-versa.
Diante de tal e fatídico carma, eu sem dúvida alguma optava por ter sorte no amor.
Vai que jogo na mega-sena, ganho e me declaro infinitamente uma infeliz na arte de amar e ser amada.
...ela, na sua “deslavada” sinceridade me dispara a seguinte frase:

“Mas mãe, você já tem namorado!
E, se ele gosta de você assim:
Pobre,
com uma filha chata,
uma mãe nas costas,
uma cachorra gorda,
um gato que não acerta a areia,
imagina como ia ficar louco por você, se fosse rica!!!!”



Depois de rirmos como loucas as 2horas da manhã, tentei explica a ela que não era esta a questão:
É lógico que eu encontraria quem me amasse: Com dinheiro pra rasgar, podendo encher um pouco aqui, diminuir ali, ajeitar acolá,
Com tempo de sobra pra agregar cultura, conhecimento,
Viajar, conhecer gente e lugares diversos, é obvio e certo que me tornaria alguém bem mais interessante do sei que já sou, (sem falsas modéstias) e possivelmente fosse até mesmo amada de fato...
Mas, será que eu amaria???

...enfim, perdida ficamos nestas divagações todas, até altas horas,
Mas o fato concreto, o que ficou ecoando no meu cérebro até a hora de ir trabalhar foi a descrição que ela, logo ela, fez de mim:

Pobre, (e eu ainda achava que dava a ela mais do que tive!!!)
Com uma filha chata, (a danadinha sabe que é chata!!!)
Uma mãe nas costas (minha mãe ficaria horrorizada de ouvir isto!!!!)
Um cachorra gorda (a Pituca é obesa, precisa de cuidados, grunfffffff!!!!!)
E o tal gato que odeia a areia. (E o gato nem é meu, faço questão de frisar!!!!!).

Cruzes! Olhando assim, por esta ótica, me senti uma tia-avó, Detestável, Assexuada,
Noveleira, Enfadonha, Mal amada e ainda por cima cercada de bichos pulguentos!
Logo eu, que me sinto plena e absoluta, (apesar de não dirigir: segundo minha chefe mulher que não dirige não é plena e absoluta).

...pois é. Já havia mesmo descoberto, quando assisti “Sociedade dos Poetas Mortos” que tudo tem mais de um ponto de vista.

Eu hem!
Preferia ter ido dormir sem esta!!!!

sexta-feira, 8 de maio de 2009

...Ponto Final.

Lí, dia destes, em um espaço que me foi apresentado, no perfil da dignissima moradora do local algo interessante: "...dúvido do ponto final."(http://adisparatada.blogspot.com/).

Gostei do termo.

Assim como ela eu também dúvido.
Aliás vou além...não tenho dúvida alguma: não acredito no ponto final.
Acredito na reticência, na interjeição, na interrogação.
Acredito nos parágrafos, que sempre nos levam ao começo, a um trecho novo mesmo dentro do mesmo velho texto...

Sem falsas filosofias, sem preceitos dogmáticos, sem apegos religiosos:
Eu acredito na renovação.
Acredito nos começos, nos meios e que o fim nunca é de fato o fim.

Acredito que ainda há uma "porção de coisas grandes pra eu conquistar, e eu não posso ficar aqui parada."
Acredito que até o último dia de minha vida ainda vai valer a pena iniciar um texto, um projeto um amor, um caminho...

Acredito que cada uma de minhas dores, de meus temores, de meus lamentos só são meus e de ninguém mais e é só ai que está o ponto final.
Depois disto, todo o mais é possibilidade, é entrelinha, é entre aspas, é sugestivo e exclamativo!

Todo o resto pode até ser interrogação, mas ponto final?
Não. Não acredito nele.
E ponto!

quinta-feira, 7 de maio de 2009

...sua verdade.

Chove.
O som das gotas no guarda-chuva, o cheiro, e mesmo seus sapatos molhados aliviam os seus humores.
A chuva tem o Don de fazê-la sentir-se melhor.
Tem dias que o sol parece uma afronta ao seu ânimo.
Aquele céu tão azul parece zombar dela.
A chuva não zomba. A chuva lhe faz companhia.

Abre a porta.
Silêncio.
Delicioso silêncio.
Chuva forte. Solidão.
Irrita-se, pois alguém lhe disse logo cedo que ela gosta da solidão só por nunca ter estado realmente só.
Mentira.
Ela gosta da solidão porque é ela a sua verdade.

Não as pessoas ao seu redor,
não o quintal sempre cheio de sons.
Não o trem cheio, a vida cheia, as paixões todas.
Não.
Sua verdade é o estar só.

Nunca existiu alguém batendo na porta quando o relógio não desperta,
Nem o cheiro de café antes de sua mão posta sobre o bule.
Nunca ouve alguém em algum lugar pra fazer algo.
Sempre palavras. Palavras incentivadoras, palavras animadoras,
Palavras ...mas nunca um único gesto palpável.
Nunca a mão estendida com o remédio que alivia a dor.
O prato quente com a sopa na noite fria.
Nunca o braço forte no fim do dia, quando a vida pesa ainda mais.

Nunca ouve alguém disposto a perder uma só hora de sono por ela.
Soube então, desde sempre, que a solidão era sua verdade.


Não há Fundamentos em sua vida. Nunca ouve.
Solidão sim.
Anda pela sala, sentindo o prazer de sua companhia.
Procura no dicionário o significado da palavra Apoio.
Fundamento. Estrutura.

Para ela apoio era o outro nome da Solidão.
A solidão sempre lhe apoiara, sempre fora sua base, seu fundamento, sua estrutura.


A Solidão combina melhor com sua roupa, com seu vazio, com o seu sono.
A chuva combinava melhor com seus humores.
Chove.
...E ela gosta.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Mentiram para nós. Tempo? Não existe.

Em um passeio por um recanto; nova moradia de uma querida; encontrei um pensamento que veio de encontro ao que sinto ferozmente ultimamente,
Tomo emprestado a angustia dela, pra descrever a minha:

"pensando em onde encontrar tempo, pra escrever um texto sobre minha cidade natal, convite feito por um amiga, q não posso desperdiçar..."

Não entendi muito como a coisa funciona por lá, mas voltarei com mais tempo dia destes.

Mas é impossível não comentar o último pensamento...

Tempo? verdade, companheira...cadê o tempo?

Tempo é uma coisa medonha que inventaram pra enlouquecer quem ama escrever, mora na Cidade Grande e ainda não ganhou na mega-sena ou se aposentou com uma aposentadoria bem polpuda.

Desisti do tempo.
Ou ele desistiu de mim.


Eu morro se não escrevo.
Morro mesmo.
Perco a fome, a sede,
perco o viso.
Parece que algo entala,
A dor é maior,
O abandono é pior,
os bichos todos,
aqueles do passado que só servem pra fazer sentir-se só e com medo,
os tais bichos do “eu interior”, (geralmente criados em uma infância mal estruturada, ou nas tantas outras mazelas da vida), voltam no meio da noite, no escuro do quarto ou no vazio da rua...isso se não escrevo.

Sem escrever minha rua parece que fica mais comprida no meio da noite quando sinto que minha bolsa pesa mais que às 6 da manhã.

Penso que todos nós carregamos no peito uma dor:
um desafeto,
um afeto perdido, um elo rompido,
uma dor qualquer.
lidar com isto é opção de cada um, e a ninguém pode ser delegado,
mas quando não escrevo parece que esta tal coisa escondida fica maior, e quer me devorar.
Escrever muda tudo. Até minha maneira de ver minha própria história.

Quando amo só amo de verdade se puder escrever este amor.
Quando desejo, escrevo, escrever torna real, o que não pode ser.
Ou pode e isto descubro enquanto escrevo.

Quando algo é indigesto, escrevo sobre, e a coisa desce, redonda, mesmo sem ser cerveja.

Quando tudo em mim some, eu viajo e conto contos que nem sei de onde vem.
Crio pessoas que nascem de uma ansiedade que me devora.
Crio pessoas que vivem coisas que jamais vivi,
Crio dores de dores que não são minhas,
Crio amores que jamais terei,
Busco coisas que jamais busquei,
quero coisas que nem mesmo quero.


Se não escrevo, morro.


Mas, ainda assim,
Ainda que totalmente apaixonada pelo ato de escrever, descubro sempre, que não há tempo.
Não há tempo.
Carrego dezenas de textos incompletos, cuja inspiração se perdeu no tic-tac de um relógio que me ameaça.

Onde encontrar tempo, quando o tempo escorre entre os dedos???

Já pensei em não dormir...
eis ai um tempinho que seria bem útil...
Mas dormir é um dos meus prazeres. Os braços de Morfeu sempre me encantaram,
E meu humor muda horrivelmente quando não durmo.

Comer...tai um tempo que eu considero desperdiçado.
Como porque preciso.
Como porque sou motivada por uma dor aguda no estômago ou por uma fraqueza que me lembra que esqueci o almoço...ou da janta, ou do café...ou mesmo de tudo no mesmo dia.
Esta coisa de ter de comer todo dia é coisa que oprime.
Devíamos comer só pro prazer, por vontade.
E não por esta necessidade biológica que nos consome as gorduras e calorias.
Eu trocaria a fome que sinto, por um tempo com meu teclado, só escrevendo.
Mas também não dá certo.
Somos frágeis como vermes.
Temos de nos alimentar.




...e assim, entre um texto e outro,
Entre uma vontade e outra,
Entre o sono e a fome,
Vou deixando vários textos se perderem na memória,
Várias histórias e Estórias que ficam esperando que eu possa enfim,
Trazê-las a vida.

Como uma mãe que se recusa a deixar o filho nascer, seguro no ventre este parto,
Na esperança que meu filhote não morra, sufocado no meio de minhas entranhas...
...

Hoje só posso desejar que minha amiga, aquela do pensamento acima, tenha encontrado tempo pra responder ao irrecusável convite da escrita...
Que a pressão imposta por tal convite não lhe tire a inspiração,
Desejo antes que tal convite a motive a separar dos seus dias sempre curtos, um tempo inexistente,
E assim como uma bruxa ela consiga criar o tempo que não existe,
Que com o talento peculiar que é concedido aos lunáticos amantes da escrita, ela possa também alimentar a esperança de ter tempo, mesmo quando tudo ao redor contar pra ela que não há um único segundo que já não esteja comprometido...

...porque tempo é uma mentira que inventaram pra nos fazer sofrer.
Ele é fictício e irreal como muito de nossos contos.
Tempo não existe.
Existe falta dele, e só.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

...ir, para o lugar de onde vim.

Eu preciso ir embora,
Talvez em outra parte esteja a arte que eu perdi.

Preciso tentar entender quando foi que eu deixei o que quer que era pra eu ser.

Sei que sou feita de outro tipo de matéria.
O que tenho sobre os ossos não são músculos, nem nervos nem pele...
Nem mesmo meus ossos são feitos do que é feito os ossos.

Meu sangue não é composto de hemácias e todo o resto que aprendemos na escola.
Ele é feito de algo que queima enquanto corre na veia.
Meu sangue é feito de algo que alucina, embriaga, sacoleja, move tudo ao meu redor.


Minha vida não é feita de um ontem, de um agora e um depois.
Ela é feita de um antes, ]
muito antes do que consigo me lembrar.
Preciso encontrar o lugar deste antes, pra entender do que sou feita.

Sei que minha carne, meus cabelos, minhas unhas estão aqui.
Mas eu não.

Preciso levar minhas entranhas pro lugar onde estou.

Arrastar este monte de conceitos,
de cheiros, de suores,
arrastar esta pele, estes olhos,
arrastar meus sonhos todos,pro lugar onde eu devia estar...agora.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Segredo de familia.

O beijo.
Foi na hora do beijo que ela decidiu que seria dele, por mais um tempo, por vários dias, por toda vida, se desse certo.

Quando menina sua irmã lhe segredara que no primeiro beijo a mulher pode identificar as mil possibilidades de uma relação.

Tem beijos que são bons, tem beijos que são muito bons.

Tem beijos que alegram, beijos que confundem,

Beijos que parecem técnicos, beijos que parecem arte.

Beijos que invadem e beijos que pedem pra fazer parte da sua boca.

Tem beijo que chega sem que se queira, e ai é tarde pois já não queres mais que ele parta.

Tem beijo que dá cócegas, beijo que dá nojo, beijo que dá medo.



Ela nunca colocara muita fé naquela teoria maluca, e sempre acreditou que o primeiro beijo, como mil outras primeiras vezes, nem sempre são as melhores.

Seguiu sua vida, de beijo em beijo,
Beijou alguns sapos achando que de fato virariam príncipes,
E, piadas a parte, logo descobriu que o inverso acontecia com frequência muito maior: os príncipes viravam sapo, depois do beijo, ou até bem antes.

Quando menina não entendia exatamente como aplicar a teoria da irmã, sábia instrutora na arte do amor.
Beijava sim, mas não tinha ainda despertado em si o quanto de fome há no beijo,
Não sabia entendia ainda como os cinco sentidos se aplicam ao beijo,
Que ele é feito de cheiro, de gosto, de tato, e, sobretudo de visão e audição.

Vida seguiu,
de beijo em beijo,
Menina se fez mulher,
E mulher feita, beijou pouco,

E a teoria de sua irmã jamais foi colocada em prática.



Até que a vida, nesta estranha mania que tem de nos empurrar pro recomeço,
A empurrou também.

E, na arte do amor, recomeço implica, necessariamente em beijo.
Pode-se abster de todo o resto, se for o caso, mas o beijo tem que acontecer.


Pode então perceber que o beijo primeiro escondia de fato uma estranha sensação de premonição.

O Tato, neste caso era para ela o primeiro sentido usado.
Media-se o calor, a umidade, a profundidade e força do beijo, mediasse tudo no tatear da boca.

O cheiro, ah, talvez o cheiro viesse antes até.
Aquele cheiro gostoso, que fica na nossa boca, lembrando que outra boca passou por ali.
Não é cheiro de creme dental, ou de bala, ou cigarro...é o cheiro que fica no fundo, escondido, que sentimos quando respiramos perto de outra boca.

O paladar,]
sim...beijo tem gosto, todos sabem,

E não vamos descambar pros gostos outros, nem sempre agradáveis,

Vamos nos ater apenas ao gosto da boca.
Cada boca tem um gosto, e este gosto alcança nossa boca de um jeito diferente.
Aqui se mesclam o tato e o paladar, como em uma dança, dando ao beijo ritmo.

Dos beijo que deu,
Encontrou sensações variadas,
Ritmos diversos,

Fugiu de vários,
Quis muito alguns,
Chorou por outros,
Desistiu de outros tantos,

Mas todos ficaram atados apenas aos 03 sentidos.

Não entendia ainda onde poderia a visão e a audição fazer parte disto,
Como lhe confidenciara sua irmã, nos tenros anos de sua meninice.


Até que,
Fim de tarde de um domingo,
Domingo daqueles,
Fim de campeonato,
O time vencedor não é o seu,
O livro que lê não chega logo ao fim, e tudo parece chato e vazio.

Um convite pra passear no shopping,
Um suco, um cinema...

Mas então,
Sabe-se lá qual foi a hora, mas ele decidiu, antes dela, que a beijaria.
E a beijou antes do fim da frase, afinal, ela não parava mesmo de falar.

E,
O beijo.
O beijo dele, silenciou a praça toda.
Não havia ninguém mais ali.
Ela poderia abrir os olhos mas não veria ninguém.
E um silêncio enorme tomou conta dela.

Ela já ouvirá falar de sinos que batem,
Mas o que ela ouvia não eram sinos,
Ela ouvia o silencio,
Ouvia o ar entrando e saindo dos seus pulmões,
Ela podia ouvir o sangue correndo mais rápido nas suas veias,
Ela ouvia o coração dele batendo, e o seu, ao mesmo tempo.


A praça inteira,( praça de alimentação de um shopping, movimentado e barulhento) foi tragada por um silêncio repleto de paz.
E mesmo com a alma repleta de paz,
Seu corpo todo tremia,
Os braços dele, e só isto, a impediram da dobrar os joelhos e cair estatelada no chão.

E ali,
Por uma fração de segundos,
Lembrou-se de sua irmã:]

“é no primeiro beijo que você sabe se aquele homem será importante pra você”,
“é uma arma feminina, que eles não possuem: somos capazes de ver e ouvir o beijo.”


...Sim. Agora ela entendia.

Finalmente.
Podia enfim,
passar o segredo adiante...

De fato:
Ela podia ver e ouvir aquele beijo.
O beijo dele.
E só o dele.

terça-feira, 17 de março de 2009

Camomila

Sentia que sua irritação logo se tornaria incontrolável.
Queria dormir mas não conseguira.
Na vã tentativa de buscar o sono resolve escrever.

O computador acabara de dar pau, de novo, antes que ela conseguisse salvar suas útimas anotações.

O cachorro do vizinho uivava, sem parar, despertando toda a cachorrada em um raio de quilômetros.
Pelo menos era esta a impressão que ela tinha : Todos os cachorros do mundo inteiro latiam e uivavam em um coro desesperador.

Na casa ao lado o morador acredita que a música que ele ouve deve ser compartilhada com tantas quantas pessoas forem possíveis...e aumenta o volume.
O coro dos cães segue o mesmo tom.

Ela empurra a mesinha do computador com os pés, levanta irritada da cadeira velha que range também, fazendo barulho.

Talvez não seja mesmo uma boa hora para escrever.
Tudo é barulhento demais para conseguir se concentrar em algo.

Faz barulho principalmente dentro dela.
Barulho de copo quebrado. Barulho de guitarra mal afinada.
Tamborins loucos saltitam dentro de seu cérebro.
Crianças gritam, mulheres falam, como sempre todas ao mesmo tempo.
Barulho demais.

A irritação que parecia sem fundamento assume proporções assustadoras e agora ela tem certeza que o maldito vizinho da casa ao lado é o culpado de tudo.


Ele tem culpa desta noite abafada, dos pernilongos sanguinolentos que lambem o repelente, e também fazem barulho, zunindo sem parar.
O vizinho infeliz tem culpa daquela dor de cabeça que começou há dias e não vai mais embora.

Não importa que o vizinho estivesse viajando quando a dor começou, a verdade, única e imbatível é que ele é um cão danado,
Devia cair rolando as escadas, mas não quando estivesse bêbado.
Devia cair sóbrio e quebrar uma perna.
Uma não; duas.

Ela detesta o vizinho nesta hora mais do que já detestou qualquer outra praga conhecida.
Detesta mais do que a ratos.

Abre a janela disposta a gritar pra que ele abaixe aquele som ridículo, e faça o seu cachorro desafinado parar de uivar.

Mas percebe que mesmo que gritasse a plenos pulmões dificilmente a dupla; cão e dono; ouviriam seus berros.

Veste um casaco, abre a porta.
Atravessa a distância que lhe separa da casa ao lado com passos largos e certeiros.

Entra sem bater, pois o cretino costuma deixar a porta escancarada,que é pro som ganhar o mundo com mais veemência.

Ela entra,
Semblante duro, voz engasgada, mãos tremulas.


E então para, estática.

Lá está ele:
Sentado no meio da sala,
Na mão a foto de seu filho, que ela ouvirá dizer que morrera muito jovem, vitima de algum mal desconhecido... daqueles que chegam silenciosos e ganham a saúde dos pequenos antes que você possa descobrir o que é.

Penumbra, uma xícara descansa sobre a mesa de centro.
Fotos esparramadas do menino.
o ambiente era alegre. Estranhamente era alegre.
Havia perfume no ar, perfume de camomila...

O som batia em um ritmo estridente e o cão continuava uivando.

Ela movimentou-se bruscamente no intuito de partir antes que a visse, mas neste instante ele levantou a cabeça e sorriu.

Chá???O cheiro era de chá de camomila.
Ela pensou que ele teria uma cachaça barata por perto, nunca uma xícara de chá.

Pensou em partir antes que sua irritação incontida tomasse rumos e proporções piores,

Mas, antes que pudesse sair, por um instante,
um único instante,
fez silêncio dentro dela.

A guitarra estridente subitamente afina-se em melodia forte, porém ritmada, os copos quebrando juntaram-se em movimentos mágicos,
Os tamborins assumem agora um toque alegre, as mulheres e crianças barulhentas agora cantam...

O sorriso dele,
o sorriso daquele homem sozinho com suas lembranças,
calou todo o barulho de sua alma.

Havia música na saudade daquele homem.
Música que invade e explica quase tudo.

Antes que o sorriso se transforme em uma frase ela volta pra sua casa.

Deita em sua cama e chora toda sua irritação.
Chora por ter perdido a capacidade de ouvir música.
Chora por não ter saudades.
Chora porquê faz barulho dentro dela.
Não importa pra onde vá e onde se esconda, faz barulho.
Todos os dias.

Dorme em cima do choro, em cima do uivo, em cima do rock.
Dorme engolindo seu grito, seu som, seu ranço
Dorme com o cheiro de camomila.

terça-feira, 10 de março de 2009

"Anticoncepcional x Máquina de lavar roupas"

Acabo de ver que o jornal do Vaticano, “L’Osservatore Romano” publicou artigo no qual afirma que a máquina de lavar talvez tenha feito mais pela liberação da mulher do que o anticoncepcional.
Polemicas a parte,
concordo em gênero número e grau com a tese de que a “Jurema” deve ser tratada com honras de chefe de Estado.

Jurema é o nome de minha máquina de lavar.
Coloco nome em tudo.
O aparelho de som é Julião.
O guarda-roupas Jerônimo, e por ai vai...mas sem dúvidas é a Jurema que domina o lugar de honra.

Já escrevi anteriormente aqui minha opinião sobre o ritual, considerado unicamente feminino, de lavar roupas... (http://eutodososdias.blogspot.com/2008/10/lavando-roupa-suja.html).

Sem dúvida alguma, e longe de mim pensar o contrário, o anticoncepcional nos deu uma possibilidade incomparável de vivermos plenamente nossa feminilidade, com segurança e literalmente de forma mais “relaxada”, no sentido prático da coisa, se é que me entendem...

Mas para mim o ponto chave na comparação “Anticoncepcional x Máquina de Lavar Roupas” é que
ser mãe é algo buscado por muitas mulheres,
o poder de gerar um filho no ventre é algo cobiçado por certos homens,
e por vezes a mulher abre mão do anticoncepcional,totalmente, na busca da maternidade.

Agora me diga, qual mulher almeja lavar um mega-cesto de roupas???
Que homem olha meigamente, doce e sorridente pra um balde cheio de água e sabão, onde serão jogadas meias sujas e fétidas???
Sim, nós esfregamos golas de camisa na mão,
usamos a escova de cerdas mais duras nas calças jeans, mas dificilmente abrimos mão da Jurema, totalmente.
Ela sempre esta lá: linda, absoluta esperando por nós, de braços,(ou seria melhor dizer tampa)abertos!!!


A paternidade participativa é propagada aos quatro cantos, é lindo ver um pai embalando um bebê, trocando-lhes as fraldas, uma mãe que ensina o homem a dar banho no infante é bem quista e imitada,
Hoje em dia o homem não pode simplesmente correr de suas responsabilidades, está ai o teste de DNA e o código penal que geralmente é aplicado nestes casos,

Mas quando simplesmente menciono que um homem deve saber lavar a própria roupa (e não só a cueca!) vejo os olhares que me atravessam, sendo vista como um ser desprovido de compaixão, ou até mesmo como uma criatura preguiçosa e sem qualidades para ser uma boa companheira.

Francamente,
Respeitando as proporções, não podemos negar o advento libertador que as Juremas do mundo inteiro nos proporcionaram!!!

Nada de ficar com braços doendo ao tentar torcer aquele edredom preferido do seu “benhê”,
Chega de bater calças jeans no esfregão do tanque,
Adeus ao processo lento e torturante de enxaguar as roupas!!!!

Viva a Jurema!!!
Viva a mulher livre que não abre mão de ser feminina, mas que não faz questão alguma de ser Amélia.


Feliz dia Internacional da mulher.

08/03/09

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Alguém...

Eu quero alguém pra ir além dos simples versos,
Quero alguém assim, que me olhe em mim,
que me veja em mim...

Alguém que me veja sem batom,
Que me olhe além do tom, além do porte, além do corte.

Alguém pra ser pra mim, o fim, o meio o termo,
Alguém que meus olhos fitem, que minha alma indique,

Alguém pra sentir falta, pra fazer falta,
pra ‘mi’dar alta desta dor.

Um alguém assim, inteiro em mim,
Perdido em mim,
perdido assim...como estou.

Alguém pra fazer rima,
pra dar em cima,
pra me perder na boca.
Alguém pra fazer charme, mostrar meus ares,
Entregar minhas armas, desistir da guerra.


Eu quero alguém pra sair na chuva,
pra brincar na água
Alguém pra dançar comigo,
Sem medo nem perigo.

Alguém assim,
Pra querer pra mim, todos os dias.
Todos os dias, por todos os anos de um vida só.

Eu quero alguém pra me contar que quer alguém, assim também.

Eu quero alguém pra fazer par
Pra fazer verso,
Fazer canção,
Brotar amor.
Alguém que me faça ouvir,
Que me deixe ser,
Que me queira assim,
Como o quero em mim.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Borboletas Eternas.

(Texto inspirado em meus passeios pelo blóg da Maria Rita, foto linda...Vale a pena ver:http://www.tatuska.blogger.com.br/2003_09_01_archive.html).


Borboletas são etéreas.
Mas vendo-a assim, flagrada sobre a flor,
Beijando a flor,
assim, neste instante que a fez eterna,
esqueço o tanto de fugaz que há em uma borboleta.

Meu pai chamava as filhas de borboletas...

Eu era a de asinhas azuis.
Nunca me esqueci disto.
Creio que minhas irmãs também não.
Meu pai, talvez tenha esquecido, mas creio que não.

Sou borboleta azul até hoje,
Nos meus sonhos,
Nos meus vôos.


O azul se tornou minha cor favorita, as borboletas uma paixão.

Mas não coleciono borboletas mortas, em um tampo de vidro.
Gosto delas vivas, voando...coloridas, selvagens...
Algumas parecendo feitas de veludo.
Destas faz muito tempo que não vejo.
...as vezes vejo umas branquinhas, ou amarelas voando pelo meu quintal
e vôo com elas seu vôo derradeiro.

Vou pesquisar, mas ouvi dizer que elas vivem muito pouco.

Injusto isto.

Passam o maior tempão se arrastando como lagartas, outro longo tempo naquele casulo e enfim quando voam, morrem...
...talvez a vida se torne sem graça.

Objetivo supremo alcançado só lhes restam voar rumo a eternidade...
Etéreas. Eternas.

Borboletas são etéreas,
mas naquela foto tornou-se eterna,
Como eterno é seu significado em mim.
Azul.
Borboleta Azul.
Liberdade Azul.
Ser livre pra Ser Etérea.

Eterna, ainda que etérea.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Vida...em mim.

...Gana, força,
Volúpia, deslumbramento.
Dançar, voar
Anseio, fome...

Fome de ser, de alcançar,
De misturar-se ao ar,
Ao vento,
A terra...
ao fogo

Certeza de que está no lugar certo,
Caminha na direção que deve,
Doa a quem doer.
É quem deve ser.

...é música, é silêncio.

As vezes lamento, as vezes riso.
Mas quando lamenta chora, pranteia, se afoga nas lágrimas,
E quando ri, gargalha, incontida e barulhenta.

Quando é poço, é fundo...
e é no fundo que bate o pé e sobe.
Sobe alto e voa.
Forte. Pulsante. Movimento. Dança.
Ritmo.

Isto é vida.
Vida em mim.

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