quarta-feira, 1 de julho de 2009

Princesa perdida.

O quarto cheio de fumaça intoxicava seus pulmões.

O lugar simples, beirando o promíscuo, em nada a incomodava.

Seu ser era volátil, e seu corpo acostumara a repousar dias em lençóis de cetim, dias em colcha cheirando a mofo.

Culpa de uma infância miserável passada em uma casa cheia de ratos de onde vez ou outra era tirada pelo padrinho que e levava a restaurantes e hotéis requintados.

Ele dizia que era para ela saber como se comportar em lugares “finos”.

E assim desenvolveu uma personalidade mista: Horas mesquinha e vil como uma ratazana suja, hora delicada e sutil como uma dama perfumada.

A fumaça não a deixava dormir.
Ele já havia apagado o último cigarro, mas o quarto pequeno não liberava a fumaça e ela sentia a cabeça rodar.
Ouvia os sons que vinha do corredor. Gente da noite, sem rumo e sem dono, passava por ali.
Ela se perguntava todo o tempo se aquilo era real, e qual o risco que corria.

O conheceu nas páginas de um site de relacionamento.
Perfil falso, desde o início ele criara uma atmosfera de “Fera” que ser esconde da “Bela” por medo de mostrar sua feiura.
Ela, centrada demais, realista demais, irritava-se com a brincadeira ao mesmo tempo cultivava simpatia pelo homem que sofria escondido atrás do desenho.
Por dias, por semanas, destilou o segredo, mas logo confirmou-se o que de feio escondia:
Ex-detento saíra da prisão havia dois meses.
Seu sonho, seu desejo de brinquedo era encontrar sua princesa vestida levemente e amá-la por toda uma noite.

Ela deu sua palavra.
Prometeu que lhe realizaria o sonho.
Ao menos se entregaria para ele. Ser princesa ela não sabia.
Perdida demais, perdera a muito seus sonhos.
E decidiu que alguém teria uma noite de sonho, já que todos os sonhos dela, desde menina, jamais haviam se realizado.

E saiu sozinha em uma noite de abril.

Foi conhecer a Fera. Encantou-se com seu jeito gentil e assim como a Fera do conto de fadas viu nele um príncipe.
Sonhou com ele seu sonho de brinquedo, e mesmo com seu vestido negro, como negra era sua alma, vestiu-se de princesa para ele.
Ele nunca se perguntou o porquê de o vestido ser negro: Ela não sabia ser princesa. E assim, indignamente vestira de negro a princesa dele.

O ar carregado queimava seus pulmões e ela por ouvir “eu te amo” se deu a ele como nunca se dera a nenhum outro.
Sentiu dor.
E ele, alucinado em levar a cabo seu desejo, sua vontade, sua fome; amou-a sem parar, ainda que ela sentisse dor.

...



Quando tudo acabou ela foi embora com medo de si mesma.
Com medo de uma coragem que beirava a insanidade.
Foi embora sentido no corpo dor e na alma medo. Medo em tentar descobrir o que foi que acontecera com seus sonhos de menina.

Seus cabelos cheiravam a cigarro, e como que se arrastando seguiu para seu apartamento.
Tentava lembrar quando foi que desistiu de seus sonhos.
Naquela noite chorou muito, chorou a dor de não poder amar como ele sonhava, chorou a lembrança de quando seu corpo era um castelo ganho a custa de muitas lutas.

Durante dias tentou acreditar que fizera mesmo aquilo.
Ela sabia que pareceria devasso aos olhos alheios.
Parecia devasso aos seus próprios olhos.

Mas ele...ele acreditava em sonhos. Acreditava em fadas...e a chamava de princesa.
Mesmo quando ela ser vestira de negro. Mesmo assim ele a chamara de princesa e dissera que a amava.

E foi assim: vestida de negro, em um quarto qualquer, repleto de fumaça,que ela se fingiu de princesa.
E seria este, para sempre, seu melhor conto de fadas.
Princesa, perdida.

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