quinta-feira, 23 de julho de 2009

Amor com cheiro de pão.

Madalena o espreitava todos os dias, por traz das grades do portão velho da casa igualmente velha.

Ela já sabia o horário que ele iria sair pra comprar pão.

Aprumava-se toda e descia as escadas correndo, grudava o rosto na grade fria do portão.

Olhos brilhando na certeza de que dali a pouco ele surgiria diante de seus olhos.
Cabelos molhados, camiseta, bermuda, chinelo havaianas.

Ela poderia sentir o cheiro de sabonete, mesmo assim de longe.
E quanto voltava o cheiro dele se misturava ao cheiro de pão quente que a imaginação dela produzia.

Ele iria olhar pra ela de rabo de olho e fazer de conta que não notava que todo dia ela estava lá...esperando por ele.

Depois de alguns meses ele mudou o horário de buscar o pão, ou não buscava mais.

Ela resolveu montar guarda cada dia em um horário, em turnos de duas horas, durante toda a manhã, de forma a descobrir que horas afinal ele buscava o pão.
E logo descobriu que agora quem buscava o pão era dona Emercina, a mãe do rapazote.
Pensou em perguntar por onde andava o menino...mas desistiu...seria ridículo.

Resolveu então descobrir se havia outro horário que ele passasse em frente ao seu portão.
Logo descobriu que não.
Ele evaporou no ar.
E assim foi durante um longo mês.

Até que em uma fria manhã da primeira semana de agosto ele passou de novo.
Ela, sentada nas escadas, já desistira de esperar por ele.
Apenas descia, no mesmo horário, pois já virara um costume e de certa maneira era uma forma de senti-lo perto.
...e ali sentada, olhar perdido no muro do outro lado da rua, ela o viu passar.
Perfumado. Camisa de manga comprida, calça jeans, sapato de couro.
O cabelo com gel modelava o rosto de anjo e o andar já não era mais do menino que conheceu. Agora ele andava estufando o peito, ombros largos marcando a camisa de pano fino.
...Olhou na direção dela.
E sorriu.

Madalena agora sabia que ele não era mais o moleque bobo que fingia não vê-la.
Finalmente ele sorriu para ela!

E na manhã seguinte de novo e na outra também.
E logo não era ela somente que o esperava pela manhã. De tarde quando ela saia do colégio era ele que a esperava na frente do portão.

E de pão em pão, sorriso em sorriso foram travando este contato diário.

...nunca ser falaram.

Logo ela começou a trabalhar, estudar a noite e nunca mais o viu.


Anos mais tarde, sempre que ia comprar pão lembrava-se dele.

Lembrava do menino que passava férias longe e sempre que voltava parecia ter crescido um palmo.
Lembrava do cheiro de sabonete, do cabelo com gel e do sorriso largo.
E sempre acrescentava ao cheiro dele, o cheiro de pão quente.

Lembrava da última vez que o virá, na porta do colégio, no último dia de aula.

Pensou que ele viria falar com ela, mas ele apenas sorriu.
Sorriso largo, mas tímido, de menino.

E seria esta a doce lembrança que o pão quente sempre lhe traria.

Até que um dia, ao sair da padaria esbarra em um homem...

Rosto marcante, com uma “sombra” de barba por fazer, cabelo com gel...
Ele pede desculpas pelo esbarrão e sorri.

...o sorriso... Sim! Era ele!

Ela devolve o sorriso, estende a mão e diz:

- Muito prazer, meu nome é Madalena, há anos que te vejo comprando pão.

Soltam uma gostosa gargalhada e voltam juntos pelo caminho, prenunciando que em breve só um deles iria comprar pão.
Para os dois.

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