quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Saúde.

Termino o ano com a certeza de que quase todas as coisas são incertas mesmo, e que não há nada que se possa fazer sobre isto.
Já descobri que quando a doença chega, não há jeito de sair pela outra porta e fingir que não notou sua chegada.
E se a dor do outro te fere, fica quieto, que não há outro jeito.
Amor também é isto. É sentir a dor do outro e tentar tirar a dor dele, fingindo que não é nada.
A dor de quem ama, vai doer em sua carne e não haverá nada que será feito sobre isto. A dor do outro não é sua, e muito embora te doa, você não pode fraquejar... afinal, não está doente.
Hoje sei que ter saúde é realmente o mais valioso bem que alguém pode possuir.
Seja este então meu pedido de Natal:
Saúde, saúde, saúde...para mim e para os que amo. Saúde até para meus desafetos, saúde, para todos

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Vida e Morte de cão.


Eu tinha uma cachorra que não era bem minha.
Alias, era minha, mas eu só descobri no fim.
Ela morava lá em casa, mas nunca foi de ninguém.
Coisa triste a vida dela. Sempre achei.
Mas por fim...acho que ela foi feliz.

Algumas semanas depois que me casei, meu marido, agora ex, apareceu com ela.
Eu, idéia fixa de não ter mais animais, fiquei ‘fula’.
- Pelo amor de Deus, para ter um animalzinho é necessário cuidar, dar vacinas, banho, ração adequada para a raça, passeios, carinho, atenção... Não é só jogar o bicho pelo quintal com um punhado de água e pão duro!
De contrapartida ele alegava que o bicho, que se criava na rua, havia sido atropelado por seu pai, e não duraria muito.
Falou que ela ‘estrebuchava’, gemia e babava e sendo assim, certamente morreria naquela noite.
- Criatura, e você a trouxe para morrer aqui? O certo é levar ao veterinário!

Corri para dar uma olhada e lá estava ela:
Em pé, no meio da garagem.
Não parecia a beira da morte.
Alias ninguém diria que um carro, com meu sogro que não era nada magro, pudesse ter atropelado aquele bicho.
Devia ter 8 meses, talvez.
Sem raça definida. ‘vira-latas’, dons bons.
Arisca, não deixava que a tocássemos.
Eu levantava a mão para acariciá-la e ela já corria para se esconder.
Não era possível lhe fazer um afago.
Eu a chamei pelo mesmo nome que chamei todas as cachorras que tive, em minha infância: “Póquinha”.
Sem nome seu, sem afago e sem jeito, ela ficou.
Tinha ração, água limpa e cama.

Ficou e fez parte da família.
Sabe aquela prima chata? Era ela.
Sabe a aquela tia birrenta? Era ela.
Sabe aquele parente interesseiro? Era ela.
De nós só queria a comida, a água, a dormida.
Mas ficou, e ficou por mais de 13 anos.

Quando me divorciei os cachorros ficaram comigo.
Ela e outra que ele trouxe depois.
Foi ai que descobri que a Póquinha nos amava.
Ela abanava o rabo toda vez que meu ex-marido vinha no portão.
Sinto que ela sempre achou que ele a levaria com ela.
Nestas horas ela me olhava com pena.
Queria tê-lo perto, mas não queria ir.
Mas, ela teve de ficar.
E ficou.
Novamente.
Por quase 04 anos.
Já velha e doente, pior ficou.
O câncer começou a devorá-la de dentro para fora.
Lenta e silenciosamente.
Quando demos conta, já era tarde.

O veredicto dos demais moradores do quintal era um só:
- “tem que sacrificar”.
...eu fui contra.
- “Mas gente, ela abana o rabo, se alimenta, bebe água e dorme.
Nem um gemido dá. Não está bonita é verdade...mas, mas...”

O veterinário desenganou.
Era questão sem solução.
Mas determinar a morte dela, pelo bem dos olhos e narizes alheios, me repugnou mais que o cheiro dela.
A defendi da morte certa, por longos meses e enquanto ela abanava o rabo.

Só ai eu soube que ela era minha.
Ninguém conseguia tomar uma única decisão, sem que eu desse a palavra final.
O veterinário foi e voltou mais de uma vez, mas ninguém conseguia tirar de mim o peso de decidir.
Dizer sim para a morte de quem amamos é coisa bruta.
Soco, no estômago.

No último feriado deste ano o veterinário veio pela última vez.
Pela primeira vez em sua vida de cão, ela aceitou meus carinhos.
- “Vai com Deus minha querida. A gente se encontra um dia.Acho.
Eu te amei.”

Virei às costas e deixei minha família lá, olhando seus últimos minutos.
Eu não pude olhar.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Contando as primaveras...

Depois do evento “maternidade” o tempo começou a passar tão depressa que nem me dou conta, e lá se foi outra primavera.
Logo vou começar a contar os “outonos” e se tudo der certo chegarei aos “verões”.

Minha primeira festa de aniversário foi aos 11 anos.
Antes disto eu tive uma dificuldade enorme de fazer a conta certa, e saber minha própria idade.
Eu sempre fazia a conta a partir do meu ano de nascimento, o que me dava um ano a mais, durante todo o ano, uma vez que completo ano no último dia do penúltimo mês.
Mesmo depois que entendi a coisa toda, continuei a mencionar minha idade pelo ano.
Mas, a partir de agora, acho que vou rever isto.

A coisa começou a ficar complicada, e eu quase não tenho certeza de quantos anos vou fazer.
Consulto o calendário e verifico que vou fazer 3.6.
Boa. Gostei da combinação dos números.
3.6.
Descobrindo que minhas armas, antes ferramentas de combate, hoje pesam.
3.6
Aprendendo a baixar as armas.

Aos 15 anos uma pessoa de 36, aos meus olhos adolescentes, era alguém “madura”, realizada, sem dilemas emocionais...
Grande engano.
A alma amadurece mais lentamente que o corpo.
As ruguinhas não perdem tempo e se multiplicam velozmente.
A genética da família favorece os cabelos brancos, tenho-os, aos montes.
Já a alma...a alma parece bem menos madura do que eu imaginei aos 15 anos.

Gosto das minhas marcas temporais.
Eu só desejo que minha alma acompanhe a passagem do tempo.
Que a tal sabedoria não espere tanto para tomar conta de minha essência.
Que os anos não tirem de mim o viço, o riso, o gosto, mas me acrescentem a capacidade de reaprender a respirar.
Que ao contar meus anos, eu lembre que só não os faz, quem morre antes.
Quero chegar ao fim da lida colecionando anos, vários novembros floridos.
Eu nasci na primavera.
Portanto irei contar primaveras sempre, mesmo quando o verão já estiver instalado em meu corpo.
Enfim, feliz dia meu, para mim.
Feliz novembro, 3.6.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O céu de novembro e os líderes anônimos...

Eu estou na turma do contra, teologicamente, ao menos.
Olhando o céu azul, céu de novembro, penso que está tudo indo a passos lentos rumo a perfeição.
Boa parcela das pessoas que conheço reza o mantra do “mundo está perdido”, “tudo será destruído”, “Deus está desapontado com sua criação” e por ai vai...
Eu sou da turma que adorou o marketing : “Os bons são maioria...”
É fato que os bons não se organizam como os maus, mas isto é assunto para outro dia.

Sou apaixonada pelo Deus que eu creio.
Se Ele existe ou não já é outro problema dos grandes, mas prefiro deixar para descobrir isto lá no fim, na hora certa, ou será melhor dizendo na mais incerta das horas, a hora final.
Por hora me satisfaz amá-lo, perdidamente.
Meu romantismo me permite continuar crendo. Apesar de tudo e através de tudo.
Sendo assim, adoradora, creio que Ele, já sabia de tudo que iria acontecer, e que sendo assim tudo está no seu perfeito controle.

Não tem nada perdido por aqui não.
O ser humano está se encontrando, a duras penas, mas está.
Falam-se das desgraças atuais, com se elas fossem novidade.
Novidade, na verdade, é a internet que permite que a informação seja vinculada com maior velocidade e alcance.
O homem já fazia das suas sandices desde que Caim matou Abel, e continuou fazendo.
A diferença é que agora tudo é público e notório.
Sendo assim a lei também busca se aperfeiçoar.
Antes matávamos os assassinos, nos igualando a eles, hoje, uma parte da sociedade busca entender o que tornou uma pessoa assassina, para que mais pessoas não sigam o mesmo caminho.
Uma parte da humanidade reconhece que cada um de nós carrega no peito uma arma empunhada, e que o grande diferencial é descobrir o motivo de alguns apertarem o gatilho, e outros não.

Deus deu sabedoria ao homem, e nós, reles mortais, achamos que sabíamos mais que Ele.
‘Danamos’ a destruir tudo para fazer do nosso jeito. Não nos tocamos que “do nosso jeito” a coisa ia desandar, a Terra ia gemer, e o “bicho ia pegar”.
Ele, o Criador da coisa toda, deixou a gente ir, até onde podia. E quando vimos no que ia dar, resolvermos fazer o caminho inverso.
O homem está voltando para onde tudo começou.
Enfim, tomamos o caminho de volta.
Estamos aprendendo a olhar para dentro, para o planeta, estamos descobrindo que no final das contas, Deus é que tinha razão quando criou a lama e os vermes.
Descobrimos a duras penas que tudo tem sua função no sistema da vida.

Claro que para ser otimista assim é necessário acreditar na eternidade da alma.
Crendo nisto é possível olhar pro alto e pensar, que no fim de tudo, o Pai deve estar orgulhoso de nós.
Não falo da maioria, mas falo de uma minoria capaz de mudar toda a História.
Falo de uma humanidade que criou Hitler, mas também criou líderes anônimos que lutam todos os dias nos partidos, nos sindicatos, nas associações de bairro.

Enfim, eu sou da turma do contra.
Acho que o Criador está orgulhoso só esperando para ver até onde podemos retornar.
Enfim, novembro sempre me deixa otimista. Sempre.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Sim.

Você é a resposta para a pergunta que me faz.
De todas as certezas, que jamais pude encontrar, você é o sim.
Teus braços e abraços me livram do cansaço,
tua pele aquecida esquenta minha alma fria.
Juntos somos a fé que me faz falta.

De risos e planos;
de laços e tratos;
de amor;
...é assim nosso caso.

Você é a resposta que procurei desde o meu primeiro não.
Meu amigo, meu abrigo, meu enfeite, meu sal, meu alimento.
Você é o meu tempero e minha calma.
Somos o sim. O exato. O completo. O inteiro.
Sozinhos seriamos apenas a metade de tudo que queremos.

Sim. Você é a resposta para as perguntas que já fiz.
E sim é a resposta para a pergunta que me faz.
Simplesmente, sim.




sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Quem sou eu, todos os dias?

Este blog é meu.
Eu sou Eliana Klas.
Mas posso não ser. Posso ser qualquer um que passe diante dos meus olhos. Ou quem eu jamais tenha visto.

É esta a idéia original do blog: escrever aqui para tirar aquele monte de caderninhos amontoados ao lado de minha cama.
Fugir do olhar critico, fugir do olhar que dúvida, fugir do olhar analista.
Escrever para voar, escrever para ser ou para esquecer quem sou.

Ultimamente não consigo dar rumo aos meus personagens...
Todos eles parecem flutuando sobre o telhado de minha casa, como pipas que não querem baixar.
Todos os outros eus, aqueles que vejo na rua, que passam lá fora, os que perdi pela vida e os que ainda vou encontrar...todos eles se recusam a vir cear comigo.
Ultimamente só eu mesma sento-me a mesa ...
E foi ceando comigo mesma que resolvi escrever, hoje, por puro prazer.

A experiência do Aspirinas e Urubus foi muito didática, mas não tenho dúvida de que não foi naquele período que escrevi meus melhores textos...meus melhores textos eu escrevi para ninguém ler, vomitei em um chão que não incomodava ninguém...
Apaixonei-me em textos de um amor que não precisava existir para fazer-me delirar.
E é dos meus delírios, em meus delírios, que tiro a melhor poesia.

Minha poesia não tem rima, são versos perdidos de um poeta sem musa...mas é isto que faz dela, minha.
Minha poesia é minha, meu conto é meu, a cronica que escrevo me pertence.
Eu empresto tudo a quem lê.
Não vendo.
Não dou.
Só empresto. Para que continue sendo de meu domínio...
Faço o que quero com aquilo que escrevo, posso até jogar tudo fora...ou posso usar para tocar você.


Então, eis que estou entregue a este eu, novamente.
Este eu, que não sou eu, que é o outro em mim.
Este eu que não posso calar, este eu que é artista, musico, cantor, poeta, que é devasso, perdido, e pode ser também você, meu melhor amigo.
Este eu, que não sou eu, mas ainda assim é o de mais profundo que há em mim...é deste eu que quero falar.
Todos os dias.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

DORCELINO

DORCELINO

Acredito profundamente no "balé" do corpo com a alma.
Preciso encontrar a sintonia entre o profundo abismo de meu ser, e a força do meu corpo.
Sei que posso. Sei que vou conseguir.
Só não sei, ainda, quanto isto irá custar-me. Mas não importa...Ainda que doa, lá no fundo de mim, está a cura que preciso...
Enquanto isto escrevo...
o texto abaixo, "DORCELINO", foi escrito com dores, quase um parto.
Fruto de mais uma de minhas madrugadas...Dorcelino é um personagem que gosto muito e quem passar por aqui verá eu falando dele mais vezes.
Enfim...um pouco de mim, todos os dias...

DORCELINO


Dorcelino estava indo embora.
Ele não sabia para onde, mas precisava ir embora.
Ir embora de todos, ir embora de tudo, ir embora pra lugar nenhum.
Você já sentiu isto?
Se sim então você é capaz de entender Dorcelino.
Dorcelino queria sumir de si mesmo e tentar descobrir o lugar que era dele nesta terra. Certamente não era ali.

Ele tinha os pés grossos do cascalho e da terra, tinha a pele curtida do sol nas colheitas dos cafezais, tinha as mãos ásperas e as unhas sujas.
Aos 48 anos Dorcelino não tinha um único dente na boca.
Mas Dorcelino era gente.
Ele sabia que era gente.
Tentaram lhe convencer de que era ‘burro’, de que era bicho, de que não era nada.
Disseram-lhe até que ele era um tal de “custo-fixo”, que ele nem procurou saber o que era, pois sabia que ele era gente, e isto ninguém lhe tirava.
Quando queriam ser bondosos diziam que ele era “exemplo de superação”, mas isto também ele sabia que não era.
Ele não tinha pai nem mãe conhecida, nunca entrara em uma escola nesta vida, mas conhecia todas as letras e números.
Fazia contas como nenhum outro no cafezal, escrevia versos para as noites de viola nos terreiros das fazendas.
De ‘ouvido’ aprendera a tocar.
Mas ele sabia que tudo aquilo não era nada de “superação”.
O nome daquilo era “escolha”.

Ele tinha de escolher entre despertar pena nas pessoas, ou amor.
Ele queria ser amado, era só isto.
Ele só era gente.
Era um tipo de gente para quem o bem-querer vale mais que o tostão.
Mas agora ele descobriu que ninguém o via como gente.
Era tudo mentira, discurso de gente que acha bonito ser abolicionista, ou democrático, ou ‘do povo’.

Quando Dorcelino avisou que ia embora, fez-se alarido em toda a casa.
Seus patrões, gente que ele servia fielmente como um cachorro, não entenderam nada.
Sua mulher entendeu menos ainda.
Mas agora era hora de ir embora.
Ia abandonar aquele quarto limpinho da casa grande, abandonar seu lugar perto dos seus “donos”.
Sim, ele pensou que era sua “família”, mas isto também era mentira.
Aquela conversa de “Dorcelino é como que da família”, tudo mentira.

Doía naquela alma velha saber que não valia nada.
Seu afeto era visto como interesse.
Amava aquela gente, e os amava de graça.
Ali era sua casa.
Admirava aquela gente.
Sorria para eles pois achava que eram gente como ele.
Mas não eram. Eram feito de uma outra matéria, uma matéria que Dorcelino abominou no dia que se deu conta que existia.
Descobriu que eram feitos de valores falsos, eram feitos das diversas faces da hipocricia libertadora que é bonita no discurso, mas que na pratica era puro nojo de gente como Dorcelino, pobre, preto e iletrado.

Dorcelino fora tratado como bicho querido por muito tempo.
Bicho bem tratado, afagado, alimentado, uma poção diária de ração boa, água limpa e até com sucos algumas vezes.
Mar Dorcelino gostava deles não por nada que eles pudessem lhe dar.
Gostava deles por que era gente e acreditava que eles também fossem.

Dorcelino agora precisava ir embora.
Seu peito ardia de uma dor profunda, a pior que um ser pode ter: a descrença.
Uma pessoa pode perder tudo nesta vida, mas o dia mais infeliz da vida de Dorcelino quem trouxe não foi a fome, nem a miséria, nem a falta de saúde, nem o desamor.
O dia mais infeliz da vida de Dorcelino foi o dia que perdeu suas crenças.
A descrença em tudo lhe socou o estomago com fúria.
Não havia nada em lugar nenhum no qual ele ainda acreditasse
Dorcelino agora não acreditava mais em si próprio.
Todo o esforço de sua vida fora em vão, e agora nem em si ele acreditava mais.
Mas a dor maior é que agora ele não acreditava nos seus semelhantes e sem acreditar no semelhante ele não podia mais crer em Deus.

Dorcelino precisava descobrir o que era a vida afinal.
A vida não podia ser seus sapatos.
Ele sabia que um sapato bonito garantia que ele fosse atendido mais rápido na mercearia, mas a vida não podia ser suas roupas.
A vida não podia ser seus cabelos. Ele sabia que se sua mulher tivesse cabelos bonitos e cheirosos ela era melhor tratada.
Mas a vida de sua mulher não podia ser seus cabelos.

Dorcelino já estava farto de ouvir falar discursos sobre a importância do “SER”, mas no dia seguinte ele via estas mesmas pessoas com o “TER” ardendo nos olhos, lustrando seus sapatos bonitos, olhando para os sapatos como se fossem espelhos.
As mesmas pessoas que falavam bonito sobre o direito de liberdade e igualdade e na verdade olhavam pra Dorcelino com desprezo.
Achavam que a bondosa servidão dele era pobreza de espírito. Achavam que ele era um “pucha-saco” interesseiro que só queria dormir na Casa Grande.
E Dorcelino não era nada disto.
Ele só era gente.
Gente pobre, gente simples, gente que não escolheu de quem nascer.
Mas era gente.
Ele precisava ir embora antes que lhe convencessem do contrário.
Antes que lhe convencessem que era um medíocre e sujo pedaço de pano velho.
Dorcelino apertou contra o peito a carta que seu senhor lhe dera.
Fez que não viu a fingida preocupação quando lhe perguntaram para onde ia.

_ Eu? Eu só vou embora “Seu Dotô”. Carece saber o meu paradeiro não.
Faz de conta que morri. Faz de conta que eu nem existi “Seu Doto”.
Mas não esquece de tomar seus remédios “seu doto”...
...e antes que Dorcelino tivesse terminado a frase o seu senhor já havia lhe dado as costas e entrado na Casa Grande.
E Dorcelino se foi, como se nunca tivesse existido.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Minha prece

Que o meu silêncio fale cada vez mais.
Que o meu ontem possa definitivamente se tornar ontem.
Que o hoje não seja mais um doloroso reflexo do passado, mas sim a continuação que se faz necessária.
Sigo.Não por escolha.
Sigo por exigência. Sigo por nunca ter me dado outra opção.
Não desistir pode ser uma opção.
Para mim é a única estrada a ser trilhada.
Se curvar, sim.
Parar nunca.
Não sei ser de outro jeito.

Penso que o fracasso nada mais é que a desistência.
Penso que a vitória não é a quantia de bens que adquiriu ou de pessoas que agregou ao seu redor.

Ser vitorioso é ser capaz de lapidar-se, até que sua alma seja algo melhor do que quando chegou aqui...
Se não creres na alma, então tudo perde o sentido.
Em minha fé, tola, não há prazeres momentâneos que justifiquem a vida, que se torna um fardo a ser arrastado neste festival de bens e amores que vão e que vão.
As riquezas conquistadas, e o amor alcançado são só passos...passos.

Sem a certeza da comunhão da alma com o Divino, tudo se torna caminhar sem destino.
E o Divino é tão pessoal. Tão infinitamente Vasto e Profundo, para estar em um só lugar, em uma só crença.

Enfim.... Mesmo quando não creio, continuo crendo.
Crendo que o hoje é a lenta formação de uma alma em construção.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Ficar 'só no discurso' pode ser uma opção...ou não?

Complicado.
Dilemas da vida.
Não calar-se, gera problemas.
Calar-se, gera gastrite.

Todos sabem que sou apartidária.
Por escolha.
Ou por alergia.
E não é a alergia, desculpem-me, burra, de certa parte da população, que alega “detestar” política, e prefere abster-se de votar, ou pior, desconhecer os candidatos em quem vota.
Não.
Minha alergia tem nome e sobrenome, é uma alergia “culta” e motivada.
Optar por não politizar-me foi algo que fiz, com muita dificuldade, ainda no ensino (hoje chamado) médio.
Por motivos familiares e particulares.

Tentar fazer parte da mudança social pode estar diretamente ligado a não acompanhar as mudanças que acontecem dentro de sua própria casa.
Desde muito cedo decidi que seria partidária de uma causa ou criaria um filho.
Engravidei muito jovem, aí não teve jeito: A natureza resolveu por mim.
Mesmo assim esta coisa de questionar, de não ‘ir na onda’ da mídia, te ter opinião e não ficar em cima do muro quando sua opinião diverge da maioria, e principalmente, diverge do divulgado pela imprenssa, gera problemas.
Quando eu menos via já era líder de gincana, depois de sala e por fim juvenil.
Daí para entrar nos problemas do bairro é um pulo.
Daí para perceber a necessidade que todos os segmentos têm de seus “mártires” é outro pulo.
Tenho dezenas de centenas de motivos para não seguir os exemplos que vi em casa.
Ou melhor, exemplos que fizeram com que eu não tivesse um lar.
Meu pai sempre foi militante de diversas causas.
Só esqueceu a causa própria.
Hoje aos 70 e tantos anos sei que se arrependeu.
Em minha opinião a primeira causa que deve ser lembrada é a causa familiar.
Não estou falando de interesses mesquinhos que levam pessoas a ‘mamarem’ nas tetas do governo.
Estou falando de amar a si próprio para só depois ser capaz de “amar aos outros como a si mesmo”.

Enfim. Por estas e outras ando roendo uma corda ultimamente.
Com o “... eu todos os dias” e os meus gritos, acabo por atrair olhares de colegas militantes.
Quem me conhece quase me esmurra ao dizer:
- Mas você não pode ficar só no discurso! Diz o ex-colega do colégio, atual militante de meu bairro, filiado e candidato na ultima eleição a Deputado Estadual.
- E se ficar só no discurso for uma opção, pensada, analisada e escolhida? E se ficar só no discurso for minha escolha?Respondo, ‘na lata’.

O amigo, de um partido no qual deito meu olhar nas ultimas eleições, responde, também na ‘lata’ sem dó:
- O problema Klas, é que ficar só no discurso não combina com você.
Arghhhh”
Que ódio que eu tenho destes colegas do ensino médio!
Grunf!
Isto lá é jeito de cutucar a onça? Com vara curta?
Cutucou, e fez-me ficar ruminando o fim de semana inteirinho...
Afinal, haverá um meio termo?
Manifestar-se é um passo, mas deve ser apenas o primeiro de outros que inevitavelmente terei de dar?
Não sei, não sei...”

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O que temos para hoje?

Escrever é uma coisa complicada.
Mas já que eu fiz um pacto, comigo mesma, preciso escrever.
O complicado não é escrever, o difícil é perceber a fina linha que divide o que somos do que não queremos ser.
A linha que separa quem escreve, de quem lê.
A linha que separa o pensador, do vendedor de idéias.
O pensador, pensa, agonia, grita, geme, vomita.
O vendedor de idéias, envolve, enfeita, justifica, formata, molda e emoldura seu próprio vômito.
Não deixa de ser vomito, mas vem disfarçado, e disfarces sempre me incomodam.

Esta semana recebi a redenção: querendo tornar-me um pouco culta resolvi ler Clarice Lispector, e escolhi logo um apanhado de crônicas de quando ela escrevia para um jornal.
Não pode haver nada mais cru do que o que se lê em “Aprendendo a Viver”.
Claro que “ela” já era “ela”, com um nome projetado na literatura, quando escreveu os textos que compõem este livro, mas o seu gemido me é tão intimo que, leiga que era, sobre Clarice, fiquei assim meio sem entender a proporção de seu nome.
Fiquei meio ressabiada e perguntando-me por que diabos falam tanto de Lispector se nada de mais eu lia naquelas crônicas, que de crônicas tinha muito pouco.
Os pensamentos dela eram para mim tão meus, que eu não via nada de novo ali.
Fazia-me lembrar um diário...mas ali, página após página eu pude ver a alma de uma mulher que busca...busca, busca, busca.
Enquanto escreve ela não quer alcançar o outro, ela quer se alcançar... e assim, sem querer ela emociona e toca a quem lê.
Mas sem nenhuma intenção além de achar o mais fundo dela mesma em tudo que a cerca.

Às vezes são tantas idéias, tantas histórias que se formam dentro de nós, mas ao pintá-las no papel a vontade se acanha, a história se perde.
Hoje eu queria falar de tantas coisas, mas nem uma delas parece preencher aquilo que deveria caber neste espaço.
Hoje, talvez, tudo o que eu quero é um Sarau com amigos.
Esta noite perdi o sono pensando neste Sarau.
Imaginei como ele seria, imaginei amigos queridos, reunidos na sala de minha casa.
Eu tiraria todos os móveis da sala, e colocaria apenas um fofo tapete com muitas almofadas.
Todos entrariam sem sapatos, e sentaríamos ao som de uma musica tocada ali mesmo, por algum musico presente.
Mas seria só a canção, sem letra. Gosto da idéia de que seria o som de uma flauta.
Até sei que amiga a estaria tocando.
Quem sabe a minha filha já estaria dedilhando seu violão e se juntaria, uma vez, ao grupo de meus amigos.

Ah, haveria na varanda uma longa mesa com comidinhas que seriam trazidas pelos amigos. Cada um traria sua especialidade, e nada seria um fardo. Tudo seria com carinho, com vontade.
Eu estenderia o convite aos meus irmãos, mas pediria pelo “amor de Deus” para deixarem meus sobrinhos à vontade para não virem. Esta coisa de obrigar jovens a ir nos lugares é horrível.
Jovem tem seus compromissos, tem seus afazeres. Temos de respeitar o espaço que eles buscar conquistar.
Acho que não haveria cerveja.
Devo dizer que uma amiga me ensinou o prazer da boa cerveja, e desde então a tomo com prazer, saboreando e tateando-lhe com a língua.
Com moderação, sempre, pois o segredo dos santos é equilibrar a bandeja do bem e do mal.
Perdoem-me os adoradores da cerveja, mas eu tirei a cervejinha do meu sarau. Talvez seja por achar que falta romantismo as pessoas quando a bebem.
Gosto dela, mas ando cercada de gente que não a bebe com o devido respeito.
Bebe qualquer uma, em qualquer temperatura, por qualquer motivo.
A cerveja merece mais respeito, néctar amarelo que é...Sei lá, ando ofendida com o que vejo alguns fazerem dela. Então por respeito, não a convidei pro Sarau.
Quero introduzir a cerveja aos poucos, em meus saraus, até que todos entendam que beber é coisa sagrada. Há que se respeitar os limites.
Eu faria uma mistura de chás, cafés, chocolates quentes, e teria bebidinhas como licores e a velha e boa cachacinha pros cabras valentes e para as marias bonitas. Alias teria vários tipos de cachacinhas pra degustar.

Mas estranhamente, neste Sarau, o que embriagaria seriam os versos.
Todos leriam seus poemas favoritos, recitariam as letras de suas canções favoritas, a meia voz, ali, no meio da sala...
Haveria também alguns atores no bando, também já sei quais seriam, e estes nos encantariam com “a arte de imitar seres”.
Teria um grupo, hospedado em minha casa, que viria do Nordeste de meu Brasil, trazendo na bagagem seus próprios versos, para serem lidos ao grupo reunido em minha casa.
Haveria um senhor, que atende pelo nome de meu pai, e ele, bem, ele me deixaria aflita. até que de súbito ele me surpreenderia.. Ele leria versos, seus e de outros, mas se deixaria espatifar em uma almofada, rindo e tomando cachacinha sem preocupar-se demais em mudar o mundo.
Uma vez na vida ele não se levaria tão a sério e se daria o direito de relaxar um pouco. Ele reaprenderia a saber menos, e deixaria os outros pensarem que ele sabe pouco.
...Neste Sarau haveria algumas ausências.
Minha mãe não estaria lá. Não sei o motivo mas ela saiu. Não quis ficar. Fiquei triste com ela, , mas o que fazer não é? Os sarais são assim mesmo...sempre tem alguma ausência importante.
Meus irmãos viriam. Alguns vizinhos que são quase família.
Ah, tem uma família, que é inteira desordeira, mas que amo com tudo que tenho...eles estariam todos lá. Pulariam o muro que separa nossos quintais e viriam...trariam versos tímidos em papéis amassados, teriam vergonha e uns pediriam aos outros para lerem o que trouxeram...achariam estranho o ritual de tirar os sapatos e de não ter cerveja...ma viriam por me amarem.
...a noite correria mansa, com medo de acabar logo e matar o encanto do meu sarau.
Mas o sol viria e ainda nos encontraria ali...perdidos e embriagados nos versos e nas letras que alimentam minha alma.

...pois é... é isto que tenho para hoje,...um Sarau.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O Rei nos Invejará.

Quando a lua chegar, modesta,
Imploro que tu venha e alise todo o meu corpo,
Despreza a falta do sol, deixa a noite nos acariciar.
Toca meu rosto,
meus cabelos,
minha pele.
Arrasta-se sobre mim com calma.
Esfrega teu rosto em meu pescoço,
perca teus olhos no meu corpo nu.
Sussurras baixinho,
palavras que conduzem por caminhos de perdição.
O silêncio e a noite irão devorar minha pele,
tua pele na minha irá esconder-se.

Deixa meus carinhos te enfeitiçar,
Implora por minha língua,
deixa que ela te leve pelo chão prateado.
Deixa minha boca e minha sede te bebericar,
deixa meu desespero achar pouso em ti.
Quando perceberes meu corpo molhado,
seca-me, tateando-me com sua língua.
Vira-me do avesso, me prende em tua cela, carrega-me por onde quiseres.

Quando estiveres bem cansado de amar-me,
cansa-te mais, amando-me de novo.
Ama-me até que tomemos enfado um do outro, até que largados e vencidos possamos dormir.
Deixa todo seu cansaço sobre mim, amansa teus músculos pousando no meu corpo, deixa tua boca dormir em meu seio.

Quando o dia chegar há de nos encontrar vencidos, derrotados, devorados por este amor.
O sol irá rir-se e com seu fogo nos acordará.
A manhã irá nos cobrir com seu manto,
nossa nudez não será vergonhosa.
O astro, que nos rouba a noite,
encantado com nosso furor; calor maior que o dele;
rápido, nos devolverá a penumbra.

No meio da noite, por trás da lua, o sol virá para nos espiar.
Na relva, luz maior que a do Sol, enfim ele se curvará.
Desde então o Rei, cobrirá o rosto, todas as vezes que meu corpo pedir o teu.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A culpa é dos coveiros, Sr. Kassab???

Com a pausa no blog Aspirinas & Urubus, fiz um compromisso interno de publicar semanalmente, aqui no "Eu...todos os dias."
Serão textos diversos, geralmente, frutos de minha insônia.
O de hoje é fruto da insonia e da gastrite causada quando eu apenas tento assistir o jornal enquanto janto...
Tem coisas que não 'desce', e ai...Lá vai:

"Agora a culpa é dos 'coveiros', Sr. Kassab?"

Agora a culpa é dos coveiros, Sr. Kassab?

Gente, quem me conhece sabe o quanto me abstenho, de comentar a respeito de política, exatamente por não julgar-me uma pessoa politizada, para entrar em debates.

Mas leiam este texto, cientes de que quem o escreve, sou eu, uma pobre alma revoltada com o cinismo de quem está no governo de sua cidade.
Pensem que Não sou filiada a nenhum dos partidos políticos, e também não sou sindicalizada.
Apenas tenho olhos, ouvidos, e penso.
Sendo assim tenho direito a “livre manifestação do pensamento!”

Sou munícipe e necessito de absolutamente TODOS os serviços públicos prestados por nossa municipalidade.
Inclusive sepultar meus mortos. Ou, eu mesma, caso “caia dura” de raiva, diante do que tenho visto por parte de nossos governantes, necessito, pessoalmente’, do serviço que hora está em greve.

Estamos em meio a GREVE DO SERVIÇO FUNERÁRIO, ou seja, os coveiros cruzaram os braços, depois de exaustivamente tentarem ser ouvidos por uma municipalidade hipócrita.

Não posso e não vou debater o quanto o serviço é absolutamente necessário, e o quanto de horrível deve ser, depender de um serviço cuja existência é básica, e ao ver seu ente amado partir, perceber que quem deveria sepultá-lo, está de greve.
Não posso medir o desespero destas famílias.
Mas posso medir o cinismo de uma municipalidade que se aproveita deste desespero para JOGAR A OPINIÃO PUBLICA CONTRA OS GREVISTA, QUANDO NA VERDADE, O SENHOR PREFEITO, DEVERIA É EXPLICAR, COMO DEIXOU A SITUAÇÃO CHEGAR A ESTE PONTO.Sou obrigada a ver na Rede Globo nosso Exmo. Prefeito, Sr. Gilberto Kassab, chamando a greve de imoral, quando na verdade Imoral é o Município ao permitir que os servidores tivessem de chegar a este ponto pare serem ouvidos!

Perguntem, amigos, quanto ganha um “coveiro”!!!
Perguntem qual é a porcentagem de aumento que eles recebem anualmente!
E agora perguntem, ao nosso representante municipal, digníssimo prefeito, qual é a margem do aumento do salário dele e verifiquem vocês mesmos quem é o Imoral da História desta greve!

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

MINHA AMADA BRUXA

Texto dedicado a minha filha Alice Klas e aos meus sobrinhos: Valdir Carvalho de Souza, Vander Carvalho de Souza e Julio Cezar Klas Oliveira.

Publicado originalmente no blog:
http://aspirinasurubus.blogspot.com/

"Os cronistas desta semana, aqui no A&U, cutucaram minha velha veia politizada, mas eu, mais uma vez, a ignorei.
Não por desmerecê-la.
Exatamente por reconhecer-lhe a força, mas principalmente, por ter consciência de que palavras sem ação são palavras mortas.
Para não ceder à tentação e falar de política, revi o caminho de meus amigos cronistas e percebi que já era hora de contar sobre a figura medonha de minha rua, em minha infância.
As minhas amigas aspirinas, contaram aqui, histórias de seus loucos e de seus medos de infância.
Eu também preciso contar a minha.
É difícil eu conseguir, ordenar os fatos, os medos e os cheiros, trago poucas lembranças dela.
Ou, talvez, o velho medo disfarçado, me impeça de contar os detalhes.
De tanto que o medo dela me consumiu, decidi afogá-la, e torço até hoje para que ninguém encontre seu corpo.
Vou tentar ordenar os pensamentos com as lembranças que trago dela.
Lembro dela brava gritando, muito, pois iam destruir o seu jardim.
Gritava, e punha medo em quem se aproximasse.
Lembro que, quando seu esposo partiu, os filhos sumiram junto,
e ela sumiu-se de si mesma.
Ou já teria sumido antes, e eles não se aperceberam?
A mulher furiosa, deixada lá, já não era ela, ninguém notou.
Pobre homem,
Pobres filhos,
como podiam saber?
Nem ela, a própria jovem louca, notou, quando a loucura tomou seu corpo.
O fato é, que o assunto correu toda vizinhança:
Aquela bela jovem, com 4 filhos, enlouquecera!
Ainda hoje, se perguntarem, muitos conhecem a história dela.

Lembro de seus olhos perdidos, que já não reconheciam-me mais.
Lembro de vê-la vagando, pelas ruas, com sua foto vestida de noiva.
Lembro de encontrá-la pegando pedrinhas que amontoava no fundo se seu quintal.
Lembro de seus vestidos manchados de sangue, de um fluxo que não a incomodava.
Lembro do seu mau cheiro e do rancor de seus olhos.
Rancor? Não.
Hoje sei que era medo.
Lembro de silêncio e escuro, de uma grande mesa de madeira, que sumiu e nem sei qual foi seu fim.
Lembro do gosto do feijão recém temperado, de caldo ralo, única e ultima refeição, que a lembro ter-me preparado.
Até hoje gosto de feijão de caldo ralo.
Era madrugada, eu fadigada e faminta dormi esperando a janta.
Imagino que nesta época eu tinha uns quatro, cinco anos.
Lembro, que ela começou, a esquecer-me na escola.
Lembro, que sua ira, jamais foi cuidada.
Lembro, que ela era temida, desprezada e zombada, mas jamais amada.
Logo ela se tornaria a bruxa de meus horrores infantis.
Eu amei aquela bruxa mais do que amei qualquer outra mulher antes de minha filha. Ela era minha mãe.
Nunca me fez mal.
Nunca me fez nada.
Nunca fez mal a ninguém além de si própria.
Todo o rancor que nos despejava eram gritos de socorro que ninguém ouviu.
Ninguém podia ouvir, afinal, quem poderia adivinhar-lhe a loucura, lenta, consumindo seus nervos?
Seus olhos perdidos, suas roupas sujas, seus cabelos emaranhados, seu rosto fechado.
Lembro.
Bruxa.
Por onde ela passava as crianças tinham medo dela.
E ela?Ela jamais tocou em uma única criança.
Se quiserem saber, ela amava as crianças, os bichos e as plantas.
Bruxa.
Louca.
Velha bruxa louca.
Aos trinta e cinco anos ela era velha.
Esta é a idade que tenho hoje.
De todas as batalhas que já travei,
Minha maior vitória é, nunca ter negado que eu era filha da bruxa.
Nunca, em toda a minha vida, tive vergonha dela.
Nunca.
Esta é minha marca e meu orgulho.
Por ela me fiz bruxa também.
Esta é a minha herança, meu legado.
Minha maldição?
Não!
Esta é a minha honra!
Muito cedo, aprendi o que era ter caráter.
Muito cedo, aprendi o significado da palavra honra.
Não importa que sua honra seja suja, seja fétida, seja louca.
Ela é a sua honra, e ninguém a pode tirar.
Não importa que não enxerguem tua honra, que a chamem de desonra.
Importa que você enxergue honra, onde só há dor.
Honra é vestir de princesa uma mãe que chamam de bruxa.
Muito cedo aprendi a me curvar diante da dor,
E foi me curvando que aprendi a rezar.
Honra é aprender a rezar só para pedir por uma bruxa, por não ser capaz de esquecer que ela é a sua mãe.
A bruxa de minha infância atormentou o pesadelo de varias crianças.
Só eu nunca pude fugir dela.
Deixá-la seria o mesmo que abandonar minha vida.
Hoje minha alegria é saber que ela também deve ter sido amada, por outras crianças, como as minhas amigas aspirinas, amaram os loucos, bêbados e mendigos, de suas infâncias.
Mesmo que suas lembranças possam não parecer, elas são lembranças de amor.
E foi o amor que vi nos textos das aspirinas que me permitiu buscar no fundo de minhas lembranças a mais amada bruxa de minha infância.
A primeira, de muitas que vieram depois.
Por minha mãezinha louca, me fiz bruxa, pois aprendi que as bruxas não existem, só existem anjos.
E assim, disfarçada de bruxa, minto, sabendo que mentindo alivio a dor.
Aprendi que mentindo ser bruxa, visto de luz, a dor que minha amada bruxa um dia me deixou...
Aprendi que contando histórias, disfarço de fantasia, dores que os loucos carregam no peito.
Minha mãe ensinou-me, que as bruxas não existem, elas são anjos, e nos faz lembrar que ao avistarmos um mendigo, um bêbado ou um louco, antes de termos pena deles, devemos ter pena de nós mesmos, em nossas ignorâncias...
Já foi dito que, os loucos não errarão o caminho dos céus.
Portanto minha amada bruxa, tem asas de anjo.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Sem ele.

Naquela tarde ela percebeu que tinha de ir embora.
Ela havia se perdido dele e nem sabia como acontecera.
Sem ele, ela estava perdida..
Onde ele estaria?
Nunca mais voltara para fazer prosa com suas tardes.

Algumas vezes eles se sentavam diante do mar, sonhavam juntos enquanto viam o por do sol.
Nestas tardes eles riam e faziam confissões.
Mentiam poesia um para o outro, se faziam de amantes.
Ela fechava os olhos, mentia suas vontades, se fazia de forte, negava o desejo.
Mas agora ele não vinha...o silêncio dele esvaziava os dias dela, lhe roubava o poema.
Sem ele ela perdeu a rima, a prosa e o conto.
Sem ele, ela achou melhor ficar quietinha,enroscada em um canto da sala.
Foi ali, no canto da sala que ela percebeu que naquele inverno ele não havia vindo uma única tarde.
Sem ele vir, ela decidiu partir.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

A Bruxa e o Anjo.

Texto postado originalmente no sitio:http://aspirinasurubus.blogspot.com/search/label/Klas
Dia 22/07/11.

Ela penteou seus longos cabelos negros, já sentindo saudades daqueles fios que eram seu manto protetor.
Para onde ia não podia levá-los.
No espelho os olhos, redondos e negros, fitavam-na com receio.
Seus olhos de anjo a protegiam e, no fundo deles, se via a certeza da dor em vê-la partir.
Ângelo também, tão lindo e perfeito, não poderia acompanhá-la.
Loueiny ou Lourdes, como sua mãe preferia, estava com medo, mas precisava ir.
Chegara o tempo de cumprir sua missão.

Deveria vestir-se de cinzas, rasgar suas vestes nobres, triturar suas unhas perfeitas. Cortar os lindos cabelos.
Para onde ia a beleza era vista como falha de caráter, sobretudo a beleza feminina.
Ou pior, algumas vezes a beleza corrompia o caráter e fazia da mulher mero objeto de luxo.
Sua pele lustrosa despertaria pensamentos dos quais ela seria posteriormente culpada.
Melhor cortar os cabelos e esconder os olhos atrás daquelas grossas lentes recém inventadas.
Assim, talvez, teria paz.
Sua beleza que sempre seduzia e lhe dava poder para levantar ou derrubar, não só um homem, mas também um Reino; nunca seria vista como força.
Jamais conseguiriam ver a sábia bondade por trás de sua beleza tida como maligna.
Sua assombrosa sabedoria conquistada em anos e anos de contemplação à Mãe Natureza e afiada com ouvidos atentos para a voz do que não se vê, seria tida como “macumbaria”, blasfêmia ou petulância.
Pior: sua sabedoria seria vista como Pecado.
Melhor calar.
De onde ela saía, as mulheres deviam aprender a calar.
A mulher não podia pensar e muito menos usurpar o lugar que os homens defendiam há séculos: o de Senhores da Criação e preferidos do Criador.
Mulheres que se colocassem como imagem e semelhança do mesmo Deus seriam jogadas na fogueira, seriam malditas, seria banidas.
Mulher só podia ser de dois tipos:

­_ as que conheciam seu próprio poder e escondiam seu conhecimento, ou ainda que assustadoramente belas disfarçavam-se de messalinas e manipulavam os Reis, mas, com isto, eram castigadas à solidão.
­_ as que negavam sua própria força, escondiam-se de si mesma e tentavam viver em paz com seus homens e seus filhos.

De onde Lourdes vinha toda mulher era bela.
Cada uma com seu tom e sua cor.
Cada qual com sua textura.
Narizes, seios, nádegas de todos os tipos e formatos.
Cabelos crespos, lisos, ondulados, todos.
O Belo estava no imperfeito.
Cada qual com seu segredo.
Todas fascinantes.
Mas aprenderam desde cedo o preço de serem mulheres e, amordaçadas, foram encurraladas em um padrão do que é belo.
E o belo mudava de tempos em tempos, depreciando as que não se encaixavam.

Lourdes olhou todas as imagens, escolheu o tipo mais pacato que pode e saiu.
Sua missão era penosa.
Sabia, por antecipação, que venceria.
Mas sabia também que para vencer teria de carregar no corpo todas as dores e misérias de sua luta.
Sabia que se sentiria só.
Temia que sozinha não fosse possível conseguir.
Mas era esta a condição para sua vitória: ela teria de ter coragem de partir primeiro.
Sozinha.
Depois, Ângelo a seguiria.

O grande problema é que, talvez, nunca mais se encontrariam.
Ele jurou que não a deixaria.
Ela jurou que não o esqueceria.
Beijaram-se com amor, encantados e apaixonados que eram um pelo outro.
Tocaram-se com fome e sede um do outro.
Separaram-se como que cada um arrancando de si seu próprio membro.

A grande porta se fechou atrás da jovem e muito sofrida mulher.
Arrastou todas as suas dores pela estrada, sozinha e com medo.

De longe, da janela da grande casa branca, Ângelo chorava.
O amor de sua vida estava no corpo daquela mulher.
Bruxa? Louca?
Não.
Sua fada, sua mulher, seu grande amor.
Ele sabia que ela carregava no peito a espada que matou, antes dela, dezenas de profetas.
Ele sabia que aquela mulher, a mulher de sua vida, era uma feiticeira.
Sabia que ela morreria mil vezes em mil fogueiras diferentes sem nunca desistir de cumprir sua missão.
E ele? Ele era um anjo, calmo e manso, que só teria nesta vida o legado de amá-la, protegê-la e perdê-la dezena de centenas de vidas.
Ângelo Chorou.
E a amou ainda mais.

Dona Ela.

Texto postado originalmente no Sítio:http://aspirinasurubus.blogspot.com/2011/07/dona-ela.html
no dia 13/07/2011


Arrasta-me com teus cabelos.
Toca toda minha pele.
Deixa-me ver-te entrando em meus aposentos, linda e nua.
Passa sua boca fria em minha nuca, sussurrando em meus ouvidos o caminho para o fim, que sei ser só o começo.

Tua pele alva, teu vestido prata aos teus pés.
Seu rosto bonito e doce, sua mão com cheiro de flor.
Ria-te do meu medo, ria-te do medo de todos nós, enrosca tua cabeleira preta e cavalga por todo o redor de mim.

Conta-me teus segredos vitais, mente uma vez mais, e diz que não é agora o fim.
Cobre teu corpo frio com o vestido outrora abandonado ao chão,
Prende teus cabelos com fitas, veste uma sandália branca.
Ri aquele teu riso fino, pinta as unhas de vermelho claro, quase rosa.

Põe teu rosto perto do meu, derrama seu hálito doce sobre mim.
Faça-me ameaças, conte-me que não vou voltar, conte-me que não posso escolher a hora.
Conta-me que vens quando quer e fazes do jeito que bem entendes.

Não é por acaso que tu és mulher, não é por acaso que teu gênero te faz fêmea.
Tu és a Dona temida por todos os mortais, tu és a venerada dos que percebem em ti a porta para o absoluto, tu és a mais abusada das visitações.

Tu te vestes de prata em meus sonhos, tu és linda, tu és minha conselheira.
Pensando em te encontrar bela, me conservo viva, pensando em te encontrar pronta, me conservo firme, pensando em ser digna de ti não desisto nunca.

Amo-te e não nego meu amor.
Causa aborrecimento esta declaração, bem sei.
Mas não te nego nunca, pois sei que será tu a única que não se negará a mim, jamais.
Linda.
Digo-te como já disseram os poetas antes de mim: “ Vem, mas demore a chegar, eu te detesto e amo...”

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Carta aberta às Aspirinas e Urubús.

Meu amigo urubuzinho, minhas ASS:

Ao Urubú Mor:

Jotta, apesar de nossa diferença de idade aponte eu como a mais velha, sinto em você um cara que me aponta o "norte" que me dá a direção em muitas coisas na vida.

Já questionei teu jeito meio "azedo" , mas é justamente esta sua capacidade de não ser um "otimista" cego que fez de você uma pessoa na qual posso confiar.

Saber que você não se furta a critica, mesmo quando aponta defeitos, me ajuda a continuar confiando em você, embora você tenha o don de me irritar.(rs)

Sinto muita falta de nossos papos on-line, pois alí era"pau, pau, pedra, pedra", eu conseguia na hora da emoção extrair sua opinião e expor a minha.
Cresci muito em nossos papos, no sentido de me aperfeiçõar em algo que fazia sem compromisso: escrever.

Dia destes, no seu último e-mail fiquei com a sensação de que eu naõ havia entendido direito o que você havia escrito.
Lí e relí seu e-mail várias vezes, e tentava entender exatamente o que buscava nos passar e que tipo de resposta esperava de mim.
Eu fui franca, expus minha frustração em ver findar um projeto no qual sinto que não me dediquei simplesmente por não poder.

Sei que você não pode dimensionar o que acontece por aqui,mas acredite, não pude.

Hoje vim pelo caminho pensando no seu e-mail.

Acho que quero escrever algo melhor.

Quero escrever textos que tirem o que há de melhor de dentro das pessoas.

Existem textos qeu escrevo, que são feios, são ruins não no sentido literário, mas no sentido do tipo de sentimentos que desperta. São "negros" como disse o Davi.
Eu preciso escrevê-los para purgar a minha alma, para libertar meu peito da dor, mas eu não quero mais que eles alcancem as pessoas.

Preciso escrever textos que contaminem as pessoas de maneira positiva.
Por mais que que eu me liberte quando escrevo textos com gosto de lama, por mais que eu precise muito deste tipo de escrita, não é este o tipo de texto que quero escrever.

Enfim, tenho pensado muito em vocês ultimamente.

Me perdõem, de verdade, por cada texto meu que não esteve a altura do nosso blog.
Me perdoem os silêncios quando havia tanto a ser partilhado.

Eu, como cada um de vocês (tenho certeza) tenho travado umas batalhas bem complicadas, e a pior delas é aquela que se trava dentro do próprio peito.
Mas estou vencendo.
Sei que meu sobrenome é abençoado e nada poderá me tirar isto.
Meu nome quer dizer "trigo".
O mesmo trigo dos cabelos do pequeno principe.
O trigo que faz o pão. O pão que partilhado derruba muralhas.

Enfim, sei que há uma unção de vitória sobre nós e nada poderá mudar isto.

Existe a vitória que muda o mundo. E existe a vitória que muda nossa alma e nossa própria história.
A primeira parece ser mais importante. Mas não se enganem.
Ser capaz de construir a própria história é a maior vitória que um ser pode ter.
Só depois disto somos capazes de mudar o mundo.

Um beijão em cada um.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Nunca mais menina.

Sem você?
Sem você, nunca mais.
Se te perco nunca mais encontro um amor assim,
Se te perco nem procuro outro amor.
Sem você nunca mais alguém me dará banho.
Nunca mais.

Jamais alguém havia me dado banho.
Talvez minha mãe antes de se perder de si mesma tenha me dado banho, os banhos primeiros que os bebês tanto gostam.
Francamente não lembro.
Lembro sim de aos 04 anos brigar com o sabonete teimoso que escorregava dos dedos e rapidinho decidir que não precisava dele para o banho.
Só deixava a água cair no corpo e pensava que já estava “limpinha”.

Depois disto, aprendi a tomar banho, claro, mas sozinha.
Nunca alguém havia ensaboado minhas costas, atrás de minhas orelhas, meus pés, entre meus dedos.

Nunca alguém havia me dado banho totalmente despido de sedução.

Este seu gesto tão doce, tão puro, tão despretensioso, me arrastou para dentro de ti.

Te ver de joelhos, ternamente, esfregando meus pés, de maneira demorada e cuidadosa e depois esfregando minhas orelhas enquanto os seus olhos ficavam perdidos nos meus, com uma doçura tão grande que espantava qualquer outra conotação que não fosse a de amor no seu estágio primário, te ver ali, com tanto carinho e ternura, te ver assim tão cuidadoso, arrancou de mim o que eu tenho de melhor, fincou definitivamente seu nome na minha pele.

Se te perco não te esqueço.
Se te perco não morro, pois sempre faço planos pra uma vida sozinha, caso ela venha, mas se te perco, ninguém me dará banho de novo.
Não do jeito que você faz.
Nesta hora não é só meu homem.
Nesta hora é meu abrigo, meu amigo, meu irmão.
Nesta hora é minha vida, toda ela, perdida na espuma do sabonete.

Se te perco, minha vida, eu juro que sigo adiante, por pura teimosia, mas juro também que nunca mais alguém fará de mim menina.

Ela é. Sempre.

(Texto publicado originalmente no blog "Aspirinas & Urubus" no dia 12/05/2011)
(http://aspirinasurubus.blogspot.com/search/label/Klas)

Ele pensou que naquela manhã quando abrisse os olhos descobriria que não respirava mais... mas assim que os primeiros raios de luz entraram pela janela e o encontrou ainda sentado na poltrona do quarto ele pode perceber que ela estava no ar.

Sim: ele enchia os pulmões para o ar entrar e quem entrava era ela...


Levantou-se surpreso e trôpego foi até a janela.

A luz que pela janela entrava era ela.

Amou-a de novo como a amara sempre.

Os amigos costumavam dizer que ela preenchia todos os espaços, que sua presença era resplandecente.

Naquele momento ele pôde sentir esta imensa presença...


Eles eram daqueles casais que olhando de longe parecem perfeitos. Mas eles vão além disto:quando se aproxima e olha de perto você passa então a ter certeza: nasceram um para o outro.


Juntos professaram sua fé e pela fé mudaram seus nomes, traçaram sua vidas um amarrado no outro...

Mas eram amarrados não com nós e grilhões, suas vidas eram atadas com laços de fita, com laços coloridos, com caules de flores, eles flutuavam juntos em bolinhas de sabão e a música de fundo era uma gargalhada cantante.


Naquela manhã o universo dele desabou e a única palavra que ecoava em seu cérebro era: infarto.

Ela se fora, simplesmente se fora.

Assim como o verão dá lugar ao outono, ela se fora dando lugar a um algo que ele ainda não sabia que nome por.

Não era vazio.

Ela ainda estava ali. Ele podia sentir sua presença perfumada no ar.

Olhar o futuro agora era olhar para ela.

Ele sabia, sabia que ainda eram um só.

Naquela manhã ele respirou um ar que era ela, bebeu uma água que era ela, andou por uma calçada que era dela ...

E sorriu.

Sabia... que era para ela.


(Texto produzido em Julho de 2010 em Memória da eterna Bhumi)


Eliana Klas

sexta-feira, 6 de maio de 2011

No claro e no escuro.

Ela, vinte anos.
Ele trinta.
Linda, das 04 irmãs ela seria a única a não perecer nas garras da depressão e posterior esquizofrenia.
Duas irmãs ficaram solteiras, a mais velha e a mais nova.
Ela e a do meio se casaram.
As duas com Silvios.
Os cunhados tinham o mesmo nome, mas os casamentos tomaram rumos distintos.
O dela foi pra vida toda.

Primeiro o pedido:
- Pense bem, sou velho, não vou querer filhos.
Ela resolveu consultar a mãe, que de pronto rebateu:
- Velho? Nem tanto, aos trinta que o homem já sabe o que quer.
Sendo assim, com o aval da mãe se casaram em seis meses.
Primeiros tempos moraram juntos, as duas irmãs e seus dois Silvios.

Não tiveram filhos, por opção, é o que diziam.
Sem filhos tornaram se filhos e pais um do outro.
Ela brava, ele calmo.
Os dois apaixonados.

Ele, com seus 10 anos a mais que ela, sempre foi seu alicerce.
Esteve ao lado dela quando as duas irmãs adoeceram, acompanhava-a nas visitas ao hospital e a casa distante, na periferia, entre uma internação e outra.
Mais tarde quando a sogra, mãe dela, faleceu foi ele quem esteve junto cuidando das duas irmãs que ficaram solteiras.
Anos depois, com a morte da Irmã mais velha dela, ele, sempre paciente, trouxe a cunhada caçula para viver com eles, e cuidaram dela como de uma filha.

E assim viviam, os três.
Ele, sempre com uma piada para sacar do bolso, sempre doce, sempre atento e gentil.
Ela, mão forte, conduzia a casa com braço de ferro, mas com ele era doce.
“Fofo”, era assim que ela o chamava.

Toda noite a pergunta:
-Você me ama.
- Claro.
E dormiam abraçados.
Por cinqüenta anos foi assim.

Naquela noite, quando a luz apagou, a mesma pergunta:
- Você me ama.
A nova resposta, que ela pensou ser piada:
- No Claro e no Escuro.

De madrugada levantou para ir no banheiro, não voltou.
Ela foi encontrá-lo escorado na parede.
Abraçou-o, beijou, tentou revive-lo.
- Fofo, fofo! Não me deixe. Não me deixe.

Ele já estava morto em seus braços.
50 anos.
Ela, linda. Ele em seus braços.
- Te amo, no claro e no escuro, ela disse, antes de fechar os olhos dele, pela última vez.

(Ao meu tio Silvio Pontes e minha tia Mary Klas.)



terça-feira, 3 de maio de 2011

Estou cansada.

(Texto publicado originalmente no sitio Aspirinas & Urubus no dia 27/04/11.

http://aspirinasurubus.blogspot.com/search/label/Klas)



Cansada do ar sempre pesado, cansada dos pés sujos de barro.


Cansada de cambalear nesta rua suja, com roupas igualmente sujas e tentar manter intacta uma mente limpa.


Estou cansada de esticar estes panos rotos, sobre este colchão velho, jogado neste chão esburacado.


Estou cansada da água cor de barro, cansada da lata para o banho e do esgoto fedorento.
Estou cansada dos restos de marmitas e dos lanches dados com desprezo.


Estou cansada dos cadernos velhos, do lápis sem ponta, da caneta ressecada.


Cansa-me a alma nova, esta vida velha de dias duros e noites famintas. Cansa-me o esmolar, cansa-me o olhar de pena.


Cansei dos tapas, dos chutes, do escárnio.


Cansei de sentir saudades de minha mãe e de ouvi-la sendo chamada de puta.
Desisti de todos os dias tentar me convencer que não há do que ter canseira em uma vida sem ocupação.


Cansei de tentar motivação nos livros velhos que ganhei nem lembro mais de quem.
Cansei de acreditar que minha letra bonita irá um dia me fazer alguém. Cansei da vida, se é que já tive uma.


Desculpem.
Desculpem desistir assim, sem tentar.


(Este bilhete foi encontrado ao lado do corpo de uma menor, vítima de hipotermia, nas ruas de São Paulo) - (Ficção, mas podia ser verdade.)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A primeira impressão sempre fica

Publicado originalmente no sitio Aspirinas & Urubus.
http://aspirinasurubus.blogspot.com/search/label/Klas


A Primeira impressão sempre fica.

Sabe aquele termo “a primeira impressão é a que fica”?


Pois é.


Uma das impressoras do escritório é super “ligada” nestas coisas de “ditado popular” e resolveu incorporar este aí.


Pena que ela não é lá muito boa em interpretação.


Ou pior: adéqua malandramente qualquer “frase de pára-choques” à sua rotina sádica.


A sujeita não dá a mínima para o significado da frase. Ignora o termo que nossas avós usavam como conselho para que cuidássemos dos primeiros contatos com os outros e que hoje, é usado aos montes em qualquer aula de marketing pessoal.


Ela, a impressora, usa o termo no sentido de “engolir” e mandar para a “terra do nunca” todo documento que eu tento imprimir nas primeiras horas da manhã.


A Aninha, minha colega, sempre diz:
- Eliana, a primeira impressão é a que fica. Não se esqueça!
- Grunffff!!!!!!!!!!!!!! Resmungo eu, do outro lado da sala.


‘Tá’, sei que devo dar um desconto a esta brava guerreira que conta sabe-se lá com quantos anos de trabalho suado (melhor dizendo: ‘tintado’), mas tenho cá minhas desconfianças que esta lutadora é tudo menos uma senhora de respeito. Pelo menos segundo o conceito dos meus avôs.


Ela é cheia de taras e manias.


Nada contra as taras de cada um, mas lembre-se que estou narrando segundo a ótica dos meus avôs, que são de uma época que o conservadorismo (ou, em alguns casos a hipocrisia) vinha em primeiro lugar. Pois bem. A sujeita adora me maltratar e muito mais que isto adora ser maltratada.


Percebam: ela é sádica.


Adora maltratar esta pobre alma que vos escreve.


Para chegar ao meu local de trabalho passo por uma verdadeira epopéia, digna dos grandes contos mitológicos,. (Quem atravessa qualquer metrópole em transporte público sabe do que estou falando).


Pois bem, depois de ‘penar’ por 2 horas até chegar ao meu trabalho eu luto bravamente contra o mau humor e, quase sempre, venço.


Isto é, se eu não precisar usar esta sujeita que fica pairando sobre minha cabeça (sim, ela fica em uma prateleira na parede, sobre minha mesa). Se eu não precisar dela passarei o dia feliz, utilizando os serviços de Maria Helena, nossa Super Impressora.


Porém, se eu precisar imprimir etiquetas e pedir ajuda à ... à... à... à (eu tenho infinitos problemas com a crase, podem deixar uma só, ou como entenderem ser melhor) ‘Brava Senhora, me ‘ferro’, e apanho dela como uma cachorra até perder a paciência e arrancar meus próprios cabelos.


Ela? Malvada, sorri do seu pedestal.


Além disso, é masoquista: adora que eu a xingue e só funciona direito depois disso!


Quem me conhece sabe que costumo por nome nos meus aparelhos eletrônicos, pelo menos nos mais usados por mim, e até mesmo em alguns móveis. Notem que chamo a Super Multifuncional de Maria Helena.


Pois bem, a digníssima impressora da qual conto hoje a saga não pode ter nome.


Já tentei de tudo:Alice, Ana, Jocasta, Teresa, Joaquina, Marianinha, Suzana, Patricia, Miquelina, Augusta, Amélia...ANTA!!!! SUA MULA VELHA, ZEBRA MAL PINTADA!. FILHA DA P.................Pronto! Falei a senha! Agora a impressão sai p e r f e i t a como se nada houvesse acontecido.


Juro que não tenho por habito berrar palavrões, mas há muito tempo eu, confesso, que sussurro vários aos ouvidos dessa criatura perversa que me olha de olhos cerrados e que com a boca escancarada cospe a impressão sobre mim... Mas assim: só depois que eu a xingo!


Já ouvi dizer que todo objeto e/ou pessoa tem “energia própria”, que devemos cultivar “bons fluidos” sorrir placidamente quando o “Titanic” está afundando e “acreditar” que tudo dará certo.


Devemos acariciar as flores, conversar com as plantas, rir para os passarinhos e saltitar pela vida como camponesas felizes. Desta forma estaríamos atraindo toda sorte de “boas vibrações”.


Pois bem, a ‘Vagab....’da velha impressora não sabe disso.


Ela acha que deve “engolir a primeira impressão” e só me recompensar com ela quando eu tiver externado o mais podre que há em mim.


Assim terminamos.


Eu: ferida, descabelada, suada, suja de tinta e com o humor destruído.
Ela: impassível, sorrindo e parecendo dizer, lá do alto: “dane-se a impressão que causo”.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Dia de Luto.

Boa tarde povo!

Dia meio triste com as noticias que vem do RJ.
Penso no RJ e penso em cada pai e cada mãe.
Não é preciso ter filhos para ficarmos aperreados.

Eu que tenho uma bem na idade da meninada atingida pela violência fico meio anestesiada, com naúseas, com medo.

O que pensar quando do outro lado vemos um outro menino?
Louco. Malvado. Perverso. Sabe-se lá a história por tras disto.

O fato é que cada vez que um louco assim encontra respaldo na imprensa mais loucos nascem.
Hoje, dezenas de maniacos motivados sabe-se lá por qual tipo de psicopátia talvez tenham a mesma idéia: Com morte e sangue fazer seus minutos de glória e rendenção.

Eu, particular e leigamente, penso:
Não deviam divulgar o rosto, nem o nome, nem contar tantas vezes a história do assassino.
Era isto que ele queria.
Louco ou não ele conseguiu o que queria.
E outros talvez consigam também.

Não há duvidas de que ele queria ser ouvido, Pra isto escrevem cartas.
Não vamos discutir o que leva um menino a virar um monstro.
Toda história tem dois lados e eu sei disto.
Mas vamos tentar não alimentar os monstros.

...Meus sinceros pesames a todas as familias. Todas.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Nasceu!

Nasceu o blog Aspirinas e Urubus.
Vejo vocês lá.
beijos.

http://aspirinasurubus.blogspot.com/

terça-feira, 29 de março de 2011

Pré-parto da "Cruviana" e do "Aspirinas & Urubús"

O "eu, todos os dias" faz parte dos meus dias e sendo assim sofre o resultado do que acontece neles.

Meus dias andam um pouco atrapalhados e eu pouco tenho conseguido escrever.

Fui mais uma das "vitimas" do surto de conjuntivite que tomou conta do Estado e além de não poder trabalhar fiquei literalmente de molho...mal podia enxergar, muito menos escrever que seria meu alento para aqueles dias que não passavam.

Viagem marcada para Rodeiro, lá fui eu no Carnaval.
O feriado renderá um texto, ainda, que não tive tempo de produzir.
Logo em seguida saí de férias por 10 dias pra cuidar do aniversário da princesa, que completou 15 anos. Festa linda, tudo perfeito, do jeito que ela queria.
Vestidão, 15 amigas, velas, flores e no fim uma "baladona".
Lá ser foram o resto dos meus neurônios.

Hoje vim a esta lans pra produzir um texto para um projeto que fui convidada a fazer parte.

E aqui, olhando pra tela do computador, percebí que sempre escreví para mim mesma.

Nunca escreví pensando em quem lê...E agora, ao teclar um texto para um projeto que terá pelo menos 06 leitores (nós mesmos,os contistas do projeto, risos) sinto um certo desconforto...

Escrevo para mim. Sou eu minha leitora e compradora. Jamais desejei atingir um público.
Escrevo muito mais por necessidade do que por querer.
Escrevo por precisar jogar fora o que me corrói por dentro.
...algumas vezes, várias vezes, gosto do que escrevo. Mas é só.

Ainda assim aceitei a proposta.

A proposta é a seguinte:

Tenho um amigo de rede em Mossoró - RN,chamado Jota Paiva.Grande figura.
Mente pensante, alma que conta séculos no corpo de um jovem jornalista, poeta e contista. Ele é casado (e apaixonado) com a Regiane que é professora de Língua e Literatura Espanhola na UERN.
Há algum tempo ele me pediu autorização para publicar um dos meus textos no Jornal de Mossoró. Publicou "Chão Azul" e eu confesso que gostei de ver meus versos indo tão longe. Nâo sei se alguém leu, mas isto nunca me importou.
Importa escrever. Sempre.

Pois bem, o Jota iniciou junto com um conselho editorial e com o apoio da editora Sarau das Letras o projeto da revista "Cruviana", do qual eu fui chamada a fazer parte, publicando contos.
Paralelo a isto nasce o blóg "Aspirinas & Urubús", composto por cinco mulheres e dois homens. Eu fui convidada a ser uma aspirina. Me intitulei "a quinta aspirina" e aceitei o convite.

O blóg terá publicações diárias, sendo que cada aspirina e cada urubú deverá escrever um trabalho por semana...para isto terei de me programar, e separar aos fins de semana um tempo para este trabalho.
Amo escrever, porém não sei se vou gostar da experiência de me obrigar a isto.
Veremos no que dá.
Assim que a revista e o blóg estiverem prontos publico aquí e convido os amigos a visitarem este trabalho tão cuidadosamente elaborado pelo Jota Paiva e demais participantes.

O Blog Aspirinas e Urubús será composto por um grupo bem interessante, além do Jota e sua esposa que já apresentei temos:

Arlete Mendes, professora, contista e cronista, ganhadora de alguns prêmios em São Paulo (onde mora) – (escreve como gente grande);

Rokátia Kleânia, professora de Apodi (RN), dona do famoso blog da Professorinha, está entrando na crônica com a experiência de quem já escreve com freqüência num espaço referência na defesa da educação potiguar.

Cecília Maria, cantora e poetisa de Mossoró (RN), conhecidíssima como integrante do grupo musical Vina, que mistura música e poesia em grandes espetáculos.

Davi Jeremias, publicitário e professor de língua inglesa, responsável pelas grandes ideias que estão surgindo na publicidade de Mossoró (RN). A crônica é um desafio que vai se unir a sua criatividade artística.

...a mim o amigo Jota apresentou da seguinte maneira:

"Eliana Klas, secretária, contista e cronista, dona do blog “Eu todos os dias”, e de uma sensibilidade de grande escritora. Também é paulistana".

...Enfim, vida que segue, e eu sigo também.

Vida longa a Cruviana e ao Aspirinas & Urubús. Com ou sem mim.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

...seu outono em mim...

O outono desperta minhas últimas vontades.
Vontade do seu toque na nuca, no braço, no rosto. Vontade do seu toque nas partes expostas de minha pele, únicas que podes tocar.
Nada posso fazer além de debruçar e sentir este cheiro de folha dourada.
...Sim...o outono tem cheiro de folha, folha molhada, marrom, soltando do galho...E você tem o cheiro desta folha.
Cheiro de fome. Cheiro de desejo. O cheiro que antecede o inverno onde todos os cheiros se perdem.
O seu cheiro é assim, cheiro de antes do fim, cheiro da última vontade, do último desejo, aquele que ninguém precisa saber, que ninguém vai ver, mas que estará lá sempre. O outono é seu perfume em mim.
Este desejo é seu cheiro de outono em mim.
Que desce pelo meu corpo e amolece minhas pernas.
Sua boca longe da minha desenha o contorno do meu corpo...seu toque que não vem acaricia minha pele morna, sua saliva molha minhas curvas.
...seu cheiro de outono atrapalha minha primavera. Me faz não querer ela, me faz querer você. Você, mesmo sem flores, sem folhas verdes, com tanto vento.
Meu último desejo, antes que o verão me sufoque, é todo seu outono em mim.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

...descobrí que amo São Paulo...

Ok. Descobri que amo São Paulo.

Ando até cantando um pagode pra minha cidade:

“Descobri que te amo demais
Descobri em você minha paz
Descobri sem querer a vida
Verdade!
Como negar essa linda emoção
Que tanto bem fez pro meu coração...”

Sou daqui.
Nascida e criada.
Meus pais são daqui.
Meus avós...estes não eram nem do Brasil mas quando pra cá vieram foi em São Paulo que encontraram abrigo.

Eu sempre dizia que queria morar em outro lugar e que não gostava de São Paulo.
Descobri que isto não é verdade.

Sim, claro que férias quero passar em outro lugar, e até posso morar em outra metrópole, mas odiar São Paulo??
Mentira.

São Paulo é minha terra.
Amo sua pluralidade.
Amo sua diversidade.
A noite em São Paulo é linda.
Amo andar pelo Centro Velho, com os prédios iluminados.

Aqui encontro de tudo e todos.

Não precisei ir muito longe pra descobrir isto...
Ter dor de dente de madrugada e descobrir que não há uma só farmácia aberta te faz amar São Paulo.
Passar por uma rodoviária e descobrir que não aceitam cartão de debito e que não há um só caixa eletrônico em um raio de quilômetros também.
Chegar de surpresa e descobrir que os restaurantes não servem mais almoço depois das 14h.
Em São Paulo encontro almoço até as 17h!!!

Eu sei que dá pra viver sem isto tudo...que é só uma questão de se adequar...sim eu sei...Mas foi assim, nestes detalhes tolos que eu descobri que gosto da minha cidade.
Gosto da gente colorida, de todas as raças e credos. Gosto dos prédios altos, gosto do vaivém e de saber que sempre posso voltar para cá e que aqui, afinal é meu lugar.

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