quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Meu Ciclo

(Texto postado originalmente no blog aspirinasurubu.com.br - Ultimo texto do projeto de blogagem coletiva realizado em 2018)

É fim de ano e para mim o fim de uma era inteira.
Todos os ciclos do meu universo começam e terminam em mim. E só dizem respeito a mim e aos que caminham ao meu lado. Dentro do meu útero sinto as dores necessárias a renovação, a pessoa que sou se orgulha ao olhar o que eu poderia ter sido, as vezes ainda se recente dos sonhos jamais alcançados.
Constato que nenhum desses sonhos era de fato meu, mas eram sonhos coletivos, plantados no peito de toda jovem mulher desde o princípio dos tempos.
Um amor, o par de alianças, joelhos no chão, o pedido. Uma casa, um cachorro, os moveis novos nas paredes revestidas com carinho. Depois viriam os filhos, um, dois, quem sabe três. E a casa branca, agora com paredes sujas de mãozinhas, teria sempre brinquedos espalhados pelo chão. Viria a vida, com regras, ordem, cadernos de estudo sobre a mesa da sala. Os filhos cresceriam, se formariam, amariam e me dariam netos. Haveria ordem, haveria regra e a regra seria continuar este ciclo que os leva a ser o que todos são. Às vezes eu pegaria um álbum de fotos onde eu me veria com o vestido de noiva que jamais usei, e lá eu estaria tão bela e tão feliz... eu choraria escondido de saudades da menina que fui.
Mas a vida não se fez assim, minha história começou do fim e eu me vi ninando o bebê que pari sozinha. As paredes sempre tão sujas, a casa cheia de nódoas, os cantos todos cheio de uma tristeza que não ia embora.
Quando dei por mim me vi pintando aquele quartinho para receber a bebe. Juntei cada centavo de todas minhas economias, comprei tecidos coloridos para revestir potes de sorvete, adornei com cores a velha janela, enchi de fitas e bordados, eu ia ter uma menina. Uma princesa, a princesa que eu nunca fui. Tive medo, eu ia parir uma igual. Alguém que também traria no ventre o poder da terra.
Mas eu consegui. Pari e fui mãe. A melhor que pude. Sem sonhos. Sem vestidos de noiva. Sem uma casa ou o abrigo de um par. Costumo dizer que fui mãe sem jamais ter sido filha. Fiz o que deu. E deu.
Dos três filhos que eu teria, me veio uma. E ela me bastou como jamais pensei. Do grande amor que eu teria, me perdi, e isto jamais passou.
Da história que eu sonhei um dia, nada ficou. Nada. Desconstruí as fadas, criei minhas bruxas, lambi minhas feridas, limpei com minhas lágrimas toda dor que senti sozinha. Sozinha. E assim aprendi que na hora do acerto seremos somente Deus e eu.
Da plateia, dos que comentam, dos que apontam, dos que pensam saber mais do que sabem, não haverá ninguém. Ninguém responderá por mim e explicará minhas razões.
O espelho inerte gritará todas as verdades e eu vendo quem sou cantarei a certeza de ser quem devia.
Terei sempre a certeza de ter dito sim todas as vezes que pude. De ter dito não, mesmo quando quis muito, mas o não era o único caminho digno. De não ter fracassado na hora da escolha e jamais ter plantado ervas danosas pelo caminho.
Este ano um ciclo se fechou. Enterrei quem mais amei. Bani de minha vida a última culpa que eu carregava. E percebi que minha história ainda não acabou, talvez, esteja só começando.
Não tenho a velha foto vestida de noiva para olhar, mas carrego dentro de mim todos os sonhos que posso ter. Se o passado não foi um conto de fadas o presente é a melhor história que eu poderia escrever e eu me dei de presente ser feliz. Posso, devo e mereço.
A história não acaba aqui. Ela se fecha e recomeça e eu sempre irei seguir algo além dos meus instintos. Sempre direi não, quando o não for a única resposta digna. E no fim isto tudo só interessa a mim.
Carrego a certeza de que quando mais este ciclo se fechar, só uma pessoa estará lá me esperando: a pessoa que eu sonhei ser. O ciclo é meu e fim.

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