quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Caça às Bruxas II

Ela correu pelos campos, rasgando os pés nas pedras do caminho,
Tropeçava, e se cortava,
o mato muitas vezes escondia espinhos e outras formas que feriam seus braços.
Suas pernas estavam cheias de carrapichos, mas ela corria como que anestesiada.

Ela sabia o que aconteceria se a encontrassem.
De novo a humilhação, de novo seu corpo açoitado, seus cabelos raspados, suas vestes queimadas...
Tudo o que era ela, tudo que era seu, espezinhado.

Seu corpo jovem escondia ainda as cicatrizes da última vez.
Sua alma, já não tão jovem, não escondia coisa alguma.
Ela lembrava da dor, suprema dor, de ver queimar tudo que era seu.
Cada papel, cada pedacinho escrito era um pedaço de si que levaram.
Seu pensamento, sua alma, queimada.
Na vã tentativa de banir dela o argumento,
o quente argumento de quem tem paixão pela vida.
Paixão que não se explica.

Desde pequena fora assim.
Quando amava escrevia como quem ria,
Quando perdia escrevia como quem busca,
Quando encontrava escrevia como quem canta.


Desde menina, fama de bruxa,
Escondia seus escritos como tesouro, fingia não saber ler, fingia não saber sonhar e mordia a boca escondendo a inspiração, o desejo a volúpia.
E assim,arquitetava seus planos, armava ciladas,
Enfeitiçava os amigos, desnorteava os inimigos.

Quando desistia era pra sempre,
Quando esquecia, ela matava, aniquilava, extinguia de si toda lembrança.
Quando gozava, dormia, aquietava, calava.
Loba, onça, ursa, bicho.
Bicho livre, forte.

Sempre soube que não era gente.
Sempre se sentiu fera.
Parecia gente, andava como gente, vestia como gente mas sentia com urgência de bicho.
De fera.

E agora era o bicho que corria pelo mato, na tentativa de salvar-se.
De salvar sua vida, seus papéis...sua alma.
De não calar mais o que era ela.
Bicho. Fera. Bruxa.

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