segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Presidente da República?

“Você ainda será presidente da República....”

Este era um de seus muitos delírios.

Lembrava dele assim: Delirante, empolgante, andar apressado (sua mãe falara que ela herdara dele este costume), óculos equilibrado na ponta do nariz, enquanto parava entre uma passada e outra pra ler algo dos muitos papeis que sempre carregava.

Ele costumava falar: Um dia você vai dizer: "Nunca vi meu pai sem um livro na mão."
Dos livros ela não tinha certeza, mas papeis... isto ela sabia: Ele sempre andava com muitos!
De quando em quando entregava-lhe um e ordenava:
- Lê pra eu ouvir.
E ela lia.
Já preocupada em observar os detalhes pois sabia que depois viria o questionário...
e também tinha as vírgulas, os pontos a intonação da voz...Devia prestar atenção em tudo, pra despertar-lhe o orgulho. E devia fingir muito interesse também, pois isto renderia a admiração dele.
Quase sempre era um texto dele mesmo, que trazia para ela ler...egocêntrico e apaixonado por suas próprias ideias ele fazia dela sua plateia.
Mas tinha outras.
Afinal para ele o mundo era sua plateia.Uma plateia que ele queria marcar.
Em seus muitos planos, o principal era deixar sua marca enquanto mudava o mundo.

Desta vez ele a fez ir em uma passeata dos “sem-terra”, ou “sem-moradia”, sei lá o termo certo, o fato é que eles se organizaram e invadiram uns terrenos perto de onde ele morava...e lá estava ele. No meio. Ajudando a marcar os terrenos, a organizar a coisa toda... E lá estava ela...com ele.

Uma chuva danada e ela andando, a Av: Nordestina todinha, debaixo de chuva, de Guainases a São Miguel Paulista. Com faixas e gritos de ordem. Foi dai que ela adquiriu seu gosto pela chuva.

Dias antes, em confronto com a policia morrera um dos “sem-terra”, Adão.Ela nunca esquecera este nome...
Ela, emocionada, resolveu escrever um texto e imitando-o deu para ele ler.
Ele, certo de que nascia ali uma revolucionária, resolveu lá no local da concentração chamar os jornalistas e dizer que uma criança tinha um texto para ler, sobre o Adão.
Ávidos por noticias do acontecido, juntaram–se em seu redor: luzes, câmaras, microfones.

Ela: papel molhado de chuva, esmigalhado, as mãozinhas pequenas tremendo na vontade de que ele tivesse orgulho dela
Leu, com ponto, vírgula e com sua melhor intonação!

Assim que acabou seu belo texto, o primeiro que pôde perguntou:
- Você viu a hora que o Adão tomou o tiro?
- Não. Eu soube pela televisão.
Silêncio.
Então ela não era uma pobre menina, sem terra e sem lar, que viu um ente querido, na luta por dignidade, tombar diante de seus olhos???
Imediatamente as luzes cessaram, os microfones se abaixaram e todos lhe deram as costas...

Ela queria que um buraco a engolisse.
Cadê ele? ...estava em algum lugar, tentando mudar o mundo.

Ela ficou ali, sozinha.
Com o seu papelzinho roto nas mãos, uma vergonha que lhe engolia a alma, e uma certeza:
Ela não queria ser Presidente da República.

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