domingo, 26 de agosto de 2018

A Luva

Postado originalmente no blog Aspirinas.urubu em 09/08/18



A mão, sempre enluvada.
Tecido fino protegendo a pele igualmente fina.
Mas estava calor e ela tirou a luva.
Bastou um segundo. Antes que ela percebesse, ele pegou sua mão.
Parte preciosa do corpo, muitas vezes a única parte que ela deixava exposta.
E ele a tocou.
Não levemente, com as pontas do dedo.
Não.
Ele pegou em sua mão e ela não esperava.
Desde o começo, ela não esperava nada.
Ele fez troça com ela dizendo que não sabia beijar.
O beijo dele se tornou então o inferno dela.
Sonhava com este beijo, desejava o beijo.
Ela sabia que se ele a beijasse estaria perdida.
Se perderia e se encontraria, nele.

E então naquele dia, justamente ali, ele pegou a mão dela.
E no instante que ela puxou a mão, soube que se perdeu de si.
Era para esquecer.
Toda lembrança boa um dia passa.
Mas aquela não tinha fim.
E na mão que ela tirou da dele ficou a certeza de estar perdida.
Perdida no cheiro das manhãs, no afeto doce dos cuidados.
O inferno desta perdição, acuado em cada gesto inesperado dele.

E na mão dela, que ela tirou da dele, ficou a surpresa, o susto e a espera.
Espera de mais dele nela.
Espera de noites inteiras, depois de manhas aquecidas.
Espera nos lençóis desbotados, das equinas perdidas.
Espera de canções repetidas, em noites mal dormidas.
Espera dos olhos dele perdidos nos dela, numa espera sem fim.

E na mão que ele tocou, ficou o cheiro e o gosto dele.
E agora, ela beija esta mão, toca seu corpo com ela e espera por ele novamente.
A mão que agora tem fogo, arde de amor.
E ela nunca mais usou luvas.
Nunca mais.

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