terça-feira, 30 de dezembro de 2008

...e viva o ano velho, pois foi bem vivido.

...mas um ano se passou.

Agora é aquela hora que pegamos aquela lista amarelada da gaveta
e nos damos conta do que deixamos de fazer.
...ou ainda, otimistas,
fazemos uma nova lista, como se a antiga jamais tivesse existido.

Eu, de minha parte, não quero listas.
Quero só sentir que estou viva.
Que tenho vida. Minha vida.
Quero olhar nos olhos da minha filha e saber que ela ainda pode sonhar.
Basta a mim a certeza de que com ou sem lista, ainda temos vida pra realizar.

...quero ir pra casa, neste ultimo dia útil com a alegria de quem tem um lar pra voltar.
um lugar onde realmente pode chamar de lar.
De uma maneira nova, sem protótipos,
uma família pra chamar de minha.
...
sei que vou travar algumas batalhas,
terei que exercitar meu nariz empinado,
e as vezes a língua afiada,
pra poder ser feliz,
pra poder carregar com honra minha filha em meus braços.
...mas tudo bem.

Ter vida,
e vida própria, pra cuidar, já é uma grande vitória.

Já me faz sentir realizada,
não pelo ano que esta por vir,
mas por este que já vivi.
...

2008 já vai indo,
mas é a ele que eu festejo...
Festejo ao ano que morre por que soube vive-lo.

E que venha 2009...
com a mesma força,
com a mesma fé.
...e com ousadia, se necessário for.
Mas sempre com vida, e vida própria.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Laços de Sangue

Há poucos dias eu confabulava com uma amiga sobre o poder de decisão.

Quase filosofávamos sobre o poder que temos de decidir que algo ou alguém não nos fará mal...
Ela me dizia que para certas coisas só o tempo tem o remédio,
Eu acreditando que o tempo na verdade nos ensina a usar o poder de decisão com critério, em cada caso.

...e hoje estou aqui, com uma dor no peito que sufoca e dilacera quase todas as minhas certezas.
Mas eu já decidi há algum tempo que posso escolher se isto me fará mal.
E não fará.

Ainda assim constato que algumas pessoas possuem o inesgotável poder de nos surpreender, o inesgotável poder de nos atingir.
...eu fui para lá com a certeza de que nada que eu ouvisse poderia me ferir.
De que nada que me fosse dito me tocaria, me feriria.
...Mas mais uma vez descubro que posso ser sempre surpreendida por suas palavras.

Doeu em mim não suas palavras, pois não consigo conceber que ele acredite no que me disse,
doeu pensar que ele não acredita naquilo mas falou com o único intuito de "cutucar", de levantar o pó das nossas almas...

E assim, com a alma em pó, fiquei ali, olhando aquelas árvores,
Sentindo o cheiro da chuva ...deixando o cheiro da chuva ir limpando o nó de minha garganta.

As lágrimas desciam e eu só as queria conter.
Mas minha decisão não surtia efeito diante das lágrimas.

Eu jurei que não choraria.
...foi mais uma das promessas que quebrei.

...mas aos poucos fui vestindo meu sorriso de festa, fui colocando no rosto a pessoa inabalada que eu gostaria de ser,
E sai de lá como se aquilo não tivesse pesado como chumbo dentro de mim.

...Sai de lá com a firme decisão de que aquilo não me fará mal.
...mas por hora, para que isto aconteça é preciso que eu não pense.

Não vou pensar nisto.

E ai descubro que não pensar nisto é dolorosamente não pensar nele.

Mais uma vez preciso esquecê-lo.
Mais uma vez este abismo enorme é aberto no meio de nós.


E tudo o que fica é a certeza do seu sangue, correndo no meu.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

...perdendo o encanto.

Nesta época do ano era desnecessário dizer que lembrava dela ainda mais do que durante todo o ano.
E Lembrar dela era necessariamente se sentir o último dos homens.

Ela adorava as festas de fim de ano.
As lojas enfeitadas, o burburinho no ar, os presentes, as festas.
Pouco lhe importava se tudo era comércio, se o Natal tinha algum significado espiritual ou não.
A ela importava a beleza, o estético, o efêmero.

Ele andava pelas ruas com a alma consumida.
O cheiro dela estava no cheiro do panetone, no cheiro dos assados, das frutas cítricas.
O som do riso dela era lembrado no barulho das castanhas sendo quebradas.

...e esta época o fazia lembrar do presente que lhe comprara, na noite que ela se fora.
Naquela noite ele lhe comprara enfim o anel que ela tanto pedira.
Juntara dinheiro os últimos meses, mais parte do 13º , e finalmente na caixinha de veludo vermelho estava o pequeno tesouro.
Ele iria pedir-lhe em casamento naquela noite. Noite de Natal.

Chegou na festa da família e notou de imediato que todos os olhares o perseguiam.
Beijou a mãe, as tias, abraçou tios e sobrinhos, cumprimentou amigos.
Mas cadê ela???
Todos os olhos da festa fitos nele.
Até que a irmã, querida, confidente, amiga, que jamais gostara dela vendo seus vícios de menina matérialista e fria, lhe contou...
"Ela se foi...Saiu, no meio de todos, malas feitas, sorriso na boca.
Deixou só este bilhete pra ti."


...Já fazia tempo que ele percebia algo diferente.
Nunca tinha tempo pra ele.
Sempre saindo, sempre feliz demais longe dele.
Depois que começou a andar com a Lurdinha e o Cássio pra cima e pra baixo, algo mudara.
Ia a absolutamente todos os lugares com os dois.
As vezes iam os quatro, mas quando ele estava trabalhando ela não se importava de sair com o outro casal.
E ria riso solto com os dois.
Na cama o evitava o mais que podia, e quando a tinha,
Sempre de olhos fechados, rosto virado pro outro lado.
Gozava rápido. Ele acha que ela fingia.

Conversar com ele só pra pedir um cheque assinado, um vestido, um perfume...e pra lembrar da mensalidade do curso...e por ultimo o tal anel.
Ele achou que ela queria era ser pedida em casamento e arquitetou tudo com a família.
Já estavam morando juntos a mais de dois anos, e talvez a distância toda dela fosse vontade de casar, ter o nome dele, planejar os filhos estas coisas todas que a mulher quer depois dos 30 e que depois dos 35 já virou fixação.

Mas se enganara.
Ela só queria lhe extorquir mesmo.
No bilhete, categórica:

“Querido, agora já terminei meu curso, posso me virar sozinha.
Vou embora viver meu amor.
A Lurdinha deixa, ainda hoje, o Cássio, vamos viver juntas...se é que me entende.”

Não, ele não entendia.

E o Natal então mudou de cor pra ele.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Caça às Bruxas II

Ela correu pelos campos, rasgando os pés nas pedras do caminho,
Tropeçava, e se cortava,
o mato muitas vezes escondia espinhos e outras formas que feriam seus braços.
Suas pernas estavam cheias de carrapichos, mas ela corria como que anestesiada.

Ela sabia o que aconteceria se a encontrassem.
De novo a humilhação, de novo seu corpo açoitado, seus cabelos raspados, suas vestes queimadas...
Tudo o que era ela, tudo que era seu, espezinhado.

Seu corpo jovem escondia ainda as cicatrizes da última vez.
Sua alma, já não tão jovem, não escondia coisa alguma.
Ela lembrava da dor, suprema dor, de ver queimar tudo que era seu.
Cada papel, cada pedacinho escrito era um pedaço de si que levaram.
Seu pensamento, sua alma, queimada.
Na vã tentativa de banir dela o argumento,
o quente argumento de quem tem paixão pela vida.
Paixão que não se explica.

Desde pequena fora assim.
Quando amava escrevia como quem ria,
Quando perdia escrevia como quem busca,
Quando encontrava escrevia como quem canta.


Desde menina, fama de bruxa,
Escondia seus escritos como tesouro, fingia não saber ler, fingia não saber sonhar e mordia a boca escondendo a inspiração, o desejo a volúpia.
E assim,arquitetava seus planos, armava ciladas,
Enfeitiçava os amigos, desnorteava os inimigos.

Quando desistia era pra sempre,
Quando esquecia, ela matava, aniquilava, extinguia de si toda lembrança.
Quando gozava, dormia, aquietava, calava.
Loba, onça, ursa, bicho.
Bicho livre, forte.

Sempre soube que não era gente.
Sempre se sentiu fera.
Parecia gente, andava como gente, vestia como gente mas sentia com urgência de bicho.
De fera.

E agora era o bicho que corria pelo mato, na tentativa de salvar-se.
De salvar sua vida, seus papéis...sua alma.
De não calar mais o que era ela.
Bicho. Fera. Bruxa.

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