quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Meu novembro Azul

Publicado originalmente no blog aspirinasurubu.com.br

Novembro é mês de meu aniversário.

Pois é. Meu velho pai resolveu morrer em novembro.

Dos muitos desaforos que já me fez na vida, este certamente foi um dos maiores.

Meu novembro sempre tão azul este ano se vestiu de luto.

Eu me vesti de luto.

Me vesti de luto de um jeito que jamais pensei.

E o luto não é coisa ruim. É rever uma vida inteira, uma história inteira, perceber nuances que só a ausência absoluta nos dá.

A morte é a mais sábia das professoras, a melhor das mestras, a mais silenciosas das lições.

Estou cá quietinha, ouvindo o que ela tem a dizer.

Meu pai que em vida muito me faltou (muitas vezes), também muito me ensinou. E agora é a única coisa que realmente importa.

Este novembro cinza roubou de mim todas as borboletas azuis que meu pai já trouxe, mas não tirou de mim a certeza de que esta data é minha e ninguém poderá me tirar isto.

Tenho particular predileção por aniversários, dentre todas as outras comemorações.

Não gosto das outras datas. Não gosto da obrigatoriedade, do estar junto como imposição, do festejo como única opção. Os almoços, jantares e brindes sempre deixa uma falta de gosto quando não cumpridos. Estas datas coletivas (ano-novo, natal, dia das mães, dia dos pais) tem uma imposição que me azeda, enquanto que a data de nascimento de uma pessoa é a data comemorativa realmente impactante da vida dela. E só dela.

Realmente é o ano-novo particular, onde se pode fazer, ou não, o que quiser

Pratico isto com excelência. E me esquivo ferozmente de quem tenta fazer do meu aniversário uma data comemorativa empacotada.

O dia é meu. Só meu. Dele faço e desfaço como quero. Aliás geralmente passo o mês inteiro de novembro desta forma. Meu aniversário é justamente no último dia do mês. Que delícia! São 30 dias repensando minha existência, observando as mudanças físicas e psíquicas ao logo dos anos.

Quando criança e até minha filha nascer esta data gerou certa angustia. Naquela época minha felicidade dependia dos outros. Se “ele” ia lembrar, aparecer, me beijar. Se, se, se.

Depois que me tornei mãe a data de aniversário mais importante do meu universo passou a ser a da minha filha. Meu mundo passou a girar em torno dela, em todos os sentidos e meu aniversário chegou a passar despercebido.

Depois de quase 20 anos escrevendo algo a respeito de minhas expectativas para aquele momento eu simplesmente passei a ignorar meu aniversário. Até que que minha filha cresceu e passou a lembrar da minha própria importância. Lembro o primeiro cartãozinho me parabenizando que ela deu. Pluft! De repente eu percebi que ainda era. Ainda estava aqui e minha história, na pratica, é só minha. Ninguém, nem os nossos filhos, podem tirar de nós a individualidade. Ela passou a tratar meu aniversário como se fosse algo realmente importante. E devolveu para mim o meu próprio olhar.

Durante todos estes anos se existiu uma pessoa que nunca esqueceu meu aniversário esta pessoa foi meu pai. Mesmo durante todos os anos que ficamos sem nos falar, ele sempre enviou ao menos um cartão nesta data. E cada cartão lindo! Diversas vezes mandou flores no meu trabalho, ou apareceu com um único botão de rosa na hora de saída do expediente. Com todas nossas infinitas diferenças devo dizer que meu pai me ensinou perfeitamente como eu deveria ser tratada. Aprendi a não abrir mão disto.

E este novembro que começou com uma ruptura sem volta terminará com meu aniversário. 43 anos para serem repensados e talvez mais da metade de minha vida já vivida.

Bendito sejam todos os novembros azuis de minha vida e que mesmo este, assim tão predominantemente cinza, possa ser de agradecimento ao privilégio da vida, ainda que com a inegável e gritante presença da morte...afinal, a morte nada mais é que o outro lado de uma mesma moeda, a moeda da existência.



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